José Veiga foi impedido pelo Banco de Portugal esta quarta-feira de comprar o Banco Internacional de Cabo Verde. Mas o ex-empresário de futebol já era praticamente o dono da instituição financeira que pertence ao Novo Banco: controla mais de 70% dos depósitos do banco cabo-verdiano. Se Veiga decidir retirar os depósitos, o ex-BES de Cabo Verde passará por graves dificuldades.
Desde 2011 que José Veiga conseguiu reunir naquele banco cerca de 64 milhões de euros nas oito contas em nome de diversas sociedades offshore e da República do Congo que são por si controladas. Ao que o Observador apurou, o Ministério Público (MP) e a Polícia Judiciária (PJ) terão provas documentais de que esse é o montante dos saldos das contas cuja titularidade é imputada a José Veiga no final de junho de 2015. O que lhe permitia controlar mais de 70% dos fundos que estavam sob gestão daquela instituição financeira. Segundo o Relatório e Contas do BICV de 2014 (o último disponível no site da instituição), o total de depósitos ascende a 9,8 mil milhões de escudos cabo-verdianos, o que corresponde a cerca de 89 milhões de euros.
O facto de deter uma boa parte dos fundos que estavam confiados ao BICV foi uma das razões que o levaram a avançar para a compra. Outra razão prendeu-se com a “intranquilidade” gerada por uma possível “liquidação” da instituição por parte do Novo Banco — tal como José Veiga confidenciou a Paulo Santana Lopes em 2015. Apesar de ambos classificarem o BICV como uma “banqueta”, obviamente que Veiga não queria perder o dinheiro que tinha depositado do BICV.
Os fundos depositados no BICV têm origem, na sua maioria, em contas da brasileira Asperbras, empresa da qual José Veiga é director-geral da filial na República do Congo, mas também em diversas empresas do Congo também controladas pelo ex-empresário de futebol. E boa parte desse dinheiro foi transferido para diferentes países na Europa, na América e no Médio Oriente. Até uma empresa controlada por Donald Trump, o candidato às primárias do Partido Republicano para as presidenciais dos Estados Unidos, recebeu transferências de José Veiga para pagamento de alegados serviços prestados.
O MP e a PJ suspeitam que a origem de boa parte desses fundos seja ilícita e que as contas bancárias no BICV foram usadas para operações de branqueamento de capitais, nomeadamente com transferências para contas do Novo Banco em Portugal, onde foram adquiridos diversos imóveis de luxo em Lisboa e Cascais, além de carros topo de gama da Porsche e da Mercedes para José Veiga e a sua mulher.
Além destas contas bancárias em Cabo Verde, a investigação conseguiu identificar ainda outras contas bancárias controladas pelo empresário na Suíça, Alemanha e outros países europeus.
O Observador contactou Rogério Alves, mas o advogado de defesa de José Veiga não quis prestar declarações. “Não faço declarações sobre processos em segredo de justiça”, afirmou.
A empresa de Chipre
As contas que José Veiga tem no Banco Internacional de Cabo Verde (BICV) nunca estão em nome pessoal — estão em nome de empresas que têm Veiga como beneficiário económico efectivo. Isto é, os fundos da conta são sempre controlados por Veiga e, segundo o Ministério Público, formalmente pertencem-lhe.
A primeira conta pertence à D.O.S – Deep Ocean Services, Ltd, uma sociedade registada no Chipre e que foi aberta a 24 de outubro de 2014 com um valor de cerca de 3,8 milhões de euros, transferidos de outra conta do BICV aberta em nome da Dunito, outra offshore controlada por Veiga.
Esta sociedade transferiu cerca de 3,4 milhões de euros para uma sociedade imobiliária em Portugal com vista a aquisição de diversos imóveis de luxo em Lisboa e em Cascais.
Cartões de crédito do Congo
Uma conta mais antiga, aberta em março de 2013, pertence à sociedade offshore Voxxi, Ltd., e terá sido aberta com um montante de cerca de 1,7 milhões de euros cuja origem ainda não é clara.
Esta conta serviu essencialmente para pagar diversos cartões de crédito que alegadamente terão sido usados, ao que o Observador apurou, por diversos titulares de cargos políticos do Congo. Também uma empresa deste país, designada de Athena Consulting, recebeu cerca de 1 milhão de euros, alegadamente a título de remuneração por serviços de consultadoria prestados.
Ao longo de 2014 esta conta foi ainda alimentada com fundos do Grupo Asperbras, através de uma sociedade offshore das Ilhas Virgens Britânicas chamada Energy and Mining, Inc. Esta sociedade está sediada no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas e é controlada a 100% pela Asperbras US Company LLC.
A Energy & Mining tinha uma conta em Portugal no BES (depois transformado em Novo Banco) e foi a partir desta conta que terá transferido boa parte dos valores para as contas de José Veiga em Cabo Verde. A conta da offshore da Asperbras em Portugal, por seu lado, era alimentada com fundos que provinham do JP Morgan (um dos grandes bancos norte-americanos) e do BESI do Brasil – o braço financeiro da família Espírito Santo no Brasil que entretanto foi vendido aos chineses da Haitong.
