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Quem consegue defender quem mata um filho? Estes advogados

Há advogados que recusam representar suspeitos de determinados crimes, a maioria envolvendo crianças. Outros aceitam. Como a advogada que vai defender o pai que matou o filho bebé à facada.

Foram seis dias na indecisão. Porquê? Porquê defender um homem que, alegadamente, matou o filho de apenas cinco meses com uma facada fatal? A advogada, e também ela mãe, Ana Antunes acabou por ficar com o processo. Mesmo sendo acusada no corredor de um tribunal de só defender homicidas. Mesmo perante as interrogações de familiares e amigos. Decidiu esta quarta-feira. E, ao Observador, deixa uma justificação simples para uma decisão complexa: “Escolhi a área do crime e não posso fazer distinções, estou a cumprir o meu dever”.

Parece que tinha que ser para ela. Na tarde em que João Barata (o pai acusado) foi levado ao tribunal de Cascais para ser ouvido por um juiz de instrução criminal e lhe ser aplicada uma medida de coação, a advogada Ana Antunes estava a ocupar a única sala disponível. Tinha em mãos um outro processo e estava numa diligência com o juiz de instrução criminal. O primeiro interrogatório ao alegado homicida passou para o dia seguinte. Nesse dia, sexta-feira dia 10, Ana Antunes já estava na escala do apoio judiciário. E acabou nomeada como sua representante legal.

À saída do tribunal, disse aos jornalistas que o suspeito tinha manifestado interesse em que ela continuasse a representá-lo. Mas que ainda não tinha decidido se o faria. Teria que ponderar. Ao Observador, explicou que reuniu com o cliente por apenas dez minutos nos calabouços do tribunal e ele mal se manifestou. “Eu precisava saber se ele aceitava a minha estratégia de defesa para poder decidir se ficava ou não com o caso”.

O fim de semana não foi fácil. Familiares e amigos perguntaram-lhe porque o faria. Nas redes sociais começavam a nascer insultos. Porquê defender um crime tão hediondo? O presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados, Rui Santos, sublinha que não existem consequências disciplinares para quem recusar defender determinado arguido. Ainda assim, lembra ao Observador, “todo o cidadão tem direito de defesa. É um direito constitucional”.

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Para o também advogado, os profissionais que não se inscrevam no apoio judiciário podem, até, recusar um qualquer cliente que lhes bata à porta. Mas quando se inscrevem como advogados oficiosos em que escolhem uma área preferencial, não devem recusar um cliente só por este ser suspeito de um crime que “repugna”.

"Só a nível muito excecional se poderá levantar problemas de objeção de consciência. Por exemplo, porque o suspeito em questão vendeu droga à filha dele".
Presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados, Rui Santos

Quando se inscreveu na bolsa de apoio judiciário para cidadãos que não podem pagar a sua defesa de outra forma, Ana Antunes privilegiou a área do direito criminal. “Temos que nos distanciar. Há crimes muito violentos, embora não tão monstruosos como este, e eu tomo as minhas decisões conforme ouço o suspeito. Tento analisar a personalidade dele, nunca percebendo ou desculpando o ato em si. Há defesas que se fazem com dignidade, o problema é se a defesa que o arguido quer choca com os meus princípios”

“Os meus amigos e a minha família compreendem as minhas decisões, mas ficam preocupados que me destratem e me achem horrível como ser humano. Mas eu só tenho que estar preocupada com a monstruosidade que aconteceu aquele bebé. O que me tortura foi a criança ter morrido, não o homicida. Ele vai pagar de uma forma ou de outra e precisa de uma defesa”, diz Ana Antunes.

Mas é preciso resistência. Na segunda-feira, em pleno tribunal, enquanto representava um jovem homicida, ouviu as críticas. Houve quem nos corredores a insultasse, acusando-a de só querer defender homicidas. Ela não respondeu. Continuou o seu trabalho.

E depois, apareceu-lhe o novo caso.

João Barata, 33 anos, foi detido na última quarta-feira (8 de abril) depois de ter matado à facada o filho de apenas cinco meses em Linda-a-Velha, Oeiras. Fê-lo para provocar a mulher, de quem estaria a separar-se e a quem telefonou depois de consumar o crime. Ao juiz que lhe aplicou a prisão preventiva, disse de nada se lembrar.

No dia em que ficou preso, um outro caso horrível. Uma menina de três anos dava entrada no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, com vários hematomas pelo corpo. O padrasto, de 30 anos, alegou que a criança tinha caído na banheira, mas os médicos encontraram lesões mais graves e alertaram a Polícia. A criança acabaria por morrer no dia seguinte. O irmão foi também internado. E o padrasto detido por suspeitas de homicídio. Está em prisão preventiva e pode vir a ser condenado a uma pena máxima de 25 anos de cadeia.

João Barata matou o filho à facada

Álvaro Isidoro

O advogado que, em 2004, aceitou defender a mãe acusada do homicídio em coautoria da filha de oito anos, também leu e ouviu muitos insultos. A menina, cuja imagem percorreu o País, era Joana. “Diziam-me que devia acontecer o mesmo aos meus filhos e que eu só queria saber do dinheiro”, conta o advogado João Grade ao Observador. “Ser ignorante é o direito de qualquer um. Todos os dias no meu trabalho dizem o contrário daquilo que digo. Tenho que saber viver com isso”, diz, mais pragmático.

