A bola vem na sua direção — e ele, a arfar com um pug, nem a desejava assim tanto naquele instante –, pousa-a na bota, olha em volta, vê o colega a desmarca-se mais além, e é lá que a quer pôr. Erra um passe que nem nas escolinhas se erra — e ouve-se um assobio, ainda que tímido, na bancada. Ou pior: vê alguém com a camisola contrária à sua a surripiar-lhe a bola por ter demorado muitos mississippis a livrar-se dela. Aí, o assobio que era tímido, faz-se um mostrengo a soprar.
É mais ou menos isto que acontece quando a cabeça quer, mas as pernas se recusam a fazê-lo. Chame-se-lhe cansaço. E toca a todos, não é? O problema é quando toca a quem é líder e tem que defender essa liderança com unhas e dentes. E pernas.
O Sporting foi líder por muito tempo, roubou a liderança quando as pernas pesaram ao FC Porto de Lopetegui, e perdeu-a ele próprio quando as pernas lhe pesaram no dérbi com o Benfica, em Alvalade. Agora, é a vez de pesarem ao Benfica, líder. E têm pesado, sobretudo desde que a Liga dos Campeões se tornou coisa séria, e o Bayern lhe tocou na rifa. Mas o Benfica, com uma tonelada em cada perna ou não, tem vencido. E o Sporting, mesmo quando vence dias antes, tomando o gosto ao primeiro lugar, lá acaba por ver os rivais da Segunda Circular a vencer também. E ao Benfica têm-lhe chegado (como na última ronda, contra o V. Setúbal) dois quartos de hora com leveza de uma bailarina do Bolshoi para vencer. Depois, quando se lhes vem o peso do cansaço, a vitória está no papo.
Há que admiti-lo: o Benfica tem este domingo o jogo mais difícil até final. E o Sporting sabe-o. Ou o Benfica perde (o empate também não é mau, pois os verde-e-brancos estão em vantagem no confronto direto) em Vila do Conde com o Rio Ave, ou o Sporting pouca motivação terá para ir ao Dragão e a Braga. Esta é a jornada do sim ou sopas. Na teoria.
Mas vamos ao jogo do Sporting com o União da Madeira em Alvalade e ao que lá se viu. Se a visita do Benfica ao Rio Ave é o jogo mais complicado dos encarnados até final, a receção do Sporting aos madeirenses era a mais fácil nesta perseguição que terá o epílogo daqui por quatro jornadas. Ainda assim, sabe-o o Jesus e os adeptos, que aqueles três pontos deixados na Choupana na primeira volta fazem muito falta agora. Ó, quanta. O Sporting só perdeu por duas vezes esta época na Primeira Liga: uma com o Benfica, outra com União da Madeira. Mas este União não é o mesmo da primeira volta. Não nos titulares que trouxe. O treinador Norton de Matos tem cinco jogadores no “estaleiro”, alguns deles (André Moreira e Toni Silva) titulares habituais esta época. Mas Norton também fez poupanças a pensar nos próximos jogos, tentando aí fugir à despromoção contra adversários do mesmo “campeonato”: os titulares Paulinho, Gian e Cádiz não foram convocados para Alvalade.
O primeiro remate do jogo surgiu aos quatro minutos. E não tem muito o que contar: Danilo Dias, a “besta negra” do Sporting no jogo da primeira volta, desmarcou-se na esquerda e, com Schelotto a tapar-lhe as entradas para a área, rematou cruzado. Patrício defendeu sem sobressaltos de maior. Atacou o União, contra-atacou o Sporting. E marcou. Contavam-se sete minutos no cronómetro de Rui Costa. É Teo quem faz o primeiro em Alvalade.
A bola viajou de costa a costa, de um flanco ao outro, de pé em pé. João Mário marcou um canto curto (e rápido) à direita, deixou a bola redondinha em Schelotto, o ítalo-argentino escapou-se para o centro do relvado, colocou-a em Marvin Zeegelaar, o holandês arrancou qual locomotiva (que força tem Marvin; pouca-terra, pouca-terra, puu, puuuuu!) pela esquerda, cruzou, e alguém se esqueceu de Teo no poste contrário — não somos de apontar o dedo, mas foi o menino Joãozinho. O avançado colombiano nem teve que saltar, cabeceando se deve: de cima para baixo. E bateu um desamparado Gudiño. Téo Gutiérrez marcou seis golos nos últimos cinco jogos.
