Corria o ano de 2012 quando o antigo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, apelou aos jovens que adotassem uma “cultura de risco”, criticando o facto de os portugueses preferirem “ser trabalhadores por conta de outrem do que empreendedores” e rematando com a frase que viria a fazer correr muita tinta: a de que o desemprego podia ser “uma oportunidade para mudar de vida”.
As palavras usadas podiam ter sido outras, mas consequência dessa insensibilidade ou desespero de enviar currículos sem obter qualquer resposta, a verdade é que apareceram novos e bons negócios de jovens por este país fora. Os sapatos da Friendly Fire são um bom exemplo.
Se perguntassem a Alexandra Castro e a Rute Marques o que é que elas queriam fazer quando fossem grandes, provavelmente a resposta nunca seria “desenhar sapatos”. Alexandra tem 27 anos e estudou Educação Básica, Rute tem 29 e estudou Nutrição. Até há alguns meses tinham três coisas em comum: uma amizade de 11 anos, o facto de nenhuma estar a tempo inteiro nas suas áreas de estudo e a paixão pela moda.
Uma conversa de café veio mudar a vida de ambas. Nesse dia decidiram fazer uma coleção própria de ténis. “Estavam na moda as sapatilhas, nós gostávamos muito e queríamos fazer algo diferente da sapatilha comum”, diz Alexandra ao Observador. O passo seguinte? Procurar fábricas para produzirem os modelos.
O medo do ‘não’ era grande, mas nada que duas horas de conversa na JAM Fernandes, em Guimarães –onde estão até hoje — não tivesse dissipado. Alexandra e Rute chegaram à fábrica com a ideia de fazerem seis ou sete pares de sapatos, e saíram de lá com uma proposta.
A Friendly Fire era uma marca que estava parada, à espera de alguém que lhe desse um novo fôlego, neste caso à espera de Alexandra e Rute. Foi-lhes pedido que idealizassem a coleção de relançamento da marca e daí partiriam para Milão, para a MICAM, a maior feira de calçado mundial, para que mostrassem ao mundo o que tinham feito. Depois da proposta, Alexandra conta que a única reação possível foi ficarem “abananadas”.
Em maio de 2015 arrancou o percurso que começa agora a dar os primeiros frutos. As amigas tiveram apenas dois meses para idealizar toda a coleção e para aprenderem. Nenhuma era da área de design e Alexandra admite que nenhuma sabia desenhar, acrescentando que a gíria do mundo do calçado também lhes passava ao lado. “Não sabíamos o que era uma sola, uma taloeira, uma gáspea ou um timbre.”
Todos os modelos são inspirados nas grandes marcas de luxo, mas sem os preços proibitivos inerentes às grandes casas da moda, bem como no gosto pessoal das criadoras. Alexandra confessa que foram um bocado “egoístas” nesta coleção, pois só criaram o que elas próprias usariam.
O resultado desse egoísmo? “Uma coleção arrojada, forte, eclética, feita com muito mimo” e que se destina a “mulheres que gostam de arriscar, que não têm medo de serem faladas pelo que usam e que são determinadas.”
As peças são todas feitos em pele (incluindo os forros), para além de se destacarem pela panóplia de materiais e texturas, aplicações, brilhantes, flores, correntes e pelo, que elevam os sapatos a mais do que uma mera peça de vestuário indispensável no dia-a-dia. Há até a hipótese de um par fazer dois, bastando para isso trocar uma tira amovível. “O cliente adora isso. Dentro da caixa vão mais duas tiras diferentes e pode trocar como quiser”, remata Alexandra.
A prova de que, efetivamente, os compradores adoram adquirir dois pelo preço de um é o sucesso que a marca fez logo na primeira feira, deixando as duas amigas “de coração cheio”. A procura foi tanta que a Friendly Fire viu-se obrigada a aumentar a sua estrutura. Os pedidos chegaram de Espanha, Irlanda, Austrália, França, Grécia, Itália e Rússia. Portugal também não ficou de olhos fechados e são já 28 os pontos de venda da marca no país, por enquanto nenhum em Lisboa.
Se há um ano a dupla nunca se imaginaria no mundo do calçado, hoje já olha para este negócio como algo para a vida e não se imagina a fazer outra coisa. Alexandra tem consciência de que “manter uma marca na ribalta é difícil”, mas para que isso aconteça ambas trabalham todos os dias das oito da manhã às oito da noite com um objetivo claro em mente: “queremos que as pessoas olhem para os nossos produtos na rua e, mesmo sem verem a marca, digam ‘aquilo é Friendly Fire’.”
A segunda coleção já está pronta e pode-se dizer que é “mais madura” do que a primeira, com uma aposta nos saltos altos para fazer frente às chuvas de inverno e em diferentes materiais. Mas esta é a única ponta do véu que pode ser levantada por agora. Até lá tem muitos meses para palmilhar as ruas deste país com as sandálias, as plataformas ou os ténis que pode ver na galeria de fotografias acima.
Nome: Friendly Fire
Data: 2016
Pontos de Venda: Há 28 pontos de venda que pode consultar aqui. Não é possível fazer encomendas online.
Preços: 100€ a 300€
100% português é uma rubrica dedicada a marcas nacionais que achamos que tem de conhecer.