(artigo originalmente publicado a 16 de fevereiro de 2016 e agora atualizado)
Pedro Henriques, de 36 anos, estava em fuga desde a manhã desta segunda-feira. Era suspeito da morte da ex-sogra, à facada, e da filha de dois anos, que foi encontrada sem vida pelas 8h35 na mala de um carro, num parque de estacionamento em Corroios, Seixal. Poucas horas depois, viria a ser encontrado sem vida, com indícios de suicídio, no norte do distrito de Leiria (a Lusa avança que foi em Pombal citado fonte da PJ, outros órgãos de informação apontam Castanheira de Pêra).
Segundo as informações que já foram apuradas, o homem deveria entregar a filha, que vivia com a mãe e os avós maternos junto à Igreja da Cruz de Pau, mas não o chegou a fazer, tendo acabado por matar a mãe da ex-mulher e fugido, de seguida, com a filha. O alerta ao INEM, esta manhã, foi dado pelo suspeito — que levou as autoridades a encontrar a filha já sem vida no porta-bagagens do carro. O passo seguinte foi encontrá-lo sem vida, com uma caçadeira ao lado.
Mas o que leva uma mãe (ou um pai) a arrastar os filhos para a morte? O Observador falou com psiquiatras e psicólogos, em fevereiro de 2016, a propósito do caso de Caxias, onde uma mãe se atirou ao rio com as duas filhas pequenas ao colo. Na altura, chamaram-lhe suicídio misericordioso ou piedoso, sendo que as razões podem ser diversas.
Ao Observador, o psiquiatra Álvaro de Carvalho explica que estes pais são “pessoas profundamente deprimidas”. Nos casos de suicídio piedoso, a vítima (que é também um infanticida) considera que “não há solução para a vida” e que está a tomar a decisão certa, evitando que a sua morte traga um “sofrimento atroz” aos filhos.
Mas nem só a depressão explica o suicídio piedoso. “Depois há as situações de pessoas com perturbações de personalidade, com problemas narcísicos graves. Que acham que o que não é delas, não é de mais ninguém”, diz Álvaro de Carvalho, aludindo a casos de processos de divórcio em que a mãe ou o pai não conseguem a custódia dos filhos. Mas há outra razão, uma terceira, adianta o psiquiatra, que a seu ver explicará muitos dos casos de suicídio piedoso: a crise financeira. “Em momentos de crise pode haver um acentuar destas situações. Por exemplo, pessoas desempregadas que temem pelo futuro dos seus filhos”, explica.
Por sua vez, o também psiquiatra Carlos Braz Saraiva vê nestes casos igualmente “situações clínicas de depressão grave com componente psicótico associado”, isto é, situações em que existe “um fundo de desesperança no qual irrompe um estado de desespero avassalador”, não vislumbrando o seu protagonista “outro cenário que não seja a cessação do sofrimento”. Braz Saraiva, que é também dirigente da Sociedade Portuguesa de Suicidologia, diz que nos pais suicidas “persiste a ideia de que é preferível desaparecer do que ter que enfrentar a angústia de ter que viver de maneira sentida como atroz, hostil ou perigosa”.
Há vários casos em que os filhos morreram por vontade dos pais, às mãos destes e com eles. Muitos são explicados pela depressão, como sugeriram Álvaro de Carvalho e Carlos Braz Saraiva, outros surgiram sem razão aparente. E continuam a não ter uma razão.
Caxias. A mãe que pegou nas duas filhas e se atirou ao Tejo
Fevereiro 2016. O taxista diz que assistiu a tudo. Uma mulher saiu do carro estacionado na berma da estrada, em Caxias, Oeiras, trouxe os dois filhos nos braços e lançou-se ao Tejo. Queria pôr termo à sua vida e à dos filhos de 19 meses e de quatro anos. As autoridades, alertadas rapidamente pelo taxista, chegaram em seguida. Eram 21h07 da noite. Ainda conseguiram salvar a mulher, que foi transportada para Hospital de São Francisco Xavier (e posteriormente para o de Santa Maria) em estado de hipotermia, e resgatar um corpo sem vida, o da criança de um ano e meio. Falta encontrar o outro.
O caso aconteceu na noite de segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016 — soube-se depois que as crianças tinham sido sinalizadas pela PSP por alegado abuso sexual do pai e que a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens da Amadora seguia o caso. E é mais um entre os muitos suicídios (com tentativa de homicídio dos filhos) registados nos últimos anos.
