Título: “A Moon Shaped Pool”
Banda: Radiohead
Editora: XL
A partir do momento em que está confirmado que vem aí um novo álbum dos Radiohead é a expectativa que manda nos fãs da banda, seres ansiosos cujos nervos se explicam facilmente: não há nada como voltar ao tempo e ao lugar onde se foi feliz. Há muito que os Radiohead caíram na graça de todo o artista que, com a música que faz, cria uma relação emocional com quem a ouve. Mas isso também é uma maldição.
Fizeram-no num crescendo notável com os primeiros quatro discos, Pablo Honey (1993), The Bends (1995), OK Computer (1997) e Kid A (2000). Quem se entregou a estes conjuntos de canções encontrou a banda sonora perfeita para pelo menos um pedaço de vida. Ao mesmo tempo que o grupo se descobria, quem o escutava e dele se tornava seguidor quase religioso fê-lo porque passava pelo mesmo processo: estava em plena mudança. Crescer ao som de uma música ou de uma banda específica é uma espécie de pacto de sangue. E agora, sempre que essas canções tocam, os coitados que não lhes conseguem escapar lembram-se exatamente de onde estavam, como estavam e com quem estavam: provavelmente sozinhos, o que torna tudo ainda mais dramático.
Mas seria bonito ultrapassar isso e não querer mais do (muito) que o novo A Moon Shaped Pool oferece: um grande álbum. Está tudo nas canções, seres danados de mistério e de contradição – os mesmos ingredientes que levam pessoa “A” a apaixonar-se por pessoa “B”, certo? Ora bem. Na música a regra é a mesma e a conquista faz-se de duas maneiras: ou à primeira vista ou num jogo de sedução. Os Radiohead, rapazes sabidos e de civilizada malandragem, usam os dois métodos ao mesmo tempo. Arrancam com uma dupla irrecusável, “Burn The Witch” e “Daydreaming”, ambos os temas nascidos daquela mania de cantar as dores do mundo inteiro como se fossem as de quem ouve. O piano, a voz, o crescendo, as repetições, os enormes minimalismos obsessivos, a pequena grande orquestra que arranja maneira de estar ali pelo meio e uma compulsão irremediável a caminho da tristeza — uma maravilha trágica para quem se sente confortável no meio da tempestade.
Depois, arrumados que estão os primeiros trunfos, A Moon Shaped Pool surpreende porque não grita o “por favor, escutem-me com atenção” que King of Limbs pedia. Isso, King of Limbs, lembram-se? O tal disco que, passados cinco anos, continua a ter dificuldade em deixar os títulos das canções na memória de quem as ouviu. Em 2016 a conversa dos Radiohead já não é tanto a do corta-e-cola sem destino aparente, que parece ter vindo ao mundo só para trocar as voltas aos pobres seres inferiores que a tentam decifrar. E A Moon Shaped Pool entranha-se. É amigo de quem lhe dá atenção, mas a querer construir amizades daquelas que crescem com calma. Segredos sim, mas primeiro é preciso haver confiança. O que não deixa de ser meio irónico, tendo em conta que o disco surgiu mais ou menos de surpresa.
Para continuar a dar-nos cabo do juízo, A Moon Shaped Pool usa tudo o que sempre foi recurso habitual destes músicos mas fazendo a coisa de maneira a que nada soe a repetição. O piano maníaco (“Decks Dark”), a guitarra acústica que é ainda a minha melhor amiga sempre que vou a casa dos meus pais (“Desert Island Disk”), as eletrónicas manipuladas durante mais de seis minutos (“Ful Stop”), Thom Yorke a brincar às vozes e a sacar as harmonias que interessam (“Indetikit”) e o guitarrista-compositor-e-quase-maestro Jonny Greenwood por todo o disco, a assinar arranjos com um bom gosto de fazer inveja, o sacana. Depois há as coisas que ficam a meio caminho e que, com essa, dúvida, ganham mais charme: o quase psicadelismo (“The Numbers”), a quase bossa nova (“Present Tense”) ou o quase Kid A (“Tinker Tailor Soldier Sailor Rich Man Poor Man Beggar Man Thief”). Pelo meio canta-se um mundo em contínua desgraça, a incompreensão face à eterna burrice humana, a destruição do ambiente e o amor como falsa solução para todos estes males – Thom Yorke divorciou-se o ano passado, seria impossível fugir a isso, nem que fosse no tom.
Então e eu?
No campeonato “como é que fica a minha relação com os Radiohead graças a este novo disco”, A Moon Shaped Pool é o mais perto de estar em casa que os rapazes conseguiram em 15 anos, sem que na verdade lá regressem. É a mania de ser mais e diferente que sempre tiveram mas com qualquer coisa de retorno à escrita de canções para memória futura que pareciam ter abandonado nos últimos anos. Ainda assim, com ambição e desafio, daí que uma vénia ao novo álbum não fique nada mal. E com um prémio tremendo: quando este novo disco chegar aos concertos, vai ser bonito vê-lo a acontecer ao vivo, em vez de ser apenas uma espécie de interlúdio entre clássicos de que temos de facto saudades. Nunca esquecendo que, na essência, este é um daqueles discos paridos para a multidão mas para consumo individual. Sozinhos na multidão, esse tipo de coisas emocionadas.
Já agora, e aproveitando o embalo de um álbum cativante como este, seria bonito da nossa parte esquecer a pergunta “Porque é que estes tipos não fazem discos como antigamente?”. A verdade é que nunca o fizeram, nunca repetiram o que veio antes – talvez excetuando os discos irmãos Kid A/Amnesiac, vá. Thom Yorke, Jonny Greenwood, Colin Greenwood, Ed O’Brien e Phil Selway, os cinco que sempre fugiram do passado e pouco dados ao conforto do “vamos lá fazer isto outra vez”. Esperar esse reencontro com o passado é apenas uma ideia palerma. O que não quer dizer que esta malta não saiba o que vai nos desejos dos tais ansiosos que esperam sempre por um novo álbum dos Radiohead como quem aguarda por um elixir da juventude.
Talvez por isso recuperem neste A Moon Shaped Pool uma série de temas que já tiveram outras versões e outros títulos. Mais: talvez por isso terminem o novo disco com “True Love Waits”, a tal que já vem dos noventas, que já teve outras versões e já foi gravada ao vivo mas só agora tem o lugar oficial que as coisas trabalhadas em estúdio garantem. Tanto andou que lá descobriu o que queria ser, uma choradeira daquelas boas, obviamente saídas da birra crónica com a vida que Thom Yorke nunca vai deixar de alimentar. “True Love Waits”, agora despida de guitarras e mais dada aos arpégios sombrios das teclas, parece um brinde porque é 1995 outra vez nos ouvidos. Mas fechar um disco assim também soa a bolo com fava, parece um “finalmente conseguimos, e agora que isto está feito podemos descansar, quem sabe até fazer qualquer coisa completamente diferente”. Gravar canções antigas e colocá-las num disco dispondo os títulos por ordem alfabética tem o seu quê de última graça antes da despedida e o boato já corre com boas pernas. Provavelmente, é só a habitual miséria dos Radiohead a tomar conta da situação. E alguma falta de vontade de trabalhar, porque não? Se assim for, está tudo bem, não há nada a temer. Se não for, fica a certeza de que está aqui uma ótima prenda.
“A Moon Shaped Pool” está à venda nas lojas digitais do costume. Os Radiohead atuam a 8 de Julho no NOS Alive. E não, já não há bilhetes. Discos propriamente ditos ainda vai haver, a partir de 17 de junho.