As equipas de obstetrícia e da Unidade de Neurocríticos do Centro Hospitalar de Lisboa Central levaram, esta terça-feira, a cabo uma cesariana programada, que ocorreu sem complicações. O ato em si não seria notícia não fossem os contornos do caso. É que a mãe estava em morte cerebral desde fevereiro.

Esta criança nasceu, no Hospital de S. José, de 32 semanas, com 2,350 quilos e ficou internada na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais, na Maternidade Alfredo da Costa, pertencente ao mesmo centro hospitalar.

A mãe da criança, de 37 anos, estava em morte cerebral desde o passado mês de fevereiro, na sequência de uma hemorragia intracerebral, explica fonte oficial do Centro Hospitalar Lisboa Central.

“Perante a gravidez em curso, S. [a mãe da criança] foi avaliada pela Especialidade de Obstetrícia, que considerou que o feto se encontrava em aparente condição de saúde. Após parecer da Comissão de Ética e Direção Clínica do CHLC e numa decisão concertada com a família de S. e família paterna da criança, foi acordada a manutenção da gravidez até às 32 semanas, por forma a garantir a viabilidade do feto”, detalha a mesma fonte.

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Face à situação, o conselho de administração nomeou um conselho científico “para acompanhamento do processo, em cuja composição se integrou um representante da Ordem dos Médicos, um representante da Comissão de Ética, um obstetra e a equipa de intensivistas”.

Contactado, o centro hospitalar não quis prestar mais qualquer esclarecimento. O comunicado enviado esta tarde informa ainda que “de acordo com as equipas médicas que acompanharam o caso, trata-se do período mais longo alguma vez registado em Portugal – 15 semanas – de sobrevivência de um feto em que a mãe está em morte cerebral”.

“Estranho é ter sido possível manter a situação tanto tempo. Grande mérito vai para os intensivistas”

Casos destes são raros. Tanto assim é que Luís Mendes da Graça, presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia, só se recorda de um caso, em 2007 ou 2008, no Hospital de Santa Maria, mas em que a situação durou muito menos tempo. “15 semanas é de facto um recorde, daquilo que me lembre. Esta situação foi mantida desde um momento muitíssimo precoce da gravidez: 17 semanas”, sublinhou o especialista.

O médico explicou ao Observador que desde que se consiga manter a mulher viva, com o coração a bater, e a ser devidamente oxigenada e alimentada, “é evidente que a criança continuará a desenvolver-se como se a mãe estivesse viva. Para a criança o que é necessário é manter a circulação útero-placentária. Se assim for, o feto não estranha”.

“O que é estranho é ter sido possível manter esta situação tanto tempo, e aí o grande mérito vai para os cuidados intensivos. Manter o organismo materno funcional, durante tanto tempo, para que a circulação útero-placentária tenha sido mantida é incrível e o Centro Hospitalar Lisboa Central deve estar orgulhoso.”

Quanto ao facto de a criança ter nascido às 32 semanas, Mendes da Graça explica que “é prematuro, mas já não é um grande prematuro”. Daí que as 32 semanas tenha sido “uma altura adequada para pôr fim a uma situação que poderá descambar de um dia para o outro”, rematou.