O União haveria de tentar mais uma vez na primeira parte chegar ao golo. E tentou-o aos nove minutos de jogo. Que defesa foi a de Patrício. A sério: que defesa! Breitner foi marcar um canto à direita, marcou-o para o primeiro poste, Rúben Semedo foi quem mais alto saltou, mas cortou a bola para trás, para o segundo. Estava lá Danilo Dias, despachou Ezequiel Schelotto com uma finta de algibeira — porque foi lá que Schelotto ficou: na algibeira –, trocou a bola da canhota para o pé direito, e rematou na direção do poste direito. Não sabemos se Patrício viu o remate sair ou não (tinha uma molhada de camisolas e corpos à sua frente), mas lá que voou e defendeu, lá isso fez ele.
O Sporting resolveu o jogo cedo. Aos 19′, quando João Mário desviou na área um cruzamento de Zeegelaar. Mais um. E que bem ia jogando o Sporting até aqui. Adiante. Vamos ao golo, então. Foi assim: Teo avançou pelo centro, encontrou Slimani à entrada da área, “usou-o” como tabela, recebeu novamente a bola o colombiano, e desmarcou Schelotto nas costas do lateral Joãozinho, já dentro da área. O cruzamento do lateral ítalo-argentino é bom, mas melhor foi o corte a meias entre Gudiño e Diego Galo, a tirar o pão da boca a Slimani, que já se encontrava na área para desviar. Não desviou. Mas a jogada não acabou aqui, como é bom de ver. O tal corte foi parar à esquerda, estava lá Zeegelaar, e cruzou com régua e esquadro para o segundo poste, onde João Mário (sozinho) apareceu a desviar, não de cabeça como Teo, mas com o pé direito. Os defesas do União voltaram a ficar mal na fotografia das marcações.
Um aparte: quem o viu e quem o vê. Com Falcao “encostado” no Chelsea e Jackson a jogar na China (José Pekerman, o selecionador da Colômbia, já fez saber que não chamará futebolista a jogar tão longe), Teo tem tudo para ir à Copa América no verão e quem sabe ser titular — foi-o no Mundial. Nesta tarde, foi sempre Teo a pegar na bola e a avançar com ela coladinha na bota até à área. Foi sempre Teo a desmarcar alguém, a tabelar com alguém, ou a desmarcar-se ele próprio. Está mais veloz, mais desapegado da bola, mais furtivo na área. E o Sporting agradece. E a Colômbia. E ele próprio.
Adiante. A última vez que o União da Madeira visitou o estádio José Alvalade para o campeonato foi há 21 anos e 21 dias. Precisos. A 2 de abril de 1995 os madeirenses perderam no velhinho Alvalade por 4-0. Esta noite a conta já vai pela metade. Mas houve quem quisesse remar contra a maré. 42′. Tem nome de craque alemão este Breitner. O alemão que brilhou na mannschaft e no Bayern é Paul Breitner. O venezuelano (mas que até nasceu no Brasil) é Overath Breitner — curiosamente, Wolfgang Overath também era internacional alemão e nada mau de pés, não senhor. Tudo para dizer que, à parte do nome curioso, Breitner também é camisola “10” e marcador de livres. Aqui, perto da área e ligeiramente descaído para a esquerda, procurou colocar a bola no canto superior esquerdo da baliza de Patrício. Lá colocar, colocou ele. Mas o remate foi tenso e Patrício defendeu sem sobressalto.
A primeira parte estava quase, quase a dar as últimas. Estávamos com 44′ e uns pozinhos. Quem estava fresco que nem uma alface era Coates. Que Coates é bom central e se assumiu como “patrão” da defesa do Sporting, ninguém tem dúvidas. Mas que o uruguaio, com a sua passada larga, é capaz de subir pelo flanco direito, fintar tudo e todos — Joãozinho e Tiago Ferreira não tiveram pedalada para ele –, e cruzar, isso já é mais complicado de alguém assumir como verdade insofismável. Mas aconteceu mesmo. O cruzamento foi bom, para o segundo poste, Teo estava prontinho a desviar, mas o guarda-redes Gudiño desviou primeiro.