O caso Joana, como ficou conhecido, ocorreu em Portimão quando a criança desapareceu misteriosamente da aldeia da Figueira. Na altura a mãe de Joana chegou a deslocar-se a programas de televisão para mostrar a fotografia da filha e pedir que a encontrassem. Depois da tese do desaparecimento, a da venda. E, mais tarde, a do homicídio em coautoria com um tio da criança. Foi esta a acolhida pelo Ministério Público. O casal acabou condenado, já depois do recurso ao Supremo Tribunal de Justiça, a 16 anos de cadeia por homicídio e ocultação de cadáver. Um cadáver que nunca apareceu.

A falta de “evidências”, como o corpo, fez sempre com que o advogado nomeado para o processo não encarasse o caso como o de um homicídio. Mas, mesmo que não fosse, não seria a primeira vez que defendia um crime mais horrendo.

"Já tive muitos casos de filhos que mataram os pais ou de pais que mataram os filhos. As pessoas chocam-se com tudo, com crianças é mais violento, as crianças são mais inocentes".
Advogado João Grade

No meio prisional os reclusos também não aceitam bem outros reclusos que tenham cometido crimes contra crianças. O presidente do Sindicato Nacional da Guarda Prisional, Jorge Alves, reconhece que há cuidados adicionais com este tipo de arguidos. Mais proteção.”Há cadeias que não têm grande possibilidade de proteção. Se forem para o Estabelecimento Prisional de Lisboa, os reclusos ficam sozinhos numa cela. Mas nem sempre existe essa possibilidade. Nesse caso os guardas tentam separar o recluso com maior proteção e com horas de recreio diferentes”, diz.

Nos casos mais recentes, diz Jorge Alves, João Barata foi colocado numa cela do hospital-prisão, onde estão os idosos. Já o homem que terá morto à pancada a enteada, em Loures, foi levado para a cadeia da Polícia Judiciária, “onde há uma perspetiva diferente do meio prisional porque a maior parte dos reclusos ainda não foi condenada e parte deles estão naquela cadeia precisamente para uma maior proteção”. Crimes que envolvam crianças, nomeadamente crimes sexuais e pedofilia, são os crimes que mais revolta geram nas cadeias. Por vezes os guardas recomendam aos suspeitos que digam que cometeram outro tipo de crime. Mas a mentira pode ter perna curta. “Quando são levados a julgamento nas carrinhas celulares, muitas vezes acabam por assistir aos julgamentos uns dos outros e descobrem qual o verdadeiro crime de que vêm acusados”, ressalva Jorge Alves.

A sobrelotação das cadeias e a escassez de guardas também não ajudam numa proteção mais eficaz destes suspeitos ou condenados. “Isto são regras de sobrevivência, não estão regulamentadas, são do nosso conhecimento”, diz. Trata-se de um código de conduta entre reclusos. E os guardas prisionais? Também eles conseguem manter a distância e proteger um homicida de uma criança de possíveis agressões? “A distância é complicada de manter, olhamos sempre com repulsa, o que é certo é que quando acontece alguma coisa o instinto é protegermos aquela pessoa e não pensamos no que fizeram”, admite. E há, mesmo, casos em que os guardas prisionais também acabam por ser vítimas da agressão.

"Mesmo sendo alvo de criticas de que estamos a proteger violadores ou homicidas de crianças, é o instinto que salta. Acontece uma confusão no meio prisional e os guardas intervêm".
Jorge Alves, presidente do Sindicato Nacional da Guarda Prisional

Mas nem todos os profissionais conseguem salvaguardar esta distância. Em 2005 o corpo de uma menina de cinco anos foi encontrado a boiar no rio Douro. A família, que vivia no bairro do Aleixo, no Porto, alegou que a criança tinha desaparecido. A investigação da Polícia Judiciária viria a revelar um cenário diferente: teria sido vítima de maus-tratos continuado por parte da avó e do pai. Na acusação, um retrato de terror: a menina apresentava queimaduras graves em 30% do corpo, queimaduras que não foram tratadas e que originaram a sua morte. Vanessa fora submergida em água a ferver várias vezes pela avó. O pai chegou a queimá-la com um ferro de leite-creme só porque ela dizia preferir estar em casa da madrinha. Mãe e filho foram condenados por homicídio, em primeira instância, a penas de cadeia de 18 e 14 anos e nove meses. O Tribunal da Relação agravou depois a pena: a da avó para 20 anos e dez meses, a do pai para 17 anos e dez meses.

O bairro do Aleixo, onde Vanessa foi morta às mãos da avó

Pedro Granadeiro

Mas quando aceitou o caso, o advogado Carlos Duarte não o encarou assim. “Tratava-se de um toxicodependente que deixou que os maus-tratos acontecessem e que nunca os denunciou. Foi negligente”, justifica ao Observador. Para o advogado, se este homem, na altura com 27 anos, tivesse de facto matado a criança, ele não estaria na sua defesa. “Por princípio não defenderia um pai que mata um filho ainda criança, só em condições excecionais ou num caso de eutanásia. Imagine um filho com uma doença em estado vegetativo há muitos anos”. Também casos de abuso sexual ou de violação estão fora do seu leque laboral – dele e de muitos outros profissionais. Ainda assim, “nunca apareceu casos que tivesse que recusar”.

 

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