Imagine que está a passar a Páscoa em Lisboa e quer ir à missa. Não conhece as igrejas nem os horários das celebrações, nem tão pouco se orienta bem na capital. A aplicação Missas em Lisboa dá-lhe uma ajuda. Através da localização do seu telemóvel, indica-lhe as missas mais próximas, os horários, e o caminho para lá chegar. Disponível em cinco idiomas, esta ferramenta digital construída pelo Patriarcado de Lisboa é também uma boa ajuda para os turistas pois contém as celebrações nas 285 paróquias da diocese, notícias e até músicas. É ainda oferecida outra funcionalidade aos católicos: a consulta dos horários das igrejas onde há padres disponíveis para confessar.
“A atualização da informação é a grande mais-valia”, explica Filipe Teixeira, do gabinete de comunicação do Patriarcado, pois a partir de um sistema interno que já estava criado os padres podem atualizar diretamente os horários da sua paróquia.
Há cada vez mais ferramentas digitais ao dispor dos crentes e que estão a revolucionar, não só a forma como a Igreja Católica se relaciona com o mundo, mas também como os católicos vivem a sua espiritualidade. Nesta arte de comunicar, o Papa Francisco tem sido ele próprio um revolucionário, ao usar o Twitter, o Facebook e mais recentemente o Instagram. Hoje, domingo em que os católicos assinalam o 50º Dia Mundial das Comunicações Sociais, o Observador faz um retrato destas novas tecnologias e da presença da Igreja no panorama digital.
“Tudo o que nos serve está num telemóvel”. Foi este o ponto de partida que inspirou Paolo Padrini, o sacerdote italiano que criou o iBreviary, uma aplicação que transpõe para os dispositivos móveis o breviário – o livro dos ofícios litúrgicos -, bem como as orações necessárias para orientar os sacramentos. O objetivo é facilitar a vida aos padres, evitando que tenham de andar carregados com livros quando vão celebrar um casamento, confessar alguém ou dar a unção a um doente.
O iBreviary surgiu em 2008, foi a primeira aplicação deste tipo, e já sofreu várias atualizações. Tem sido um sucesso. Atualmente está disponível em oito línguas, entre as quais o português e o latim, funciona também como um diário espiritual, e compila ainda os textos litúrgicos de sete ordens religiosas, por exemplo, os salesianos.
App portuguesa põe milhões a rezar com o Papa Francisco
Outra app com sucesso garantido — e potencial para pôr mais de 35 milhões de pessoas a rezar juntamente com o Papa — é o Click To Pray. Foi criada pelo Secretariado Nacional do Apostolado de Oração, um serviço de evangelização entregue à Companhia de Jesus, e que é conhecido por ser a rede mundial de oração do Papa Francisco. Esta ferramenta made in Portugal foi lançada cá em novembro de 2014, mas há dois meses ganhou uma versão internacional e foi apresentada no Vaticano como a aplicação oficial desta rede de oração pelas intenções do Papa. Na prática, o que propõe é tão simples quanto isto: uma prece de manhã, outra à tarde e outra à noite, com textos simples mas profundos, que proporcionam minutos de espiritualidade no contexto da vida diária.
António Valério, jesuíta responsável pelo Apostolado de Oração em Portugal, explica: “Além de rezar em rede com o Papa e milhares de pessoas em todo o mundo, leva os utilizadores a comprometerem-se no concreto com os temas das intenções do Papa para cada mês, levando a oração e os seus desafios à vida do dia-a-dia”. Os números falam por si: 15 mil utilizadores em Portugal e, só em dois meses, 78 mil em todo o mundo.
Já em 2010, os jesuítas tinham lançado na internet o primeiro projeto que materializa este conceito de oração no contexto da vida quotidiana. O Passo-a-Rezar oferece diariamente um mp3 com 10 minutos de meditação, dirigido sobretudo às camadas mais jovens. O seu repto é claro: “Não pares para rezar, leva contigo a tua oração”. Ou seja, pode praticar-se a religiosidade não apenas numa igreja, mas também nos transportes públicos, no ginásio ou através do computador, no intervalo do estudo ou do trabalho. Hoje esta plataforma está disponível no site, mas também em dispositivos móveis.
iBreviary, Click To Pray ou Missas em Lisboa são apenas três exemplos de ferramentas que propõem novas formas de rezar. Mas há mais, gratuitas ou não, e para todos os tipos de dispositivos: apps para seguir as atividades e discursos do Papa Francisco, para consultar a Bíblia, para se preparar para uma confissão, ou para cumprir melhor os preceitos religiosos. É o caso da app St. Josemaria, dirigida àqueles que frequentam os centros do Opus Dei e que disponibiliza uma espécie de check list onde cada um pode apontar as orações que vai fazendo ao longo do dia.
