Não está exposto numa tabuleta à entrada, a avisar quem chega, a forma como a casa se rege sob a vontade de quem nela manda. Mas é sabido que, no Estádio do Dragão, apenas uma pessoa decide o que faz ao homem que ensina à equipa do futebol o que deve ser feito em campo. Essa pessoa chama-se Jorge Nuno Pinto da Costa e desde 1982 que a sua palavra conta mais que as outras quando chega a altura de escolher, contratar, renovar ou dar um aperto de mão de despedida a um treinador. É desta última parte que o presidente do FC Porto não gosta, sobretudo quando lhe empurram o braço para o fazer a meio de uma temporada. Agarrar chicotes psicológicos nunca foi com ele.
Nem o era agora, quando se diz que há muito sabia dos narizes que Adelino Caldeira, Fernando Gomes e Reinaldo Teles torciam a Julen Lopetegui. Os restantes membros da administração do FC Porto achavam que o treinador já estava a mais no clube, mas nenhum podia fazer algo quanto a isso — este era o único ponto em que a democracia a quatro vozes é substituída pela autocracia de um homem. Lopetegui foi uma aposta de Pinto da Costa e agora estava no ponto de ser uma insistência solitária do presidente. Adeptos a assobiar, jogadores cabisbaixos, administradores descontentes, todos davam o tempo do treinador como contado. Mas o presidente segurou-o até à primeira semana de janeiro, até lhe dizer o que não gosta de dizer aos treinadores: acabou.
É a sétima vez que Pinto da Costa acaba com a aventura de um treinador a meio da época. Não deu “margem” para “Lopetegui dizer que não” ao convite que lhe fez no verão de 2014 e agora era o presidente que pouca folga tinha para manter o basco ao fim de 77 jogos. Esteve ano e meio no FC Porto e acaba por ser o técnico que mais partidas fez até o presidente ficar sem argumentos para o manter no clube. Não se sabe quais eram, mas um deles poderia ser o mesmo motivo que, ao final da manha desta sexta-feira, ainda mantinha Pinto da Costa e Julen Lopetegui a negociar a papelada da rescisão do contrato — a choruda indemnização que o treinador terá de receber. Porque o presidente fez o que não costuma e ofereceu um contrato de três anos ao basco que, por época, rendia três milhões de euros brutos ao treinador. Vínculo longo = indemnização choruda.
Lopetegui foi ficando como ninguém antes dele ficou. Julen é o oposto de Joaquim Duro de Jesus, o homem mais conhecido por Quinito, que não perdeu para o campeonato, mas foi empurrado para fora do FC Porto pelos 5-0 com que o PSV o derrotou na Liga do Campeões, em 1987/88. A temporada ia em novembro e o treinador só contou 16 jogos a mandar nos dragões. Ao primeiro treinador despedido a meio da época por Pinto da Costa seguiu-se o segundo, em 1993/94, quando o presidente fez Tomislav Ivic regressar ao FC Porto e o mandou embora no final de janeiro, com 15 vitórias, oito empates e quatro derrotas em 27 partidas. Ambos estavam no terceiro lugar do campeonato.
Mas Octávio Machado deixou os dragões no quinto posto em 2001/02, embora com uma Super Taça a mais na vitrina do museu do clube. O português sairia com 18 vitórias, seis empates e 11 derrotas e deixou o banco vago para José Mourinho, o treinador que mais sucesso teve este século no FC Porto. E foi na ressaca de tudo o que o português especial ganhou, que os dragões cambalearam e obrigaram Pinto da Costa a despedir outro técnico, em 2004/05. O espanhol Victor Fernández até se agarrou a outra Super Taça e foi ao Japão buscar uma Taça Intercontinental, mas uma equipa cheia de nomes de craque a jogar apenas como um conjunto de indivíduos abriu-lhe a porta em janeiro, ao fim de 29 jogos, 12 vitórias, 10 empates e sete derrotas.
Tantos jogos perdidos quanto os que Paulo Fonseca não ganhou em 2013/14. O treinador que sempre deu a sensação de chegar cedo demais a um dos grandes, ainda se manteve no FC Porto até março — nunca Pinto da Costa segurou alguém durante tanto tempo –, mas deixou-o no terceiro posto do campeonato (como Fernández) e a meio de uma caminhada na Liga Europa. Foram 21 vitórias, nove empates e sete derrotas em 37 jogos. Depois há os casos de Luigi Del Neri, italiano carrancudo que esperou umas semanas da pré-época até sair por vontade prórpia, em 2004/04, e Co Adriaanse, que fez o mesmo no arranque de 2006/07 após conquistar o título a jogar com três centrais e quatro avançados.
Agora o FC Porto está num segundo lugar com menos quatro pontos que o Sporting, com uns 16 avos de final da Liga Europa daqui a um mês contra o Borussia Dortmund e ainda na luta pelas duas taças internas. Agora não se sabe se é Rui Barros, o adjunto de Lopetegui, ou Luís Castro, que manda na equipa B, que ficam a tomar conta da equipa, e muito menos é conhecido se o substituto permanente do espanhol chegará no decorrer desta temporada. A verdade é que, a trocar de técnico a meio da época, o FC Porto não se agarra ao título há 57 anos. Só em 1958/59 é que o brasileiro Otto Bumbel foi capaz de agarrar nas rédeas largadas por Béla Guttmann e ser campeão com os dragões. Talvez seja por isto que Pinto da Costa não gosta de agarrar no chicote e se livrar de um treinador a meio de uma temporada.