José Veiga, Paulo Santana Lopes e a advogada Maria Barbosa, arguidos do processo Rota do Atlântico, estão proibidos de contactar com Sérgio Monteiro. Tudo porque o ex-secretário de Estado do governo PSD/CDS e atual assessor do Fundo de Resolução com a missão de vender o Novo Banco foi referido em diversas escutas telefónicas por Pedro Sousa, ex-diretor de comunicação do Sporting e atual comentador desportivo da TVI, como sendo alguém que podia ser influenciável a favor dos interesses de Veiga na compra do Banco Internacional de Cabo Verde (BICV) ao Novo Banco, cujo concurso de venda decorreu no final de 2015.

O Ministério Público (MP) suspeita da prática do crime de tráfico de influência nesse negócio (que entretanto foi chumbado pelo Banco de Portugal e pelo Banco Central de Cabo Verde) por ter existido a tentativa de influenciar a adjudicação da proposta a José Veiga através do ex-secretário de Estado dos Transportes — e basta a tentativa para consumar-se o crime.

Parte da fundamentação para estes indícios está relacionada com o facto de Pedro Sousa ter afirmado a Veiga que a sua mulher, Patrícia Gallo, ex-jornalista da RTP e atualmente a trabalhar em assessoria de imprensa, poderia falar com Sérgio Monteiro para o sensibilizar para a proposta apresentada pela empresa de Veiga, a Norwich. Patrícia Gallo tinha sido assessora de Carlos Moedas, secretário de Estado de Passos Coelho no governo PSD/CDS, e, segundo o seu marido garantiu a Veiga, conheceria Monteiro do governo.

De acordo com os indícios recolhidos pelo MP, Pedro Sousa terá assegurado que a sua mulher já tinha falado com o ex-secretário de Estado, que este teria dito que já tinha a sua decisão formada e que apenas sentia receio de ser afastado do processo de venda, em consequência da ascensão de António Costa ao cargo de primeiro-ministro. Mas, agora, Pedro Sousa afirma que essas conversas nunca existiram e que o seu objetivo era apenas impressionar José Veiga.

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A história de um banco

Depois de o seu projeto para criar um banco de raiz em Cabo Verde — o Banco Internacional Africano — ter sido chumbado pelo supervisor bancário daquele país africano por falta de idoneidade do próprio José Veiga, o ex-agente de futebolistas virou as suas atenções para a compra do BICV, a filial do antigo Banco Espírito Santo que a administração do Novo Banco queria (e continua a querer) vender. Isso mesmo terá sido transmitido por Veiga a António Duarte, o administrador daquele banco, em setembro de 2015.

Já depois de ter apresentado a sua proposta em dezembro ao Novo Banco, entrou na história uma personagem improvável: Pedro Sousa, ex-jornalista da Rádio Renascença, ex- diretor de comunicação do Sporting Clube de Portugal no mandato de Godinho Lopes e atual comentador desportivo da TVI. Sousa ter-se-á oferecido a Veiga para falar com a pessoa que, segundo ele, mandava no processo: Sérgio Monteiro.

Pedro Sousa, ex-jornalista e comentador na TVI (Imagem: TVI24)

Pedro Sousa queria ganhar a conta de José Veiga para a sua agência de comunicação Pyrsia — contudo, o contrato só poderia ser materializado com a consumação da compra do banco cabo-verdiano por parte do auto-intitulado Grupo José Veiga.

Segunda personagem improvável: Patrícia Gallo, ex-jornalista da RTP e mulher de Pedro Sousa. Patrícia Gallo trabalha com o marido na sua agência de comunicação. De acordo com a explicação dada por Pedro Sousa a José Veiga, a mulher conhecia Sérgio Monteiro do governo, pois tinha sido assessora de Carlos Moedas, na altura secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro.

Confrontada com estas informações, Patrícia Gallo negou conhecer Sérgio Monteiro. “Nunca estive nem nunca conheci Sérgio Monteiro. Não falei com ele sobre o BICV”, afirmou ao Observador.

Pedro Sousa, por seu lado, afirmou: “É público e notório que fazemos a comunicação do Grupo José Veiga em Portugal. O objetivo dessa assessoria passava por comunicar junto da opinião pública portuguesa a presença daquele grupo em África”. Questionado sobre se alguma vez falou com Sérgio Monteiro, Pedro Sousa disse: “Não conheço nem nunca falei com Sérgio Monteiro. Nunca o coloquei em contacto com ninguém. Nem ninguém da empresa nem ninguém por nós”.

Sendo assim, porque disse a Veiga que conhecia Sérgio Monteiro quando, na realidade, não o conhecia? “Tentei tranquilizar José Veiga sobre os outros concorrentes interessados em adquirir o Banco Internacional de Cabo Verde. Ele não conhecia os outros concorrentes e estava preocupado porque podia ser prejudicado no concurso. Foi uma forma de seduzir o cliente [José Veiga]” sobre a capacidade de influência da Pyrsia, afirmou ao Observador.

Questionado sobre se a sua mulher alguma vez falou com Sérgio Monteiro, como na altura garantiu a Veiga, Pedro Sousa afirmou: “A Patrícia não conhece nem nunca falou com Sérgio Monteiro. Pensei que, como tinha trabalhado com Carlos Moedas, podia conhecê-lo, mas ela nunca falou com ele”.

