As negociações entre a Comissão Europeia, que foi autorizada por todos os Estados-membros a negociar em nome dos 28, e os Estados Unidos vão agora para a 14ª ronda, tendo em vista a conclusão do Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), mas “Os Verdes” querem garantir desde já que a Assembleia da República terá um papel decisivo na ratificação deste e de outros tratados que digam respeito às políticas comerciais de Portugal. PCP, Bloco de Esquerda e Verdes estão contra um mecanismo de resolução de litígios entre os Estados e multinacionais que saia da justiça nacional e contra a falta de transparência em todo o processo.
A discussão sobre o TTIP e sobre o Acordo de Comércio e Investimento entre a UE e o Canadá (CETA) chega esta quinta-feira ao Parlamento, com um pedido de debate de urgência pedido pelo PEV. Para além das críticas dirigidas à condução de todo o processo de negociação dos dois tratados, os Verdes querem que o Governo se comprometa a fazer passar a ratificação destes tratados pela Assembleia da República, apresentando para isso dois projetos de resolução sobre esta matéria. Os dois tratados estão em estados muito diferentes de conclusão – o TTIP ainda está a ser negociado, enquanto as negociações entre a União Europeia e o Canadá já terminaram e o acordo está agora a passar por um processo de revisão e tradução, sendo o próximo passo será a ratificação por parte dos 28 Estados-membros -, mas levantam a mesma dúvida.
Estes tratados ainda têm de ser classificados por parte da Comissão como sendo da sua competência exclusiva – que apenas requer a aprovação no Parlamento Europeu e dos 28 Estados-membros no Conselho da União Europeia – ou como um tratado misto, que precisa da ratificação em cada Estado-membro, envolvendo assim os parlamentos nacionais. Nuno Cunha Rodrigues, professor auxiliar da Faculdade de Direito de Lisboa e vice-presidente do Instituto Europeu, afirmou ao Observador que como “estão em causa tratados que (também) envolvem o exercício de competências próprias dos Estados, estes terão de ratificar os tratados em harmonia com as regras de direito interno que são aplicáveis a tal processo de ratificação”, sendo assim considerados acordos mistos. Estas regras de ratificação mudam de Estado para Estado e, em Portugal, segundo Cunha Rodrigues “a Constituição determina que compete à Assembleia da República aprovar os tratados que versem matérias da sua competência reservada ou que o Governo entenda submeter à sua aprovação”.
Mas considerando a abrangência dos tratados, “pode discutir-se se não contém, desde logo, matérias que são da competência do Parlamento nacional”, nomeadamente no que diz respeito à agricultura argumentou o docente de Direito, contraponto que também há a possibilidade de o entendimento do Governo ser que há outras matérias que estão excluídas dessas mesmas competências da Assembleia da República. Nesse caso, seria o Governo a escolher se envia ou não os tratados para o Parlamento. Ao Observador, o Ministério dos Negócios Estrangeiros garantiu que quando a classificação da Comissão Europeia seja conhecida e caso esta aponte para a necessidade de aprovação nos Estados-membros, o Governo vai enviar o acordo para a Assembleia da República. “Se o acordo vier a ser considerado como misto, segue-se a ratificação pelos diferentes Estados-membros, caso que, em Portugal, implica a aprovação da Assembleia da República”, reforçou a resposta oficial do Governo português. A decisão sobre a classificação do CETA deve ser conhecida até 5 de julho.
Uma discussão para além da ratificação
Tanto “Os Verdes”, como o PCP e o Bloco de Esquerda tinham nos seus programas eleitorais a rejeição do TTIP e também do Acordo de Comércio e Investimento entre a UE e o Canadá (CETA) e esta matéria não foi objeto dos acordos de entendimento para o apoio parlamentar ao executivo de António Costa. “Nunca discutimos esta matéria com este Governo. A nossa posição conjunta não faz referência a estes tratados e queremos com este debate saber qual é a posição do Governo português”, disse ao Observador José Luís Ferreira, deputado d’Os Verdes, justificando assim a convocação do debate de urgência.
Mas esta não é uma posição que assuste o PS e o Governo, já que a postura crítica dos partidos à sua esquerda é encarada como “inteiramente legítima”. “A posição crítica face ao TTIP e ao processo de negociação é uma posição inteiramente legítima e julgo, aliás, que o debate parlamentar que já está em curso em Portugal ajudará a clarificar e a superar algumas das dúvidas que têm sido avançadas“, disse Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros e número dois do Governo de António Costa, na quarta-feira depois de uma debate organizado pelo PS sobre este tema no Parlamento.
