Em sete membros do grupo de trabalho do Governo e do BE sobre a dívida externa, só há um elemento que tem dúvidas sobre uma reestruturação da dívida pública e é o representante do Governo: o secretário de Estado do Orçamento, João Leão. Os restantes seis defendem-na e cinco deles até assinaram o famoso manifesto dos 74.
Os grupos de trabalho resultam do acordo entre PS e BE para o apoio ao Governo. As reuniões começam na próxima semana e contam com a participação de especialistas nas várias matérias que os dois partidos vão debater. Ora, no caso do grupo de trabalho da dívida externa vai discutir-se a possibilidade de reestruturação da dívida, mas à mesa vão estar quase exclusivamente defensores públicos dessa opção.
Apenas João Leão, secretário de Estado do Orçamento, tem dúvidas sobre esta via. Chegou a alertar, num encontro de economistas no Parlamento em 2014, para os “impactos difíceis de antecipar” que podem vir de um reestruturação da dívida. Ainda assim, o economista não colocava totalmente de parte a hipótese, dizendo que esse cenário “deve ser equacionado se os riscos da estagnação e da falta de acesso ao mercado se materializarem no futuro”.
Mas este é caso único, porque os restantes membros já foram mais longe na defesa da reestruturação. Pelo lado do PS, vão integrar o grupo de trabalho os deputados João Galamba e Paulo Trigo Pereira. Os dois subscritores do manifesto dos 74, que juntou um conjunto de personalidades para a defender a revisão de condições relativas a taxas de juro, prazos e montantes da dívida pública. O BE indicou o líder parlamentar Pedro Filipe Soares e foi buscar o seu antigo líder Francisco Louçã.
O economista do BE não só assinou o Manifesto, como apresentou (também em 2014) um “programa sustentável para a reestruturação da dívida portuguesa”. E assinou a proposta com mais três economistas: Ricardo Cabral, Eugénia Pires e, nada mais, nada menos do que Pedro Nuno Santos, atualmente secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. O socialista é também hoje responsável pela coordenação geral das relações entre Governo e partidos de esquerda – há uma reunião de defensores da reestruturação.
As curiosidades não ficam por aqui, já que até os especialistas convidados do grupo de trabalho são também eles favoráveis a renegociar as condições da dívida. É o caso de Ricardo Cabral (que assinou o Manifesto e esteve na proposta de Louçã) e Ricardo Paes Mamede, mais um subscritor do Manifesto.
Mas afinal o que defendem?
Cinco dos sete membros deste grupo assinaram o Manifesto dos 74, que integrava uma série de personalidades, da esquerda à direita, a defender uma reestruturação da dívida. E o que dizia o manifesto? Deixou preto no branco que “nenhuma estratégia de combate à crise poderá ter êxito se não conciliar a resposta à questão da dívida com a efetivação de um robusto processo de crescimento económico e de emprego num quadro de coesão e efetiva solidariedade nacional. Todos estes aspetos têm de estar presentes e atuantes em estreita sinergia. A reestruturação da dívida é condição sine qua non para o alcance desses objetivos”, lia-se também no texto que foi apresentado com as assinaturas de 74 personalidades, de todas as áreas políticas e onde constavam nomes de dois ministros das Finanças de governos de direita, Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix.
Diziam ainda os defensores do Manifesto que a reestruturação da dívida deveria “ocorrer no espaço institucional europeu, embora provavelmente a contragosto, designadamente dos responsáveis alemães”. E apontava para questões concretas: “Abaixamento da taxa média de juro”; um “alongamento do prazo de pagamento da dívida” e por fim “reestruturar, pelo menos, a dívida acima de 60% do PIB”.
Já na proposta de Louçã, Pedro Nuno Santos e companhia (que apareceu meses depois do Manifesto), a ideia era começar por mexer nas maturidades e taxas de juro da dívida pública nacional, conseguindo mais tempo para pagar a dívida e juros mais baixos. A proposta incluía ainda um plano para compensar a banca de futuras perdas com esta primeira fase da reestruturação.
Além do grupo de trabalho da dívida externa, há mais cinco grupos: quatro só com o BE e um, de política fiscal, que integra Os Verdes.