Certo é que Pedro Sousa repetiu num segundo telefonema que Patrícia Gallo já teria falado com Sérgio Monteiro, tendo este alegadamente assegurado à sua mulher que já teria a sua decisão formada e que apenas receava ser afastado pelo novo governo de António Costa.

Com estas supostas informações confidenciais, José Veiga terá decidido então avançar com a proposta final e vinculativa de aquisição do BICV. Dos cerca de 20 interessados, foi o único a fazê-lo.

Após ter enviado a proposta para o Novo Banco, Veiga voltou a contactar Pedro Sousa, que, por seu lado, repetiu que a sua mulher (Patrícia Gallo) já teria falado com Sérgio Monteiro e que este teria garantido que o vencedor (Pedro Sousa terá feito crer que existiam outras propostas vinculativas) seria uma empresa com capitais internacionais, proposta esta que colheria o seu parecer favorável.

O Observador questionou Pedro Sousa sobre por que razão repetiu que a sua mulher tinha contactado Sérgio Monteiro. Resposta: “Foi uma forma de sedução e de acabar com o assunto e ponto final. Quis despachar o assunto”.

Já Patrícia Gallo, confrontada com a mesma situação, preferiu não responder. “Não vou fazer comentários sobre isso. Não conheço essas escutas. Estou disponível para responder na Justiça”, afirmou.

Sérgio Monteiro foi igualmente contactado pelo Observador, mas fez apenas um comentário: “Não tive nem tenho qualquer interferência no processo” de venda do BICV, tal como o Banco de Portugal reafirmou em comunicado. Fonte próxima de Monteiro assumiu igualmente que o ex-governante não conhece Pedro Sousa nem Patrícia Gallo.

Jantar em casa de Relvas

Outras suspeitas no processo estão relacionadas com encontros entre Manuel Damásio, ex-presidente do Benfica, e o ex-ministro Miguel Relvas. Nomeadamente, um jantar em casa de Relvas com mais de 30 pessoas no qual Sérgio Monteiro também terá estado presente, tal como a Visão noticiou. Contactado pelo Observador, Relvas confirma mas diz que foi um evento social: “Nunca falei com o Sérgio sobre a venda do BICV e ele já disse que não teve nenhuma interferência nesse processo por já estar em andamento quando ele chegou ao Fundo de Resolução”.

O Banco de Portugal, em comunicado, enfatizou igualmente a 17 de fevereiro que Sérgio Monteiro e a “equipa responsável pelo processo de alienação da participação do Fundo de Resolução no Novo Banco, não teve qualquer papel no processo de venda do BICV e tomou conhecimento do processo em causa no final do mês de dezembro de 2015, no âmbito dos contactos que são mantidos com o Novo Banco. Este processo foi exclusivamente conduzido pelo Novo Banco”, nomeadamente pela administração de Stock da Cunha.

Em relação a José Veiga, Miguel Relvas diz que estive duas vezes com ele, “em encontros sociais com outras pessoas”. “Nunca falei com Damásio sobre o Banco Internacional de Cabo Verde. Nunca falei sobre esse assunto ao José Veiga nem nunca mandei um email ao Veiga. Nunca tive negócios com o Damásio. A minha relação com ele é pessoal. Acho tudo isto kafkiano”, diz Relvas.

O ex-ministro de Passos Coelho já manifestou disponibilidade junto de Joana Marques Vidal, procuradora-geral da República, para prestar declarações no inquérito do caso Veiga — disponibilidade que foi reiterada por Castanheira Neves, advogado que foi contratado por Relvas, a 15 de fevereiro.

Outros indícios

O MP considera ainda que existem outros indícios do crime de tráfico de influências, nomeadamente da tentativa de influenciar a decisão da administração de Stock da Cunha.

As suspeitas do MP terão saído reforçadas com indícios relacionados com Paulo Santana Lopes. Antes de ser conhecida a decisão da administração de Stock da Cunha, Santana Lopes terá dito à sua mulher que a vitória da Norwich no concurso do Novo Banco estava assegurada e que, apesar de os advogados aconselharem uma subida da proposta, José Veiga terá decidido não o fazer porque tinha informações no sentido de que tal não era necessário.

Esta questão é relevante pois, caso seja provada, poderá significar que o Novo Banco poderia ter tido uma receita superior. Isto é, caso o negócio avançasse, o banco que nasceu da medida de resolução aplicada ao Banco Espírito Santo poderia ter sido prejudicado patrimonialmente.

É de referir igualmente que o crime de tráfico influências consuma-se com a tentativa — e, neste momento, o MP entende que tem indícios nesse sentido contra José Veiga, Paulo Santana Lopes e Manuel Damásio.

A Norwich de José Veiga veio a ganhar o concurso da venda do BICV com uma proposta de 13,7 milhões de euros (a única proposta vinculativa que foi apresentada entre cerca de 20 empresas que se manifestaram interessadas) a 31 de dezembro de 2015. Após o Observador ter confrontado o supervisor com o facto de o MP considerar que a adjudicação realizada pela administração de Stock da Cunha era ilegal, o Banco de Portugal decidiu no dia 17 de fevereiro manifestar oposição ao negócio em nome da proteção do nome do Novo Banco. Mais tarde foi o Banco Central de Cabo Verde a chumbar o negócio, invocando falta de garantias para uma “gestão sã e prudente” por parte da Norwich de José Veiga.