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“Estes tratados estão a ser negociados à margem dos europeus e têm implicações na vida das pessoas. O TTIP pode ter um impacto equivalente à entrada de Portugal na CEE”.
José Luís Ferreira, deputado de Os Verdes
Em maio, o PS apresentou um projeto de resolução em que indica que este acordo “trará potenciais benefícios à economia europeia, e em particular a Portugal, ao reduzir os obstáculos, tarifários e não tarifários, às exportações e ao investimento, significando assim uma oportunidade para as empresas e trabalhadores portugueses”, destacando alguns dos pontos mais complexos desta negociação como as certificações de origem, defendendo que “o modelo económico e social europeu deve ser defendido e protegido” e chamando a atenção para a abertura do capítulo de negociações sobre a energia que pode beneficiar Portugal . “Consideramos que o acordo deve ser ambicioso e achamos que o conteúdo é mais importante que o calendário“, afirmou Lara Martinho, deputada do PS, ao Observador.
“Estes tratados estão a ser negociados à margem dos europeus e têm implicações na vida das pessoas. O TTIP pode ter um impacto equivalente à entrada de Portugal na CEE”, afirmou José Luís Ferreira. Os principais argumentos d’Os Verdes para a oposição a estes tratados são “o nivelamento por baixo das regras laborais e de produção”, já que estes acordos implicam não só o fim de barreiras alfandegárias, mas também o reconhecimento mútuo de regulação e a possibilidade de empresas dos dois lados do Atlântico poderem entrar em concursos públicos. Opõem-se também ao mecanismo de resolução de conflitos entre Estados e empresas, já que estes permitem que as empresas processem os Estados fora dos mecanismos nacionais de justiça e através de tribunais arbitrais.
Outro ponto neste debate prende-se com a transparência das negociações, dado que apenas as posições da União Europeia são conhecidas e que o estado das negociações não é conhecido com frequência. Os Verdes consideram que o processo que obriga atualmente os deputados a deslocarem-se a uma sala no Ministério dos Negócios Estrangeiros caso queiram ter acesso ao texto consolidado já existente — não podendo tirar apontamentos ou levar qualquer aparelho eletrónico -. é “impossível”, invocando ainda que não há uma versão traduzida para português.
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“Este debate é um pretexto dos partidos de extrema-esquerda não para esclarecer, mas para manter oposição ao comércio livre global”.
Miguel Morgado, deputado do PSD
As críticas ao TTIP são acompanhadas pelo PCP. Ao Observador, a deputada comunista Paula Cruz lembrou que o seu partido se opõe a todos os acordos de livre comércio e que estes representam “uma ameaça à soberania e à democracia nacionais”. “Exigimos esclarecimentos sobre todo o processo que está a decorrer. Rejeitarmos este acordo não iliba o Governo de divulgar os conteúdos do acordo”, afirmou a deputada. O PCP apresentou mesmo um voto de rejeição em maio sobre este tratado – este voto foi chumbado com votos contra do PS, PSD e CDS. A exigência do Bloco de Esquerda é que este voto seja mesmo “travado”, segundo a deputada Isabel Pires afirmou ao Observador. “É um tratado com bastantes perigos, como a proteção dos consumidores, questões ambientais e resolução de litígios entre empresas e Estados. Deveria haver uma discussão pública muito alargada e isso não está a acontecer”, afirmou a deputada bloquista.
Segundo Miguel Morgado, deputado do PSD, este debate “é um pretexto dos partidos de extrema-esquerda não para esclarecer, mas para manter oposição ao comércio livre global”. Neste caso, o PSD considera que a posição socialista está clarificada e tanto PSD, como PS concordam que é necessário é que seja um “bom acordo”. “No entanto, parece haver oposição noutros Governos da Europa, como no caso francês em que o Governo pareceu perentório na rejeição do acordo. Assim, o horizonte de conclusão e ratificação não parece particularmente auspicioso”, disse o deputado em declarações ao Observador.
A Comissão Europeia tem recusado qualquer prazo para o fim das negociações do TTIP, apesar de governantes como Angela Merkel terem dado até ao final de 2016 para as conversações estarem concluídas. A oposição em vários países da União Europeia tem passado do debate público para alguns Governos nacionais e esta quarta-feira a organização STOP TTIP – que agrega várias organizações dos 28 Estados-membros que se opõem à conclusão do Tratado – lançou uma campanha de sensibilização dos eurodeputados sobre o CETA e da sua possível entrada em vigor ainda este ano de forma provisória.