Do púlpito da igreja para as praças digitais
Além das aplicações móveis, a Igreja Católica tem reforçado também a sua presença na internet, através de projetos inovadores que transmitem a mensagem cristã fora dos círculos habituais, que até agora eram os media e o ambão, o púlpito de onde o padre fala na missa.
O iVangelho e o iMissio são dois exemplos. O primeiro é um portal desenvolvido pela Paróquia de Monte Abraão, que produz vídeos para tornar mais acessível o Evangelho (leitura da Bíblia). Todos os domingos há um padre ou leigo que comenta as leituras bíblicas à luz da atualidade e deixa um desafio para por em prática durante a semana. Mais direcionado para jovens e educadores, o iVangelho divulgou recentemente o testemunho de Bernardo Pinto Coelho, um católico que sofre de uma doença neurodegenerativa incurável e que tem falado publicamente sobre a forma como a fé o ajuda a lidar com o sofrimento. “Never give up” foi o repto deixado.
O iMissio tem a mesma missão: usar a internet como meio de evangelização, que desafia o modo de pensar a fé. Da autoria de um professor de educação moral e religiosa, começou por ser um blogue, depois assumiu-se como uma comunidade virtual e mais tarde transformou-se num portal. Hoje oferece textos para reflexão, crónicas, orações e testemunhos, dinâmicas de espiritualidade, recomendações de livros, entre muitas outras coisas.
Um post que pode arruinar uma igreja
As duas aplicações portuguesas — Click To Pray e Missas em Lisboa — foram apresentadas em Roma na semana passada, no 10º Seminário Profissional para Gabinetes de Imprensa da Igreja, que decorreu na Universidade Pontifícia da Santa Cruz e que juntou mais de 350 profissionais da comunicação da Igreja de todo o mundo. Aqui ouviu-se falar de casos de sucesso, mas também de riscos e dos desafios que a era digital coloca a todas as organizações, em especial à Igreja.
“No panorama digital qualquer um se pode tornar num porta-voz da sua instituição”, alertou neste encontro Marc Carroggio, professor daquela que é considerada uma das melhores universidades de comunicação da Igreja. O especialista falou sobre o fim do controlo institucional da mensagem, do esbater das barreiras entre público e privado, e do facto de quem outrora era apenas consumidor de informação se poder agora tornar num produtor de conteúdos. Basta estar numa rede social, colocar um post “inflamável” – sobre a sua diocese, o padre da sua paróquia, ou a catequista do filho, etc – e esperar que este se torne viral e chegue a milhares de pessoas… Com todos os danos para a reputação da instituição que isso venha a causar.
Também nas redes sociais, a Igreja deve “saber escutar as pessoas, sentir as dores e aspirações da sociedade”, defendeu no mesmo seminário Ronnie Convery, director de comunicação da Igreja Católica na Escócia. Mesmo nos momentos mais críticos, exemplificou este experiente profissional, recuando a 2013 quando o cardeal de Edimburgo resignou por suspeitas de abusos sexuais, uma semana antes do conclave onde ia participar na eleição do novo Papa. No Facebook, esta notícia foi como “dinamite”, lembra. Mas apesar da pressão de dentro da Igreja para que a página fosse bloqueada, Ronnie Convery considerou que era preciso deixar as pessoas expressarem aí a sua raiva e indignação. “Se se mantivessem ali na página, pelo menos mantinham o sentimento de pertença à Igreja. Quando não removemos os comentários só porque nos são contrários as pessoas respeitam-nos mais.”
O Papa Francisco é um comunicador nato. E já percebeu isto tudo. Está nas redes sociais – Facebook, Twitter e, desde março, no Instagram – onde coloca com frequência posts com mensagens, imagens e vídeos. Reconhece que estas podem ser “formas de comunicação plenamente humanas”, como escreveu na sua mensagem para este 50º Dia Mundial das Comunicações Sociais, pois “não é a tecnologia que determina se a comunicação é autêntica ou não, mas o coração do homem e a sua capacidade de fazer bom uso dos meios ao seu dispor”.
Contudo, adverte: “As redes sociais são capazes de favorecer as relações e promover o bem da sociedade, mas podem também levar a uma maior polarização e divisão entre as pessoas e os grupos. O ambiente digital é uma praça, um lugar de encontro, onde é possível acariciar ou ferir, realizar uma discussão proveitosa ou um linchamento moral.” Por isso, há que pensar em antes de postar.