Sabia que existem vários mitos na interpretação da linguagem corporal que aceitamos como verdades? Vai da ideia de que sorrir fará com que as pessoas o respeitem mais até à ideia de que o movimento dos olhos denuncia-o quando mente. Estes são dois dos mitos identificados por Rui Mergulhão Mendes, especialista em linguagem não verbal e programação neurolinguística, num workshop subordinado ao tema ‘Linguagem corporal e deteção de mentira’, a que o Observador assistiu. Pronto para desmitificar a linguagem corporal?
Não existe um sinal universal que indique um comportamento específico
Rui Mergulhão Mendes começou por destacar que existem limitações a nível cultural, dado que “a cultura define a forma como nos expressamos” e, por isso, diferentes gestos podem ter interpretações diferentes de cultura para cultura. O que se diz é que através de um sinal se pode percecionar um certo comportamento. Ou seja, um sinal não quer dizer sempre a mesma coisa. Pode ser dado a várias interpretações.
Certos gestos de poder farão que o entendam melhor
É outro mito porque “os gestos têm que estar em consonância com a dimensão daquilo que dizemos e que queremos explicar”, ou seja, “tem que haver uma conexão” entre o verbal e o não-verbal, referiu Mergulhão Mendes. Algo que nós notamos, mesmo que seja inconscientemente. Por exemplo, se estivermos a dizer que vai haver um pequeno aumento de alguma coisa e, com as mãos, fizermos o gesto de algo grande então não existe uma conexão entre o que está ser dito e o gesto que estamos a fazer. Estes gestos de poder acabam, assim, por ajudar a validar, ou não, aquilo que dizemos.
No workshop Mergulhão Mendes exemplificou com uma fotografia de José Sócrates, a discursar e com as mãos abertas à largura do corpo. E exemplificou pedindo aos participantes que imaginassem a seguinte situação: Se Sócrates estiver a dizer que vai haver um pequeno aumento de uma taxa, sendo que com as mãos dá sinal de que o aumento será grande, então o discurso e o gesto não estão coordenados e, por isso, notamos a incongruência no que está ser dito.
Os movimentos oculares dizem se estamos a dizer a verdade ou a inventar uma mentira
Existe uma base de verdade nesta afirmação, mas não podemos basear-nos apenas nisto. “É uma falácia e podemos cometer erros tremendos”, esclarece Rui Mergulhão Mendes. Tudo depende da forma como as pessoas acedem às suas memórias e ao tipo de memórias predominantes (visuais, auditivas ou cinestésicas – mais relativas ao tato e movimentos).
Pode-se dizer que quando se faz uma pergunta direta e a pessoa olha para cima e para a direita que está a aceder a uma memória visual lembrada, que está lá, e que quando vira os olhos para cima e para esquerda está a aceder a uma memória visual criada. Mas isto não é rigoroso, porque não conhecemos todas as memórias da pessoa e “não conseguimos nunca estar dentro da cabeça” dos outros, esclareceu Mergulhão Mendes.
Pessoas que sorriem são mais respeitadas
Este é outro mito porque nós conseguimos distinguir se os sorrisos são ou não verdadeiros. Por exemplo, quando alguém sorri e cria rugas à volta dos olhos conseguimos percecionar que a pessoa está a passar por um processo emocional e que esse sorriso é, à partida, verdadeiro. Por outro lado, também conseguimos perceber quando um sorriso é falso, quando esse sorriso não chega aos olhos.
Cruzar os braços é uma forma de bloqueio
“Esta é outra falácia”, salientou Mergulhão Mendes. Cruzar os braços pode ser, por exemplo, “uma posição de conforto”. “Cruzar os braços serve para muitas coisas”, destaca, mas o especialista em linguagem não verbal também refere diz que “existem pessoas que cruzam os braços como bloqueio”.
Nenhum sinal individual conta toda a história
É preciso ter “cuidado” porque, por exemplo, através de uma fotografia ou vídeo só temos acesso a uma parte da realidade. Por vezes, o restante contexto pode levar a uma interpretação diferente. Neste ponto, Mergulhão Mendes deu como exemplo o caso de um vídeo que circulou na Internet e que, alegadamente, representava uma criança que já não comia nada há vários dias, além de raízes. Uma senhora, conta o especialista, pediu-lhe que analisasse o vídeo. Mas Mergulhão Mendes afirma que de lá não se pode chegar a uma verdade inegável porque só temos acesso a uma parte da realidade. “Não sabemos quem é que está a filmar a criança”, e esse facto pode mudar toda a interpretação daquela situação.
Ilustração de Amélia Lageiro
*Editado por Helena Pereira