Os carros comprados em Portugal
A Dunito é uma sociedade anónima da República do Congo que se dedicará ao mercado de obras públicas. A sua conta no BICV teve grande dinamismo, tendo sido constituída em julho de 2013 com cerca de 4,9 milhões de euros. Esses fundos originais serviram essencialmente para pagar despesas pessoais de José Veiga e da sua família, como a compra de um Porsche para a mulher do empresário e de um Mercedes para o próprio Veiga. Para a aquisição das viaturas topo de gama daquelas duas marcas alemãs terá sido utilizada uma empresa pertencente a Manuel Veiga, irmão de José e residente no Luxemburgo, designada de Corrida Sublime.
A Dunito transferiu igualmente montantes para a empresa de aviação OMI – Aviação e Tecnologia com o objetivo de pagar o aluguer de diversos jactos particulares.
De acordo com prova reunida pela Polícia Judiciária, e tal como o Correio da Manhã já noticiou, José Veiga terá alugado jactos particulares para transportar diversos membros do governo da República do Congo para Portugal. Essas viagens terão servido igualmente para alegadamente transportar malas com dinheiro vivo. Segundo o Público, nas buscas que levaram à detenção de José Veiga e de Paulo Santana Lopes terão sido encontrados oito milhões de euros em notas num cofre em casa de Veiga.
A conta da Dunito foi igualmente alimentada com fundos de uma conta de José Veiga num dos principais bancos alemães, o Commerzbank.
A maior conta de Veiga no BICV
A Gabox é mais uma conta em nome de uma sociedade offshore que será controlada por José Veiga mas tem a particularidade de registar os maiores valores entre as oito contas cuja titularidade é imputada pelo MP a Veiga. Foi essencialmente alimentada por uma grande transferência de cerca de 33,4 milhões de euros do Grupo Asperbras, através da Energy and Mining, do paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas.
Não é claro o montante que saiu desta conta, mas certamente que terá sido um montante diminuto. Em junho de 2015, a conta tinha um saldo de 34,3 milhões de euros.
A origem destes fundos, assim como a razão para os elevados montantes ali depositados, ainda não é clara para a investigação.
A empresa base de Veiga no Congo
A I.S.C. será a empresa base da actividade de José Veiga na República do Congo, dedica-se ao comércio a grosso, à importação e exportação de produtos diversos e também tinha conta no BICV. A empresa foi criada a 18 de julho de 2011 e a conta foi aberta no BICV em agosto do mesmo ano. Mais uma vez, trata-se de uma conta que foi alimentada com fundos com origem no Grupo Asperbras. Foi constituída com cerca de 3,1 milhões de euros e ainda recebeu mais 5,7 milhões do grupo brasileiro para quem José Veiga trabalha no Congo. Aliás, Veiga é mesmo designado como o “Monsieur Áfrique” da empresa de São Paulo.
A conta teve igualmente saídas de dinheiro para Portugal com o objetivo de pagar despesas pessoais de Veiga e da sua família, além de despesas relativas à atividade profissional de Veiga em Portugal.
Transferência para Trump
A origem dos 14,3 milhões de euros que levaram à constituição da conta em nome da offshore Serbit ainda está a ser apurada pela investigação mas existem indícios que, mais uma vez, estará relacionada com a atividade de José Veiga no Congo.
Esta conta teve uma grande atividade, com transferências internacionais para Portugal mas também para países como a Polónia, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Congo e Reino Unido.
A Trump International Managment, criada por Donald Trump, candidato às primárias do Partido Republicano para as eleições presidenciais norte-americanas, foi uma dessas empresas.
As obras no Congo
O Grupo Asperbras, que conseguiu contratos superiores a mil milhões de euros na República do Congo, alimentou uma terceira conta de Veiga, aberta em nome da sociedade offshore Manzapo. Aberta em março de 2013, a conta começou por ter um saldo de cerca de 7,9 milhões de euros com origem ainda desconhecida, tendo sido reforçada pela Energy & Mining em cerca de 3,9 milhões de euros.
Outra offshore controlada por Veiga com conta no BICV, a Felamina Investments, recebeu uma transferência de cerca de 3,3 milhões da Manzapo. A Felamina tem sede no Chipre e José Veiga é o seu beneficiário efectivo.
Esta conta tinha um saldo em junho de 2015 de cerca de 8,4 milhões de euros.
A segunda maior conta
A conta da Kohal, assim como a da Gabox, é a que apresenta valores mais significativos mas também aquela em que o saldo à data de 23 de junho de 2015 era mais significativo. Foi essencialmente financiada pelo Grupo Asperbras, mas as poucas saídas de dinheiro que teve foram de montantes pouco significativos. Um escritório de advogados em Lisboa e uma sociedade de consultadoria de Dani Veiga, filho do empresário, foram os beneficiários dessas transferências.
Este é, contudo, o início da investigação. O MP e a PJ têm ainda muito para perceber em termos de origem e destino dos fundos que passaram pelas contas de José Veiga no Banco Internacional de Cabo Verde. Por isso mesmo, serão expedidas diversas cartas rogatórias internacionais para cada um dos países que fazem parte deste circuito financeiro para aprofundar o conhecimento da investigação sobre a origem do património financeiro de José Veiga. Espanha, Polónia, Alemanha, Reino Unido, Suíça, República do Panamá, República do Congo, Emirados Árabes Unidos, Dubai, entre outros, serão alguns dos países que vão receber um pedido de cooperação judiciária da parte do Ministério Público.
Corrigida a propriedade do Banco Espírito Santo do Brasil. Pertence à sociedade chinesa Haitong Bank por venda do Novo Banco.