Chama-se Kontinent Congo, opera na área da exploração de petróleo do Congo, tem como sócios fundadores um português (José Veiga) e um camaronês (Yaya Moussa) e é detida por uma sociedade offshore chamada Kontinent criada no estado norte-americano de Delaware. É uma dupla original, visto que Veiga é suspeito de ser o testa-de-ferro de Denis Sassou Nguesso, o presidente que governa com mão-de-ferro o Congo Brazzaville, enquanto Moussa é um ex-representante do Fundo Monetário Internacional (FMI) no Congo Brazzaville. Foi Yaya Moussa quem fundou a Kontinent no Delaware pouco depois de negociar em nome do FMI um alívio da dívida do Congo em 2 mil milhões de dólares (cerca de 1,7 mil milhões de euros ao câmbio atual) durante o ano de 2010. Quem o diz é a Global Witness, uma organização não governamental (ONG) com sede em Londres que revela esta terça-feira uma investigação em que Veiga e Moussa são os protagonistas.

De acordo com o relatório da ONG inglesa, a que o Observador teve acesso em exclusivo para Portugal e que cita diversos trabalhos do nosso jornal sobre a Operação Rota do Atlântico, a empresa de José Veiga e de Yaya Moussa terá participado em consórcios liderados pela francesa Total e pela italiana Eni com diversas licenças para extração de petróleo no Congo Brazzavile. Uma delas será a do campo Loango II, liderado pela Eni na qual a Kontinent terá uma participação de 5%.

A investigação da Global Witness, que apresenta José Veiga como um “protagonista de um escândalo de corrupção”, numa alusão ao facto de ser arguido na Operação Rota do Atlântico por suspeitas de corrupção no comércio internacional de políticos do Congo Brazzaville, começa por questionar o facto de Yaya Moussa ter sido um elemento central da delegação do FMI que levou ao alívio da dívida pública congolesa em cerca de 2 mil milhões de dólares (cerca de 1,7 mil milhões de euros ao câmbio atual) durante o ano de 2010. Para executar tal perdão de dívida, contudo, a delegação do FMI colocou como condição o cumprimento de um exigente programa de transparência nas contas públicas e na exploração dos recursos naturais daquele país africano.

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A Global Witness garante que ”não encontrou nenhuma informação pública disponível sobre como a Kontinent Congo recebeu a sua parte em licenças de extração de petróleo, o que é contrário às recomendações estabelecidas pelo FMI no processo de resgate financeiro sobre transparência no setor de recursos naturais. Ironicamente, Yaya Moussa fazia parte da equipa do FMI que participou na produção dessas recomendações”, lê-se no relatório da ONG inglesa.

Por outro, as licenças passadas aos consórcios liderados pela Total/Eni/Kontinent poderão padecer de alegadas irregularidades. Isto porque a Kontinent LLC foi criada no Delaware, conhecido estado norte-americano que tem um enquadramento fiscal que permite a existência de empresas offshore, sendo que a Kontinent Congo foi detida até 2015 pelo português José Veiga (com 49% do capital) e pelo camaronês Yaya Moussa. Ou seja, a empresa não cumprirá a lei do Congo Brazzaville para ser considerada uma “empresa privada nacional.”

“A Kontinent Congo não parece ser o tipo de empresa que as regras de conteúdo local estão buscando promover. Isso faz questionar até que ponto a concessão de licenças de extração de petróleo à Kontinent Congo representa um tratamento preferencial à empresa, Veiga e Moussa, ao invés de uma tentativa genuína de promover os interesses dos negócios locais,” afirmou ao Observador Mariana Abreu, autora desta investigação da Global Witness.

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Recorde-se que José Veiga, juntamente com Paulo Santana Lopes e outros arguidos, é suspeito na Operação Rota do Atlântico dos crimes de corrupção ativa no comércio internacional, fraude fiscal qualificada e branqueamentos de capitais.

Total e Eni confirmam relação com Veiga e Moussa

Contactados pela ONG inglesa, a Eni confirmou que José Veiga e Yaya Moussa são sócios da Kontinent Congo desde 2015, contudo fonte oficial da petrolífera italiana recusou a responder a a mais perguntas, visto que o Ministério Público de Milão tem “uma investigação em curso a respeito de certas atividades da empresa no Congo”.

Na Assembleia Geral de 2017, a Eni assegurou que realizou as devidas diligências a respeito dos seus novos sócios no Congo Brazzaville e não encontrou problemas legais relacionados com Moussa e Veiga, e acrescentou que não existia fundamento para considerar que o português era o representante da família presidencial congolesa.

“Esse é apenas o mais recente exemplo dos riscos massivos que a Eni tem corrido nos seus negócios”, diz Mariana Abreu. “A empresa já está a ter que defender o seu trabalho na Nigéria e agora estão a ser levantadas sérias dúvidas sobre as suas atividades no Congo. Começamos a ver um padrão a emergir nas parcerias da Eni com indivíduos que possuem ligações políticas e que são posteriormente investigados por facilitar esquemas de corrupção. É hora de a gestão da Eni ser responsabilizada pelos acordos problemáticos realizados e pelos riscos que eles parecem ter ignorado no processo,” acrescentou.

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Já a Total admitiu também à Global Witness que “identificou tanto Veiga quanto Moussa “ como “proprietários da Kontinent Congo” mas com “um risco potencial para o cumprimento das regras”. A empresa disse que para tratar disso planeou o estabelecimento de “medidas com o objetivo de mitigar os riscos que quaisquer pessoas afiliadas com os funcionários públicos pudessem correr na posição de influenciar indevidamente as operações sob o acordo de operações conjuntas”.

As duas petrolíferas, entretanto, terão desistido de diversas licenças que tinham em parceria com a Kontinent.

Não é a primeira vez, contudo, que José Veiga é relacionado a Yaya Moussa. O Observador já tinha noticiado em fevereiro de 2016 que Veiga tinha criado na República do Benim o Banco Africano para a Indústria e o Comércio (BAIC). Inaugurado em novembro de 2013 com pompa e circunstância, Veiga foi o primeiro presidente do Conselho de Administração do BAIC, sendo que foi substituído em fevereiro de 2014.