Michael Pollan quer mesmo mudar o mundo. Não é um daqueles tipos que procura a revolução como se fosse apenas mais uma ocupação, nada disso. Pollan está convencido de que estamos de mal com a vida, especialmente de mal com a comida, e que isto só lá vai com um regresso aos princípios básicos: que cada um cozinhe a sua própria refeição. Escreveu um livro sobre o assunto, com o título Cooked, e agora apresenta uma minissérie documental — em conjunto com o realizador Alex Gibney — com o mesmo nome e através da Netflix. Se isto não é querer mudar o mundo então não sabemos o que poderá ser.
Falámos com Pollan estava ele em Berlim, nós do lado de cá, ao telefone. Apanhámo-lo numa pausa curta, entre preparativos: “Vou apresentar isto aqui no festival de Berlim, há uma série de coisas que ainda não estão prontas, é o costume.” Pois é, o que não é costume é fazer este tipo de estreias absolutas com produções televisivas, mesmo que tenham apenas quatro episódios. Mas esta é a era do streaming e de fenómenos como o serviço da Netflix. Não importa muito saber o que é melhor e o que é pior, nem sequer vale a pena. É uma questão de impacto e de mercado, a mesma que que poderia ter levado Michael Pollan a apresentar Cooked à Netflix.
Mas não, aconteceu exatamente o contrário. Pollan recorda-nos o fundamental dessa história: “O Alex Gibney conhecia alguém na Netflix, o tema surgiu em conversa e eles ficaram muito interessados. É fácil perceber como estes conteúdos fazem sucesso, mesmo que tenham um twist, que sejam tratados de maneira diferente. Estávamos todos em sintonia.” Todos. Bastava tratar do assunto. E o assunto não era assim tão fácil. Michael Pollan demorou três anos para escrever Cooked. Porque tinha outra coisas para fazer na vida — “coisas como dar aulas”, diz-nos — e porque o livro foi muito exigente. “Tive de aprender muitas coisas que não conhecia. E sobretudo queria voltar às raízes da culinária, queria saber porque é que começámos a cozinhar e o que é que isso fez à nossa espécie. Passei muito tempo metido entre livros de antropologia para compreender alguns princípios fundamentais.” Fundamentais como? “Talvez o mais importante tenha sido perceber que é a cozinha que faz de nós o que somos e tem desempenhado esse papel ao longo de milénios.” Pedimos a Pollan que coloque a questão de maneira simples e ele trata do assunto com uma categoria notável: “Somos o macaco que aprendeu a cozinhar. A cultura, a linguagem e a civilização só apareceram depois.”
Maravilhas deste nível foram descobertas durante a elaboração do livro. E mesmo que a adaptação a um formato multimedia já tivesse passado pela cabeça de Pollan, nada indicava que fosse Alex Gibney o realizador a tomar conta do assunto. O autor conta que tudo começou porque ele e o realizador tinham um agente em comum. É o costume, um amigo de um amigo de um amigo e etecetera. “Esse agente que deu uma cópia do livro ao Alex. Ele gostou muito e almoçámos para falar do assunto.” Claro que almoçaram, até porque tratar disto noutro local que não à mesa seria no mínimo uma enorme desilusão. “Fiquei surpreendido porque não é esta a onda habitual do Alex [que realizou documentários como Going Clear, sobre a Cientologia, Finding Fela, com o músico Fela Kuti no centro das atenções, ou Taxi to the Dark Side, sobre atos de tortura por parte do exército americano]. Mas ele andava à procura de uma coisa diferente. E ficou fascinado com o livro. Não estava à espera e fiquei muito curioso. Quando trabalhamos com alguém assim não estamos à espera de ver apenas uma transcrição do livro na televisão, estamos sempre à espera de algo mais. E foi isso que ele fez, mantendo a essência do livro. Fomos a todo o mundo para mostrar como estes assuntos são globais.”
Cada um dos quatro episódios é dedicado a um dos quatro elementos naturais. Terra, ar, água e fogo, vamos encontrá-los em diferentes partes do planeta, para depois Alex os levar para a sua cozinha na Califórnia. E aqui não estamos perante um cliché, não é um simples “vamos fazer como no antigamente” só porque dá imagens bonitas. Bom, também dá imagens bonitas mas não é essa a única ideia: “Quando comemos fora de casa vamos estar sempre dependentes daquilo que os restaurantes ou as cantinas compram, que nunca vai ter a mesma qualidade das coisas que nós próprios escolhemos. Não sei como é que vamos dar a volta à nossa saúde se não voltarmos à cozinha. É um protesto contra um mundo que comercializa tudo. Porque neste momento tudo é de facto um negócio.”
A pergunta seguinte era quase inevitável: nos últimos anos não tem surgido uma maior relação com a comida? Ou é tudo para a fotografia? A resposta rápida diz que é tudo para a fotografia. Mas Michael Pollan elabora a coisa de maneira mais complexa. “Há fascínio pela comida, mas de uma forma abstrata. As pessoas gostam de ver a comida, fotos de comida, gente a cozinhar, pratos na televisão. Há livros de receitas, muitos, as pessoas compram-nos mas duvido que os usem. Talvez agora haja uma mudança e exista de facto algum regresso à cozinha mas só devido à crise económica, temos de esperar alguns anos para ver os resultados. De alguma maneira, a cozinha tem sido um desporto para espetadores e menos para praticantes. É um espetáculo, não é a nossa casa.”
Daí termos começado por afirmar que Michael Pollan quer mesmo mudar o mundo. E agora reforçamos a ideia com a palavras do próprio: “Sim, quero mudar tudo.” Era o que dizíamos. Mas Pollan quer tratar disto com estilo, nada de movimentos bruscos, ele sabe que esse método tem pouca probabilidade de dar bons resultados: “Queríamos fazer isto de forma sedutora, mostrar como isto é apaixonante, não queríamos dar lições nem obrigar ninguém a fazer nada. Podemos tentar a mudança através da polémica ou contando uma história sedutora. Escolhemos a segunda hipótese. O que interessa é que as pessoas recordem como é sedutor e estimulante cozinhar, nem que seja um pão. Aliás, sobretudo um pão.”