O Podemos, de Pablo Iglesias, deu um passo significativo na aproximação ao PSOE, de Pedro Sánchez, com quem quer formar o próximo Governo espanhol. Iglesias afirmou que está disposto a abdicar do cargo de vice-Presidente do Governo caso ele próprio seja um entrave à formação de uma “coligação progressista em Espanha”. Por outro lado, pede ao PSOE que olhe apenas para a sua esquerda, esquecendo um pacto governamental com o Ciudadanos, o partido de centro-direita liberal liderado por Albert Rivera e que desde as eleições de 20 de dezembro foi o que mais se aproximou dos socialistas. Sánchez não parece estar disposto a isso.
O dia começou com o líder do Podemos, Pablo Iglesias, a oferecer um livro ao secretário-geral do PSOE, Pedro Sánchez. História do basquetebol espanhol, lê-se no título da obra escrita este ano por Carlos Jiménez Poyato. Mas o mais interessante era o se lia dentro do livro, onde Iglesias escreveu em jeito de dedicatória: “É bom começarmos por aquilo que nos une. Um abraço, Pedro Iglesias”.
Hoy le llevo un libro a @sanchezcastejon Creo que le va a gustar ???? pic.twitter.com/eURSWhopSr
— Pablo Iglesias ????{R} (@PabloIglesias) March 30, 2016
O encontro durou cerca de uma hora, seguindo-se conferências de imprensa por parte dos dois líderes partidários. Pablo Iglesias foi o primeiro a falar.
“Estou contente, foi uma reunião que decorreu num tom muito cordial. Começámos por falar de literatura e de cinema, ambos somos admiradores do “El poder del perro” de Don Winslow [título original “The Power of The Dog”, sem edição portuguesa], falámos de política internacional, das primárias dos EUA, da situação da Europa e do estado em que está a Europa”, disse. Conversa de amigos? Talvez. Mas é certo que voltaram à vaca fria: “[Falámos] da situação política em Espanha. Posso constatar uma vontade mútua para continuar o diálogo”.
130 vs. 161
“Respeitamos o PSOE, mas pensamos que o melhor para Espanha é seguir pelo caminho dos 161”, disse, repetindo o que terá defendido na reunião com Sánchez. 161 é a soma dos deputados do PSOE (90) com o Podemos (69), juntamente com a Izquierda Unida (2). “Expliquei-lhe que é um caminho muito mais seguro e certo do que o dos 130, que demonstrou na sessão de investidura que não chega para ser Governo”, disse, aludindo à soma do PSOE (90) com os Ciudadanos (40), solução chumbada duas vezes em plenário do Congresso dos Deputados no início de março.
Um dos ponto-chave da nova posição de Iglesias é a sua disponibilidade para abdicar do cargo de vice-Presidente de Governo, apesar de continuar a defender que essa função deverá caber a alguém do Podemos. “O Pedro [Sánchez] disse-me que no seu partido há muita rejeição à ideia de que eu possa estar nesse governo. E eu disse: ‘Isso por mim não vai ser problema’. Nós temos interesse em que haja um Governo que aplique políticas às do PP e há companheiros e companheiras suficientes no Podemos que podem participar nesse Governo”, garantiu o líder do Podemos, dando um passo atrás naquilo que tinha sido uma linha vermelha de quando começou a negociar com o PSOE após as eleições de 20 de dezembro.
É, portanto, o sacrifício possível para aquilo que Iglesias apelida de “governo à valenciana”, em alusão ao governo autonómico de Valência, onde o Podemos, o Compromís e o PSOE chegaram a um acordo de coligação que evitou que o PP, o mais votado, agarrasse a liderança.
“Albert, não te parece que seria bom tentar outra coisa?”