Duarte e o pai que não se queria divorciar da mãe
O sonho era o de vir a ser futebolista um dia, como aqueles por quem vibrava na televisão e no estádio. Como sportinguista que era, aos 6 anos, e mesmo sendo a bola enorme face à sua altura, Duarte ia veloz atrás dela — tinha jeito, dizem — e fazia golos e mais golos na Academia Sporting da Póvoa de Santa Iria, em Vila Franca de Xira. Certa manhã, exatamente às 11h10, Duarte chegou com o pai, Anildo, à estação da CP da Póvoa de Santa Iria. Viviam a dois passos dela. Não havia dia em que não apanhassem o comboio. Chegados à plataforma, Anildo, 40 anos, pegou no filho ao colo. Estava a aproximar-se o Intercidades, vindo do Porto até Lisboa, a mais de 150 km/h. No preciso instante em que o comboio chegou à Póvoa de Santa Iria, saltou, com Duarte ao colo. Morreram de imediato. Anildo Soares, cabo-verdiano, trabalhador da construção civil, não aceitou o processo de divórcio com a então mulher Raquel. Estávamos a 26 de agosto de 2011.
Leonardo, Letícia e a mãe que sofria de depressão
Leonardo, de 13 anos, e Letícia, a irmã de 11, despertaram cedo, como todos os dias, arrumaram as camas e o quarto bagunçado, como todos os dias, tomaram o pequeno-almoço com a mãe, Luciana, como todos os dias. Mas aquele dia 24 de agosto de 2012, pouco antes das 10 horas da manhã, foi diferente dos demais. A mãe, dentista em Vila Real de Santo António, enviou uma mensagem para o telemóvel do pai das crianças – que saiu mais cedo de casa nesse dia –, também ele dentista, avisando-o de que chegaria mais tarde ao consultório de ambos. Poucos minutos depois, fechou-se com os filhos num dos quartos da moradia onde viviam em Castro Marim, regou-o com gasolina e ateou-lhe fogo. Os três terão morrido por inalação de gases. Luciana, a mãe, há 15 anos a viver e trabalhar em Portugal, sofria de depressão. E confidenciou a amigos, por mais do que uma vez, a intenção de se suicidar. Nessas confidências, nunca fez referência aos filhos.
Martim e a mãe preocupada com o futuro do filho autista
Manuela era professora de matemática. Aos 47 anos, tinha-se recusado naquele ano a sair de Vinhais, em Bragança, para ir dar aulas em Alijó, Vila Real, apontando como razão o não querer distanciar-se do filho Martim, de 12 anos. Martim sofria de autismo. Também por isso, Manuela aceitou ser vice-presidente da assembleia geral da LEQUE, a Associação Transmontana de Pais com Crianças com Necessidades Educativas Especiais. A relação de ambos, mãe e filho, era de profunda ternura, de cuidado extremoso, mas também (e naturalmente) de dependência de Martim à mãe. Manuela não imaginava como seria o futuro do filho se ela morresse antes de ele ser adulto. E mesmo depois. No dia 10 de fevereiro de 2013, Manuela e Martim fizeram o check-in no Hotel Ibis da Avenida das Forças Armadas, em Bragança. Era 13h30. Quase uma hora depois, Manuela aproximou-se da varanda do 4.º andar do hotel, atirou Martim e atirou-se depois. Os dois tiveram morte imediata. Manuela sofria de depressão. No quarto de hotel, deixou um bilhete, manuscrito, ao marido, Eurico, no qual lhe pedia desculpa pelas duas mortes. Também professor, Eurico confessou nunca ter compreendido as razões da mulher.
Bruna e a mãe que saltou com ela para a frente de um comboio
Bruna deu entrada no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, com um traumatismo cranioencefálico grave. Havia sobrevivido ao atropelamento de um comboio, com somente 4 anos de idade, por o seu corpo se ter aninhado no espaço entre a carruagem e a plataforma. Às 16h de 11 de setembro de 2014, Bruna chegou à estação de Sete Rios, em Lisboa, com a mãe, Juliana Constantino, de 24 anos, natural de Benguela, em Angola, mas a viver em Sesimbra. Bruna resolveu ser birrenta nesse dia. Tanto que a mãe teve de segurá-la ao colo. Quando o comboio chegou, Juliana saltou com ela ainda no colo. A mãe morreu no local. Nunca se descobriu a razão do seu suicídio. Sabe-se que às 17h15, pouco mais de uma hora depois do acidente, a circulação de comboios naquela linha, que liga Lisboa à margem sul do Tejo, foi normalizada. E sabe-se também que Bruna saiu semanas mais tarde do Santa Maria, com o braço engessado, mas sã e salva.