O show Marcelo está no ar e não houve no Porto quem tivesse mudado de canal. Que é como quem diz, nem uma pessoa que se cruzou com ele esta sexta-feira, fosse em frente à Câmara Municipal do Porto, nos Jardins do Palácio de Cristal ou no bairro social do Cerco, aproveitou para mandar um comentário menos simpático. Tudo foram palmas. Tudo foram beijinhos. Houve até algumas senhoras em lágrimas de emoção. Tudo confirmou os 88,7% que, de acordo com uma sondagem recente, acreditam ter agora um presidente melhor do que Cavaco Silva. Quiçá, uma espécie de Papa Francisco à portuguesa.

“Nunca fui de direita”, começa logo por anunciar Madalena Vidal, uma das dezenas de pessoas que se concentravam em frente ao município à espera que o quinto Presidente da República democraticamente eleito chegasse de Lisboa, às 11h00. “Mas que gosto mais deste Presidente, gosto”, comparando-o a Cavaco Silva. “Parava tudo o que estava a fazer para o ver TV. É o nosso Papa Francisco.”

Ao lado, Maria de Fátima assume-se “Sá Carneirista” e também se confessa feliz por já não ter como chefe de Estado “o outro antipático”. Marcelo sim. É “um grande homem”, é “um lutador” e até lhe elogia os dotes vocais quando a banda da GNR começa a tocar o hino. Mesmo que Marcelo não esteja a cantar — ainda nem sequer chegou à cidade. “Fiz uma promessa em que, se ele fosse eleito, eu ia a pé até à Santa Rita”, conta. E cumpriu, no último domingo. Às cinco da manhã, lá foi Maria de Fátima sozinha desde a Lapa, no centro da cidade, até à igreja da santa em Ermesinde. Agora vai vê-lo de perto. Mas nem esta reformada nascida em Barcelos, nem Madalena Vidal, se deixam levar por romantismos excessivos. “Nunca tivemos um presidente como este. Agora se vai fazer bem, isso só se saberá depois”.

Marcelo Rebelo de Sousa escolheu terminar no Porto a cerimónia da sua tomada de posse, que se prolongou por três dias. E a cidade mostrou-se grata. Pontual, saiu do carro às 11h00 ao som de palmas e de um coro popular maioritariamente feminino que repetia: “Marcelo! Marcelo! Marcelo!”. Uma reação que se repetiria nos restantes pontos de passagem. Antes do discurso que fez no Salão Nobre do município, e em que pediu aos portuenses que “jamais troquem a sua liberdade, o seu rigor no trabalho, os seus gestos de luta e de coragem por qualquer promessa de sebastianismo político ou económico”, saiu e, em vez de ir direto para o carro, quebrou o protocolo. Com índices de popularidade tão altos, porque não atravessar a Praça General Humberto Delgado de uma ponta à outra e receber o carinho que o General que lhe dá o nome também recebeu em 1958?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

24093576

A Orquestra Juvenil da Bonjóia tocou “Viva la Vida” dos Coldplay, que começa com a frase “I used to rule the world”. Marcelo pode não dominar o mundo, mas os índices de popularidade estão por sua conta. © Artur Machado / Global Imagens

As pessoas adoram os beijos, os abraços, a oportunidade de trocar uma palavra com o homem que a maioria dos portugueses elegeu e que agora está ali, a ouvi-las. O corpo de segurança do Presidente é que já não gosta tanto. Se Cavaco Silva seguia os programas e não arriscava, Marcelo passa o dia a improvisar. No Bairro do Cerco já ia por um caminho que não era o correto, com o vereador Manuel Pizarro a tentar chamá-lo já em desespero para que regressasse ao trilho previsto. Entre o almoço restrito na Casa do Roseiral (consta que no menu não houve carne, por ser sexta-feira de Quaresma) e a chegada à Galeria Municipal para visitar a exposição de homenagem ao vereador da Cultura Paulo Cunha e Silva, falecido em novembro, várias pessoas passaram entre os seguranças para cumprimentar o chefe de Estado, dar conta das suas agruras e pedir que ele “olhe pelos pobres”.

Na Galeria Municipal a visita foi fechada, não só aos jornalistas como ao restante público. Mas os visitantes não pareceram nada chateados por terem de esperar na receção. “Nós almoçámos bem. Agora ver o Presidente foi a cereja no topo do bolo”, comenta Armanda Capitão. Quando Marcelo sai, quem teve de ficar à espera para que ele visitasse calmamente a exposição recebe-o com palmas. Mais à frente, quando entra para o carro, mais palmas.

E à chegada ao bairro social do Cerco? Isso mesmo. Palmas. Marcelo Rebelo de Sousa retribuiu com sorrisos, brincou com as crianças e abanou a cabeça para cima e para baixo ao som do rap do grupo OUPA, formado por residentes do bairro. No final do concerto, o homem do momento, juntamente com Rui Moreira, subiu ao palco e improvisou ele mesmo um rap: “Ouvi e gostei deste ‘hip hop’ do Norte, Portugal será mais forte. Aqui no bairro do Cerco e onde está a sua gente, estará sempre o presidente”. Mais cânticos. Mais palmas. Como se fosse ele mesmo um artista popular no final de um espetáculo.

À sua espera na Obra Diocesana de Promoção Social tinha Tino de Rans, o calceteiro que também concorreu às eleições presidenciais de janeiro. Na mão, trazia dois pares de sapatos “número 41, que é o que ele calça”, conta ao Observador. São feitos em Portugal, porque quer pedir-lhe “que defenda o trabalho português”. Tino fica contente por ver um político descer à rua. “É o meu presidente e fico contente de ver que ele não tem medo de se dar com o povo. Quem vier por bem, o povo não faz mal a ninguém.”

2 fotos

Nas eleições, Marcelo conseguiu 51,28% dos votos no Porto. Menos umas décimas dos 52% conquistados em todo o país. Escolheu prolongar a cerimónia da tomada de posse e ir à Invicta, não por ali ter sido votado acima da média (não foi), mas para conferir à tomada de posse “uma dimensão nacional”. Admite que esperava uma boa receção, mas o que se passou esta sexta-feira supera esse adjetivo. “O Porto é sempre surpreendente. Eu esperava calor humano, foi muito mais calor que eu esperava. Esperava adesão afetiva e foi superior ao que eu esperava”. Para tudo isso o novo Presidente arrisca uma explicação. “Acho que os portugueses querem afeto e querem acreditar, olhar para o futuro com mais esperança. Nesse sentido é o avançar para uma nova fase da vida portuguesa”.

Seis horas de visitas depois, não falta quem concorde com o que disse Maria de Fátima bem cedo, enquanto esperava pela chegada de Marcelo à Câmara do Porto. “Nunca tivemos um presidente assim”. Curiosamente, o presidente que Madalena Vidal comparou ao Papa Francisco tem encontro marcado com o verdadeiro chefe de Estado do Vaticano para a semana, a 17 de março.