A verdade é que por mais que o PSOE e o Podemos se aproximem, os seus votos nunca chegarão para formarem um Governo sem o apoio — ou, no limite, a abstenção — do Ciudadanos. Por isso, Iglesias apelou a Rivera, ensaiando na conferência de imprensa a conversa que diz estar disposto a ter com o líder do Ciudadanos: “Dir-lhe-ia: ‘Albert, não te parece que seria bom para Espanha tentar outra coisa? Na política, como na vida, se tentarmos uma coisa e ela não funcionar, às vezes o mais razoável é tentar outra”. Assim, pediu-lhe que apoiasse uma “solução 161”, fosse “de forma ativa ou de forma passiva” — isto porque na primeira votação para aprovar um Governo é preciso maioria absoluta, mas na segunda uma maioria simples basta, chegando que os votos a favor sejam mais do que os contra.
Numa das perguntas da imprensa, um jornalista pediu a Iglesias para comentar o seu discurso atual, consideravelmente menos agressivo do que o de outrora. “Estamos em política para dizer as coisas como elas são. Houve sempre dureza nos debates parlamentares, e se há uma força política que recebeu uma dureza inédita na história política de Espanha, é o Podemos”, disse, para depois pegar na bola e enviá-la direitinha a Sánchez: “Nós aprendemos a encaixar tudo com desportivismo. Penso que o encaixe desportivista, como no basquetebol, é o que faz as equipas jogar melhor”.
E Sánchez? Agarrou?
Mais ou menos. Se Iglesias falou de duas somas (130 e 161), Sánchez apresentou-lhe uma terceira: 199. Isto é, PSOE+Podemos+Ciudadanos. “Os espanhóis não depositaram a sua confiança num bloco das esquerdas, mas também não depositaram a sua confiança num bloco das direitas”, disse, para defender uma solução que juntasse estes três partidos no Governo. “A materialização [da coligação a três] poderá fazer-se com os três sentados a uma mesa para perceber quais são as questões comuns às três formações políticas e esse Governo pô-las-á em marcha”, defendeu, para as alturas em que houver consenso. E também falou daquelas em que este não será possível: “Naquelas em que discreparmos, levamo-las ao parlamento e lá chegarmos a acordo (…). Isto é, fazer um governo parlamentário”.
Quanto à possibilidade anunciada por Iglesias de este poder vir a renunciar à vice-Presidência, Sánchez lavou as mãos do assunto: “Iglesias propôs-se por sua iniciativa e agora exclui-se por sua iniciativa. O PSOE não vai excluir nem vetar ninguém. Se alguém se exclui a si próprio, é da sua responsabilidade”.
De um lado e do outro, o basquetebol como metáfora
Resta agora saber o que Albert Rivera tem sobre tudo isto. Na terça-feira, em antecipação da reunião com entre o PSOE e Podemos, o vice-secretário-geral do Ciudadanos, José Manuel Villegas, disse que o pacto firmado entre o seu partido e os socialistas “deve ser o centro de qualquer negociação que se faça nestas semanas”. Na mesma linha, o porta-voz do PSOE, assegurou que o acordo bilateral continua em vigor.
Uma das linhas vermelhas do Ciudadanos e do PSOE é o impedimento da realização de um referendo sobre a independência da Catalunha. Essa questão foi abordada por Iglesias que, depois de defendido o referendo e marcado esta posição como uma linha vermelha, passou a bola a En Comú Podem (ligado ao Podemos) e ao Partido Socialista da Catalunha (ligado ao PSOE) para falarem entre si. “O Pedro [Sánchez] disse-me que não lhe parece mal”, contou Iglesias da reunião. “Constato que o Podemos, o Ciudadanos e o PSOE partilhamos o mesmo propósito na Catalunha, que é necessária uma reforma constitucional. Creio que podemos chegar a um acordo que satisfaça todos”, disse Sánchez, passando por sua vez a bola ao ausente Rivera.
O que fará ele disto? Há que esperar. Mas a questão não deverá ser simples, tendo em conta a intransigência que tanto o Podemos como os Ciudadanos já demonstraram quanto à questão catalã. E, quanto a isso, também Rivera usou o basquetebol como metáfora para falar de política, três meses antes das eleições de dezembro passado: “Quando um país se une mais em torno de um jogo de basquetebol do que em torno de princípios civis, da Constituição, da igualdade ou do nosso projeto comum, talvez tenhamos um problema”.