O Sporting acalmou o jogo a seguir ao 2-0, mas de cada vez que o acelerava, era um quebra-cabeças para o União.
No recomeço, Rúben Semedo, que até ía fazendo um jogo sem mácula, quase esborratou a pintura. Edder Farías cruzou desde a esquerda nas barbas de Schelotto, e a bola saiu-lhe com a direção de Amilton, que se antecipava na área a Coates. Semedo chegou primeiro, lançou-se no ar, e cortou a bola. O problema é que a cortou para trás, Patrício ficou atónito a vê-la passar, e só não deu em auto-golo por um palmo. Foi essa a distância a que a bola passou do poste direito da balzia do Sporting. Não é que o União tenha entrado melhor, mas a verdade é que criou perigo primeiro. Tal como na primeira metade do jogo.
Agora, mudemos a ampulheta de desporto. Ou quase. 52′. Gudiño não é guarda-redes de andebol, mas esta defesa fez lembrar as melhores de Vlado Šola ou Vladimir Rivero — se gosta de andebol, sabe de quem lhe falo. Diego Galo viu a bola ser-lhe roubada por Slimani na defesa, os colegas de Galo ficaram em contra-pé, o argelino entregou o produto o “furto” a Adrien, este desmarcou Teo num ápice, e o colombiano rematou forte e a meia altura para o golo. O mexicano nas balizas do União defendeu com o antebraço. E que defesa foi a de Gudiño.
Mais Sporting. E a dobrar. Aos 61′, Teo — quem mais? — livrou-se em três tempos de Joãozinho na direita e cruzou para a área. Mas cruzou mal e para trás. Bryan Ruiz estava lá dentro à espera, queria cabecear, mas via a bola a escapar-se-lhe, em câmara lenta. Não se deu por vencido no lance o costa-riquenho, e sacou um remate de bicicleta da cartola. Não havia como rematar de outra forma, garanto-vos. A direção estava lá, a intenção também, mas faltou a força. E Gudiño segurou. Depois, pouco depois, aos 68′: Com a vossa licença, cá vai disto! Não foi o que Adrien disse, mas foi o que o seu pé direito fez. O capitão do Sporting recebeu uma sobra à entrada da área do União, matou a bola no peito, encheu o pé, e acertou em cheio no poste direito de Gudiño, quase, quase lá em cima, no ângulo. O ferro ainda se agita por esta hora. E Adrien ainda é capaz de ter as mãos na cabeça, desolado com o golo que não marcou.
O jogo “terminou” aos 76′. Pelo menos em oportunidades de golo. É que a catrefada de substituição que se seguiu, arrumou com a bola lá, bola lá. Só havia bola do lado do Sporting, entre a defesa e o meio-campo, amiúde no ataque. Afinal, há que poupar os bofes para o jogo do Dragão, no fim-de-semana que vem. Mas vamos lá à ocasião a narrar: Ele nem é mãos-de-manteiga, mas agora (76′) foi-o. Breitner marcou um canto à esquerda, puxadinho, puxadinho à baliza, Rui Patrício saltou sem oposição para agarrar, mas deixou a bola escapar para trás. Valeu ao Sporting o corte pronto de Semedo, a evitar males maiores — que é como quem diz, o desvio do recém-entrando Miguel Cardoso.
A oposição não foi muita. O União da Madeira contra-atacou um par de vezes na primeira parte e outro par na segunda. O Sporting fez o que tinha a fazer, pressionou alto quando tinha que pressionar, acelerou o jogo quando tinha que acelerar, construiu ocasiões de golo quando tinha que construir, e fez dois, primeiro por Teo e depois por João Mário. A seguir, controlou mais do que atacou. Na restante primeira parte e em toda a segunda. Chegou para vencer e fazer-se líder. Pelo menos até amanhã, quando o Benfica visita o Rio Ave em Vila do Conde.
Será que a liderança passa a outro e não ao mesmo?