A Polícia Judiciária (PJ) está a investigar as ligações de José Veiga ao Governo da República do Congo no âmbito da Operação Rota do Atlântico. Em causa estão indícios de corrupção no comércio internacional ligado à actividade de diversas sociedades comerciais portuguesas e internacionais no mercado daquele país africano, também conhecido como Congo Brazzaville. Essa actividade decorreria, nomeadamente, nas áreas das obras públicas, construção civil e venda de produtos petrolíferos.
Na Operação Rota do Atlântico, cujo inquérito é conduzido pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), existe a suspeita de que diversos titulares de cargos políticos e da administração da República do Congo terão recebido contrapartidas pela adjudicação de contratos públicos.
As autoridades suspeitam que José Veiga e Paulo Santana Lopes, detidos na manhã de quarta-feira à ordem deste processo, funcionariam como facilitadores de negócios de empresas portuguesas que queriam entrar no mercado da República do Congo. Daí, tal como a Procuradoria Geral da República e a PJ anunciaram, estarem a ser investigadas igualmente indícios de crimes de branqueamento de capitais, tráfico de influências, participação económica em negócio e fraude fiscal.
Um dos negócios que está na mira dos investigadores, como o Observador noticiou, é a tentativa de compra do Banco Internacional de Cabo Verde (BICV) por parte de José Veiga. Segundo notícia do Diário Económico de 20 de janeiro, a proposta de 14 milhões de euros foi apresentada por Veiga em nome de um consórcio que incluía diversos investidores africanos. O mesmo jornal afirmou que o DCIAP apreendeu nas buscas realizadas na quarta-feira cerca de 11 milhões de euros pagos ao Novo Banco (o banco que detém o BICV) como sinal pela realização do negócio. Recorde-se que o negócio ainda não tinha sido autorizado pelo Banco de Portugal.
José Veiga e Paulo Santana Lopes, juntamente com a advogada igualmente detida, serão ouvidos esta quinta-feira pelo juiz de instrução criminal Carlos Alexandre.
Uma lei de Sócrates
A lei que estipula o crime de corrupção activa do comércio internacional, cuja primeira versão foi assinada pelo primeiro-ministro José Sócrates e deriva da transposição de legislação da União Europeia, é precisamente aplicada a quem alegadamente der ou prometer a “funcionário estrangeiro ou nacional (…) ou a titular de cargo político, nacional ou estrangeiro, (…) vantagem patrimonial ou não patrimonial que não lhe seja devida para obter ou conservar um negócio, um contrato ou outra vantagem indevida no comércio internacional”. Ao que o Observador apurou, no inquérito em apreço não estarão a ser investigadas suspeitas de corrupção relacionadas com titulares de cargos políticos portugueses. A pena de prisão prevista para o crime em causa é de um a oito anos.
Esta lei permite à Justiça portuguesa investigar crimes que tenham sido alegadamente praticados em território nacional por parte de responsáveis de empresas a funcionar em Portugal e que actuem nos mercados internacionais. Os alegados corruptores passivos (isto é, quem recebe a alegada contrapartida indevida) não são perseguidos criminalmente se esse crime tiver sido praticado noutro país, devido à falta de competência jurisdicional por parte da República Portuguesa.
Não é a primeira vez que este crime é investigado pelo DCIAP. Recorde-se que, tal como o Observador já noticiou, Paulo Lalanda de Castro, ex-patrão de José Sócrates, foi constituído arguido na Operação Marquês por esse crime devido a alegadas transferências bancárias realizadas para titulares de cargos políticos da Líbia. Segundo o MP, tais transferências seriam alegadas contrapartidas pela adjudicação de um contrato público na área da saúde à empresa Inteligent Life Solutions. Foi extraída certidão para o processo Vistos Gold, mas esta situação não foi apreciada no despacho final de inquérito do caso que envolve o ex-ministro Miguel Macedo.
O estudo do investimento no Grupo Espírito Santo
As alegadas ligações privilegiadas de José Veiga ao Governo da Republica do Congo têm sido noticiadas nos últimos anos na comunicação social portuguesa. Um desses casos está relacionado com a possível entrada de investidores da República do Congo no capital de duas sociedades do Grupo Espírito Santo (GES) que foi discutida no Conselho Superior do GES. Segundo as gravações, que foram reveladas em primeira mão pelo jornal i e noticiadas numa segunda fase pela revista Sábado, a família Espírito Santo discutiu em pormenor o interesse que José Veiga tinha manifestado em intermediar o investimento de entidades da República do Congo no GES – tal como foi recordado a 20 de janeiro pelo Diário Económico e esta quarta-feira pela revista Visão.
Pedro Mosqueira do Amaral, um dos membros do ramo Mosqueira do Amaral, informou o Conselho Superior do GES na reunião de 27 de janeiro de 2014 do desejo de José Veiga em encontrar-se com Ricardo Salgado. “O Congo Brazzaville tem uns milhões disponíveis e gostava de investir em Portugal. Gostava de ver a nossa estrutura. Estamos interessados nisso?”, perguntou o gestor. Salgado respondeu afirmativamente, tendo Mosqueira do Amaral acrescentado que Veiga “é o gestor do presidente do Congo Brazaville” (Denis Sassou Nguesso). O mesmo administrador do GES referiu ainda que Nguesso estaria interessado numa parceria com “Gabriel [Lima, ministro das Minas, Indústria e Energia e filho do presidente] da Guiné Equatorial”, segundo a contextualização feita pela revista Sábado.
Director-geral de empresa brasileira no Congo
Mosqueira do Amaral também referiu a ligação de José Veiga à empresa brasileira Asperbras. Trata-se de uma sociedade agrícola que nasceu em 1966 no interior do estado de São Paulo e que hoje, além de ter expandido as suas actividades para a industria de PVC para fins agrícolas, está também presente nos sectores alimentar, geológico, mineração e de construção, e tem filiais internacionais em Portugal, Angola, Congo, Uruguai e Áustria.
José Veiga é, desde há vários anos, director-geral da Asperbras na República do Congo. Um dos projectos que lidera é, por exemplo, a construção da zona industrial e comercial de Maloukou, localizada nos arredores da capital Brazzaville. Tal empreendimento faz parte do plano de industrialização que está a ser implementado pelo presidente Denis Sassou Nguesso e tem um custo estimado de 500 milhões de dólares americanos (cerca de 450 milhões de euros).