A segunda parte contava já setenta e seis (longos) minutos de marasmo.
O FC Porto atacava muito. A redondinha mal se lhes descolava das botas, aos de camisola azul-e-branca. Mas não atacava bem. Nada bem. Era tudo um trouxe-mouxe, com cruzamentos e mais cruzamentos para a molhada, na esperança, talvez, que um desvio, com a cabeça, o pé ou até a mão de Deus, de Vata ou outra, fizesse o golo da vitória. Não fez. E a redondinha, essa, a tal que Lopetegui — qual Guardiola (é curioso que os dois partilharam o balneário no Barça de Van Gaal) de Asteasu, no País Basco – quer à força de circulá-la ter por sua, raramente deu uma voltinha à área do Rio Ave – as que deu, deu-as longe da baliza de Cássio e, portanto, do golo.
Julen Lopetegui exasperava, calcorreando a área de lés a lés, entre um berro e outro para o relvado. Esbracejava e esperneava. Mas como berrando não havia quem lhe ligasse patavina, deitou então o indicador e o polegar aos lábios, assobiando. E nada. Ninguém o escutou. O estádio do Dragão não o apupou uma só vez – nem aquando do empate do Rio Ave. Era um homem só.
Com os tais setenta e seis minutos de jogo, o lateral Edimar esquiva-se pela esquerda, deixa Maxi Pereira (que não é de ser ultrapassado em contra-pé) a vê-lo passar e cruza para a área. Yazalde e Kizito, os avançados vila condenses, nem eles tiveram pernas para a correria desenfreada de Edimar, e vinham longe demais para desviar o cruzamento. Mas Herrera sentiu um vulto nas suas costas, depois outro e cortou, atabalhoadamente, a bola para fora. Canto. Quando se voltou, deitou os olhos à relva, envergonhado – os vultos eram, afinal, os de Martins Indi e Marcano.
Lopetegui viu tudo no banco. De pé. Não se lhe escutou um só berro ou assobiadela, nem se lhe avistou um esbracejo, nem um esperneio, nada. Agachou-se, pegou na garrafa de água que tinha à beira dos pés, deu um gole, depois outro, e calado permaneceu até perto do fim. O rosto disse tudo o que Lopetegui não disse. E não é preciso ser-se um tal de Cal Lightman (da série “Lie to Me”) para entendê-lo. Não era o rosto de alguém exasperado como era instantes antes. Era o rosto de alguém que não sabe mais o que fazer para mudar o imutável.
Começavam a escutar-se os primeiros assobios ansiosos no Dragão.
E Lopetegui reagiu. A tática, até aí um 4-3-3, virou a tática da salgalhada, com três centrais – sendo que um deles foi o “matulão” do Maxi –, três médios-centro, coladinhos que só eles, dois extremos abertos nas alas e dois avançados-centro fechados ao meio. Não resultou. E o FC Porto empatou em casa com o Rio Ave. Pior: viu o Benfica colar-se a si e o Sporting afastar-se, a quatro pontos. Pior ainda: Lopetegui, ainda na disputa da Liga, ainda na da Taça de Portugal, quase, quase fora da Taça da Liga, definitivamente fora da Liga dos Campeões – disputará a Liga da Europa na sua vez –, Lopetegui não dá sinais de que vá vencer tudo o que ainda tem por vencer. Antes pelo contrário.
Pinto da Costa não tem por hábito, nem sob pressão – recentemente, segurou Vítor Pereira e deu-se bem, por exemplo; com Paulo Fonseca nem tanto –, fazer cair o treinador tão cedo, ainda que tudo pareça ruir à sua volta. Despedi-lo antes do fim é admitir que contratá-lo foi um erro. E a margem de erro no FC Porto, onde vencer é o pão nosso de cada dia – ou era; em 2014/2016 não tocou num só troféu, o que não se via nem vivenciava à décadas –, é pouca.
Os adeptos têm fome de títulos como a França setecentista de Luís XVI tinha fome de pão e de tudo. Maria Antonieta, a rainha, luxuriante, sugeriu (ou não; serve-nos a verdade ou o engano histórico para compará-los, Antonieta e Lopetegui) aos franceses a definhar que, à falta de pão, comessem brioches. Lopetegui, à falta de futebol melhor, de títulos, nem brioches (e entenda-se “brioches” como vitórias: nas últimas três partidas perdeu com o Marítimo, com o Sporting e empatou com o Rio Ave) tem para dar. Maria Antonieta tinha tudo: riqueza, vestidos, excessos, tudo à grande e à francesa. Lopetegui tem o plantel que quis, livrou-se no plantel de quem não quis – e que falta não faria um líder como Quaresma e um abre-latas como Quintero neste FC Porto sem rei nem roque –, mas, como a rainha de França, esbanjou tudo. A cabeça de Maria Antonieta perdeu-se. Literalmente. A de Julen, não. Até quando?
Na Rússia sabe-se à boca cheia que André Villas-Boas não continuará no Zenit. E sabe-se dele, Villas-Boas, que a cadeira do Dragão é a sua “cadeira de sonho”. Sabe-se também, nos corredores do Dragão, não desbocadamente mas em surdina, que é ele o favorito de Pinto da Costa para substituir o basco Lopetegui no banco. Os contactos exploratórios já começaram, aliás. O investimento será avultado. Villas-Boas não é mais o treinador que Pinto da Costa foi recrutar à Académica, surripiando-o ao Sporting à última da hora. Mas se há que vencer, dê lá por onde der, há que investir – como o Sporting fez com Jesus; se com retorno ou não, em maio se verá. Mas a chegar – e se é que chega –, André só chegará no verão. Lopetegui dificilmente resistirá até lá.
Hoje, às portas do Dragão, tal como em 1793, às portas de Versalhes, pedem-se culpados, cabeças. Se a de Lopetegui rolar, certamente Luís Castro, o treinador dos BB, substitui-lo-á. O FC Porto B vence, é líder da II Liga, convence, é ofensivo, marca golos em barda, de toda a espécie e feitio, algo que nos AA não se vê.
Um coisa é certa: o adiós a Julen Lopetegui está por dias – ou serão horas? Domingo há dérbi com o Boavista, no estádio do Bessa. A dúvida é perceber quem se sentará no banco visitante, se Lopetegui, se Castro — ou, mesmo que provisoriamente, um dos adjuntos lusos do espanhol, no caso Rui Barros. Sentando-se (ainda) Lopetegui, qualquer resultado que não a vitória, qualquer exibição que não a melhor, é despedimento na certa. O problema é que despedir Lopetegui, de forma unilateral e sem acordo, custaria à SAD do FC Porto 4,5 milhões de euros. O treinador basco aufere três milhões de euros (brutos) por época. Assim, o valor a pagar deverá ser 1,5 milhões pelo que falta até ao verão e mais três milhões pela próxima temporada, num acordo que termina em 2016/17.
Aguardemos pelos ventos que sopram do Dragão. O mais provável é que o casamento dê em divórcio e Lopetegui vá soprado para Espanha na ventania. E que bom vento seria, regozijam-se os portista nas bancadas, ainda de lenço branco e esvoaçante na mão e pulso a doer da tendinite.