A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) contratou em julho de 2014 a sociedade Engimov – Construções, SA para realizar obras de beneficiação em três andares que detém na Av. da República, em Lisboa. Trata-se de uma obra no valor de 102 mil euros que corresponde ao único contrato assinado entre a instituição liderada por Pedro Santana Lopes e o grupo empresarial do qual o seu irmão Paulo fez parte. A Engimov Construções concorreu a mais dez ajustes diretos e concursos públicos entre 2012 e 2015 mas apenas dessa vez foi escolhida pela Santa Casa.
O Grupo Engimov está a ser investigado na Operação Rota do Atlântico devido às atividades da filial Engimov Congo e à ligação muito próxima que esta empresa tinha com José Veiga e Paulo Santana Lopes. A sede do grupo, localizada em Vila Verde, foi mesmo alvo de buscas no primeiro dia da Operação Rota do Atlântico.
De acordo com os indícios que constam dos autos do inquérito criminal a cargo da procuradora Susana Figueiredo, José Veiga e Paulo Santana Lopes são dados como acionistas da Engimov Congo. Ao que o Observador apurou, a investigação terá indícios de que Tomás Barbosa, líder do grupo Engimov, Paulo Santana Lopes e José Veiga detêm cada um cerca de 33% do capital social da Engimov Congo, sendo que Paulo Santana Lopes terá sido igualmente administrador da filial até 2015.
Ao que o Observador apurou, Paulo Santana Lopes e José Veiga foram confrontados com estas informações aquando do seu primeiro interrogatório como arguidos no início de fevereiro. Paulo Santana Lopes terá confirmado esses dados, mas terá acrescentado que Veiga era o verdadeiro proprietário da sua parte.
José Veiga, por seu lado, começou por afirmar que tinha ideia de ter direito a receber cerca de 33% dos lucros da Engimov Congo como comissão pelos contratos por si angariados, mas acrescentou que confiava na informação dada por Paulo Santana Lopes. Veiga ficou de ver melhor o assunto e informar o Ministério Público sobre essa matéria.
Por esclarecer está a relação entre a Engimov Construções e a Engimov Congo. Esta última é apresentada no site do grupo como uma filial da primeira, mas diversas fontes da empresa contactadas pelo Observador referem que a Engimov Congo não consolidará as suas contas com a casa mãe em Portugal.
De acordo com diversas fontes empresariais contactadas pelo Observador, Paulo Santana Lopes apresentava-se em Portugal como um responsável do Grupo Engimov. Foi com esse cargo que participou em diversas reuniões com empresas de recursos humanos para contratar quadros superiores para a Engimov Congo.
O Observador enviou diversas questões a Tomás Barbosa, líder do grupo, e a Paulo Santana Lopes mas não obteve resposta.
Uma coisa é certa: a Engimov Congo foi a empresa do grupo que, de longe, mais faturou nos últimos três anos. A Engimov Congo participou, entre outras mais pequenas, na construção de duas das principais obras públicas dos últimos anos naquele país africano:
- A zona industrial e comercial de Maloukou, localizada nos arredores da capital, que resultou num investimento de mais de 450 milhões de euros, financiado por uma empresa de trading de petróleo russa chamada Gunvou. José Veiga foi um dos intermediários desse contrato petrolífero que está na origem do inquérito da Rota do Altlântico;
- Construção de 12 hospitais, orçamentados em mais de 200 milhões de euros.
De acordo com declarações feitas por Tomás Barbosa ao Jornal de Negócios em dezembro de 2015, a Engimov entrou no Congo “com a ajuda do antigo empresário de futebol José Veiga”. E garantiu que, com as obras dos hospitais, a faturação do grupo chegaria aos “100 milhões de euros”.
Miguel Almeida, braço direito de Pedro Santana Lopes
Além do seu irmão, existe ainda outra figura próxima de Pedro Santana Lopes que trabalha no Grupo Engimov. Trata-se de Miguel Almeida, assessor de Tomás Barbosa desde dezembro de 2013 na Engimov Universal — uma sociedade com sede na Zona Franca da Madeira que se dedica à compra e venda de produtos essenciais para a atividade das filiais da Engimov no Congo, França e Suíça. Além de assessor do líder do grupo na Engimov Universal, Miguel Almeida foi igualmente porta-voz do Grupo Engimov aquando de um acidente de trabalho que envolveu um pedreiro português numa obra da Engimov na República do Congo e que chegou às páginas do Diário de Notícias em agosto de 2014. Neste momento, encontra-se a explorar hipóteses de negócio na área energética no Congo.
Miguel Almeida acompanhou Pedro Santana Lopes de forma muito próxima nos últimos 20 anos. Começou por ser seu assessor na Câmara da Figueira da Foz, subiu a vereador do Urbanismo e acompanhou a sua ida para a Câmara de Lisboa. Foi chefe de gabinete de Pedro Santana Lopes na autarquia lisboeta e também em São Bento, quando Pedro Santana Lopes sucedeu a Durão Barroso como primeiro-ministro.
Ainda em 2014, e depois de já ter sido administrador da Valor Sul em representação da Câmara de Lisboa, Miguel Almeida assumiu as funções de presidente da EGF, a sub-holding do Grupo Águas de Portugal para os resíduos sólidos urbanos — uma nomeação que ocorreu por indicação do governo PSD/CDS e um mês depois da tomada de posse de Pedro Santana Lopes.
As obras para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
As obras de beneficiação das três frações de que a SCML é proprietária no n.º 34 da Av. da República tiveram origem, segundo fonte oficial da entidade liderada por Pedro Santana Lopes, na necessidade de adaptar o espaço para os serviços sociais da instituição. A obra foi contratualizada em julho de 2014, mas apenas foi consignada em outubro por 45 dias por ajuste direto e entregue, após diversos problemas com a contratação de eletricidade, a 9 de janeiro de 2015. Segundo fonte oficial da Santa Casa, não teve atrasos nem derrapagens financeiras.
A mesma fonte acrescentou que o valor final pago correspondeu ao valor da adjudicação: cerca de 102 mil euros.
Houve mais dez procedimentos contratuais, entre ajustes diretos e concursos públicos, em que a Engimov participou entre 2012 e 2015 mas não ganhou. De acordo com as respostas escritas enviadas por fonte oficial da SCML, houve um concurso público em que a Engimov ficou em primeiro lugar: empreitada para reabilitação de parte da Ala Poente do Complexo de S. Roque, no valor de 680 mil euros. Mas a empresa acabou por ser excluída por incumprimento das regras do caderno de encargos.
Para participar em qualquer ajuste direto promovido pela Santa Casa, a Engimov, uma empresa do distrito de Braga, teve de ser incluída na base de dados de construtoras do Departamento do Património da SCML à qual a instituição recorre sempre que necessita de convidar empresas para aqueles procedimentos. Segundo fonte oficial, a Engimov faz parte dessa base de dados desde 18 de janeiro de 2013.