Antes de mais, os meus parabéns a Marcelo e a Marisa Matias. São os vencedores da noite.

Não segui com atenção a campanha. Vi alguns debates, mais por diversão do que por outra coisa, e pouco mais. Na verdade, não havia forma de eu me entusiasmar com este leque de candidatos. Quando apresentou a sua candidatura, decidi que o meu voto era dela. E, na verdade, à esquerda, as sondagens punham-na à frente. Se não tivesse feito campanha teria tido bastantes mais votos do que teve. Mas fez campanha.

Eu lembrava-me bem que Maria de Belém tinha sido presidente da Comissão de Saúde do parlamento ao mesmo tempo que era consultora do Grupo Espírito Santo Saúde. A incompatibilidade ética era óbvia, mas, na verdade, a única coisa que esperava dela era uma declaração simples: “é verdade, não devia ter acumulado funções e se fosse hoje não o faria; dou a minha palavra em como nada do que fiz naquela comissão foi afectado por isso, tendo-me limitado sempre a defender o interesse público.” Bastava isso. Mas não, fez questão de dizer que a única ética que interessava era cumprir a lei.

Dou de barato o absurdo desta declaração. Mesmo que admitíssemos que a única coisa que interessa é que se cumpra a lei, é impossível que Maria de Belém não perceba que este argumento se pode aplicar a mim, mas nunca a uma deputada. É a Assembleia da República que faz as leis e define o regime de incompatibilidades. É absurdo que, de seguida, uma deputada invoque a lei para se justificar como se não fosse responsável pela lei que evoca. Mal comparando, é o mesmo que alguém matar o pai e a mãe e, de seguida, pedir clemência ao tribunal porque é órfão. Alguém que tem este conceito de ética é, naturalmente, alguém que não percebe a falta de ética que é usar os recursos do Estado para defender os seus interesses privados. É alguém que acha normal pedir ao Tribunal Constitucional que verifique a inconstitucionalidade de uma subvenção vitalícia a que julga ter direito. É alguém sem estaleca moral e ética para ser Presidente da República, que acabou a campanha a querer comparar recibos de vencimento. A votação que teve deve ser vista como uma vitória pessoal, pois foi bem mais alta do que merecia.

Sampaio da Nóvoa foi a surpresa dos debates ao derrotar claramente Rebelo de Sousa. Desde que nos anos 90 Rebelo de Sousa perdeu o debate com Jorge Sampaio que sabemos que não se dá bem em debates a sério. Mesmo assim, uma coisa é perder com Sampaio, um político experimentado e advogado de barra, outra coisa é perder de forma tão clara com um mancebo.

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A verdade, como sempre, é mais complexa. Sampaio da Nóvoa foi reitor da Universidade de Lisboa. Dificilmente alguém com este perfil teria complexos de discutir de igual para igual com um professor da sua universidade. De tudo o que rodeou a campanha de Sampaio da Nóvoa, o mais ridículo foi mesmo obrigarem-no a sacar do curriculum. A sério, querem mesmo comparar o CV de quem quer que seja com o de um reitor de uma das grandes universidades do país, que tem todos os seus títulos académicos conseguidos nas melhores universidades europeias, além de já ter dois doutoramentos honoris causa por duas universidades portuguesas? Seria hilariante, se não fosse ridículo. Talvez por isso, Sampaio da Nóvoa acabe por ser a surpresa com uma votação superior ao que seria esperado e quase forçando uma segunda volta, onde, à partida, teria muito poucas hipóteses. O seu erro foi não ter percebido que tinha a vitória à esquerda quase garantida. Se o tivesse percebido teria ido atrás de alguns votos da direita, em vez de se deixar colar a uma solução governativa que tem todas as condições para deixar Portugal com o chapéu de esmolas na mão.

Marisa Matias provou, novamente, que as mulheres do Bloco de Esquerda estão em grande, confirmando o excelente resultado do Bloco de Esquerda nas últimas eleições. Fez uma campanha em crescendo. No fim, percebeu que a decisão do Tribunal Constitucional sobre a subvenção de Maria de Belém (bem como de Armando Vara, Zita Seabra e Dias Loureiro entre mais algumas centenas) era a oportunidade de chegar ao 3º lugar. O instinto assassino que revelou justifica por que vai ter mais 200.000 votos que Louçã há 5 anos.

Apesar de tudo, o que mais me surpreendeu nesta campanha foi Edgar e a Coreia do Norte. Não o que disse, mas a surpresa que causou. Por exemplo, Louçã escreveu “Edgar Silva escolheu ser o candidato que não consegue reconhecer o que qualquer pessoa entende, a começar pelos membros do seu partido, que uma ditadura é uma ditadura.” Esta surpresa de Louçã é impossível de compreender. Edgar Silva é o candidato do PCP. Já vários dirigentes do PCP fizeram declarações semelhantes. Foi o deputado Bernardino a respeito da mesma Coreia do Norte que disse que não tinha a certeza de que não fosse uma democracia. Foi a deputada Rita Rato que admite que os Gulags possam ter acontecido. Eu percebo o desconforto. Questionar a “experiência” dos Gulags está ao mesmo nível dos que questionam a experiência do “Holocausto”. E falar de democracia na Coreia do Norte é tão ou mais insano do que falar em democracia no Chile de Pinochet. E é isto que Edgar Silva representa. Por isso é triste, a sua votação foi excessiva.

Marcelo Rebelo de Sousa manteve os partidos que o apoiam à distância. Como naqueles casos de violência doméstica em que o agressor é condenado a guardar uma distância mínima da vítima, também Portas e Passos Coelho receberam uma condenação semelhante. Marcelo Rebelo de Sousa percebeu o que os outros candidatos não parecem ter percebido. Os portugueses estão fartos dos partidos e querem distância. Ao mantê-los à distância, Marcelo ganhou.

Todos sabemos o que vamos ter agora na Presidência. É difícil alguém vir a sentir-se enganado. Vai ser uma presidência muito divertida. Espero que a RTP desafie o novo Presidente da República para um espaço semanal de comentário em horário nobre. Afinal de contas, se Marcelo se vai andar a divertir nos próximos 5 (10?) anos, era simpático que nos pudéssemos divertir com ele. Lancem-lhe o desafio. Vão ver que ele ainda aceita. Os entertainers são assim.

PS — Quando escrevi os primeiros parágrafos, não imaginava que Maria de Belém tivesse uma votação tão fraca. Não teria sido tão bruto com MB, se o soubesse. Imaginava-a ligeiramente acima dos 10%. Mas esperemos que fique a lição. Se a ética dos políticos não é suficientemente firme para evitarem comportamentos indignos, ao menos que o façam por motivos eleitorais. Que percebam que os portugueses estão fartos da partidocracia dos interesses.

* Aguiar-Conraria é professor na Universidade do Minho e colunista do Observador