“Sniper Americano” (Clint Eastwood)
Aos 84 anos, Clint Eastwood volta a afirmar-se como o mais fordiano dos realizadores americanos, o seu único e mais legítimo herdeiro, na forma como na moral. Em “Sniper Americano”, Eastwood conta a história de Chris Kyle, o atirador especial com mais mortes confirmadas na história militar dos EUA, através dos olhos azuis-claros de Bradley Cooper, que desvendam o mais íntimo da personagem. Nem ladainha patrioteira nem manifesto anti-militarista, é a narrativa de um destino americano forjado na guerra e indelevelmente marcado por ela.
“Citizenfour” (Laura Poitras)
Foi, mais uma vez, um ano bom para os documentários, e “Citizenfour” foi um dos melhores vistos em 2015. Laura Poitras consegue que este filme sobre Edward Snowden, o mais arrojado e célebre denunciante da história dos serviços de espionagem, consiga ter tanto ou mais “suspense” do que o mais elaborado dos thrillers de ficção. No final, além de uma chamada de atenção para o papel e a importância do jornalismo de investigação, fica também a eterna pergunta: quem vigia os vigilantes e tem independência e poder para os chamar à pedra?
“O Conto da Princesa Kaguya” (Isao Takahata)
Foi também um ano muito bom para a animação, e o filme mais deslumbrante do género é esta obra-prima do octogenário Isaho Takahata, co-fundador dos Estúdios Ghibli, juntamente com Hayao Miyazaki e Suzuki Toshio. Baseado num conto tradicional japonês datado do século X, “O Conto da Princesa Kaguya” demorou oito anos a fazer, em animação tradicional, remetendo visual e graficamente à ancestral herança artística do Japão, e é um espectáculo cinematográfico de raríssima beleza, delicadeza, sensibilidade e poesia.
“Mad Max – Estrada da Fúria” (George Miller)
Tom Hardy substituiu Mel Gibson no papel do lendário Guerreiro da Estrada da era pós-apocalíptica na Austrália, e o quarto filme da série criada por George Miller é um triunfo acelerado, impiedoso, cacofónico e gloriosamente hiperviolento, um western de ficção científica inspirado por Jerónimo Bosch e por uma versão kamikaze e balística de “Top Gear”. No papel de Imperator Furiosa, a guerreira que se revolta contra o tirano Immortan Joe, Charlize Theron pede meças ao Max de Hardy e impõe-se como a heroína do ano.
“A Fossa” (Wang Bing)
Estreado com o documentário “Três Irmãs”, este “A Fossa”, do chinês Wang Bing, foi filmado clandestinamente, como é hábito do realizador, e é uma ficção contígua da realidade, recriando, in loco e até ao pormenor mais insuportável, as vicissitudes dos prisioneiros de um campo de trabalho e reeducação maoísta situado no Deserto do Góbi, nos anos 50 e 60. Bing é o mais brilhante, persistente e corajoso cronista dos estragos causados pelo boom económico chinês, e dos destinos das suas vítimas esquecidas, e em “A Fossa” expõe a desumanidade do regime comunista que o antecedeu.
“National Gallery” (Frederick Wiseman)
O elder statesman do documentário americano teve carta branca para se passear com a sua câmara pela National Gallery londrina durante três meses, e deu-nos este filme. Além de um retrato do museu em todas as suas dimensões, sem esquecer os que o visitam e as suas reacções às obras expostas, “National Gallery” é ainda Wiseman destilado à sua mais pura essência: limpidez de exposição, recato estilístico, pontaria descritiva, abstenção de comentários explicativos, intrusivos, redundantes ou indutores de uma qualquer opinião ou “mensagem”.
“Predestinado” (Michael e Peter Spierig)
Este é um dos melhores filmes menos vistos de 2015, pois teve uma estreia quase secreta em Portugal. Realizado pelos irmãos Michael e Peter Spierig, alemães radicados na Austrália e autores do excelente “Daybreakers – O Último Vampiro” (2009), “Predestinado” adapta o conto clássico “All You Zombies…” de Robert A. Heinlein, tem Ethan Hawke no papel de um agente especial que viaja no tempo para capturar um bombista, e é tudo o que a ficção científica cinematográfica não costuma ser: elaborado, inteligente, subtil e limpo de clichés. E sem uma nave espacial, um robô ou um planeta a explodir que seja.
“Táxi” (Jafar Panahi)
O cineasta iraniano Jafar Pahani foi proibido de filmar pelo seu governo durante 20 anos, e submetido a prisão domiciliária. Panahi desobedeceu pela terceira vez ao seu governo, e pela terceira vez rodou um filme à socapa, aproveitando a miniaturização e a portabilidade das câmaras digitais. Metido na pele de um taxista de Teerão, e com a ajuda de anónimos, família e amigos, o autor de “O Círculo” e “Sangue e Ouro” assina esta fita astuta, corajosa, ágil e muito bem-humorada, na qual nos diz mais sobre o Irão de hoje e a vida e os problemas dos iranianos do que mil telejornais ou programas de televisão ocidentais.
https://youtu.be/vpucImhvWIQ
“Vai Seguir-te” (David Robert Mitchell)
O melhor filme de terror do ano não tem zombies, vampiros nem lobisomens. O realizador indie americano David Robert Mitchell invoca o conto “Casting the Runes”, de MR James, mestre inglês da literatura sobrenatural, e o John Carpenter de “Halloween – O Regresso do Mal”, nesta história onde uma entidade maléfica é transmitida pelas relações sexuais e persegue, lenta, silenciosa, implacavelmente, as suas vítimas, podendo assumir várias formas, sempre humanas. É um “monstro” para os nossos tempos promíscuos, que se manifesta no quotidiano banal dos subúrbios da classe média de uma cidade dos EUA.
“Coração de Cão” (Laurie Anderson)
A morte de Lolabelle, a fiel cadela “terrier” de Laurie Anderson, que tocava piano e pintava com as patinhas, levou-a a rodar este filme dedicado ao marido, Lou Reed, também recentemente desaparecido, e por onde passa também a morte da sua mãe. Chamem-lhe o que quiserem: rêverie, documentário, ensaio, divagação filosofante por imagens e música, elegia fantasmagórico-realista, jiga-joga coerente de memórias, evocações e associações. “Coração de Cão” não deixará de ser um dos filmes mais indefiníveis, excêntricos, sensíveis e profundamente tocantes do ano.
A surpresa : “Creed: O Legado de Rocky” (Ryan Coogler)
O sétimo filme da saga “Rocky”, quase a fazer 40 anos, é o melhor desde o original homónimo, que John G. Avildsen realizou em 1976, lançando o desconhecido Sylvester Gardenzio Stallone para a fama. E é ainda um dos melhores filmes de boxe, e sobre desporto, dos últimos tempos. Stallone faz um Rocky Balboa há muito retirado do ringue, que aceita treinar Adonis Johnson (Michael B. Jordan), filho ilegítimo do seu falecido rival, e depois amigo, Apollo Creed. Ryan Coogler, o autor de “Fruitvale Station”, consegue conjugar as convenções do filme de boxe, e de estúdio, com a vontade de fazer diferente do espírito indie, e realiza um filme que consegue ser familiar e original, viril e terno, ter punhos de aço e bom coração. Estreia esta semana.