Aprende-se cedo e ao longo do tempo tornou-se senso comum: o cardiologista trata do coração, o neurologista do cérebro e o fisioterapeuta dos músculos (e dos ossos). Ou seja, até há bem pouco tempo não era difícil escolher o especialista a quem recorrer quando se sentia uma dor em qualquer um destes órgãos. Mas os tempos mudaram. A medicina alternativa e complementar ganhou espaço no mundo ocidental e hoje para tratar da coluna há fisioterapeutas, quiropráticos e osteopatas. É só escolher.
As escolhas podem ser muitas, mas o desconhecimento também é grande. Juntando a isso o facto de as medicinas complementares continuarem a não ser comparticipadas, na hora de optar por um tratamento a escolha continua a recair sobre o conhecido, ou seja, a fisioterapia. No entanto, a persistência da dor tem o poder de acabar com todos os preconceitos e é aí que surge a quiroprática. Mas serão estas duas formas de tratamento assim tão incompatíveis? A resposta é simples e deve ser dada sem mais delongas: não.
“A quiroprática serve para quem tem coluna”
Emanuel Vital, Presidente do Conselho Diretivo Nacional da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas, diz ao Observador que tanto a quiroprática como a fisioterapia estão enquadradas no ordenamento jurídico como profissões da área da saúde, a quiroprática através da portaria nº 2017-D/2014 de 8 de outubro e a fisioterapia pelo Decreto-Lei nº 261/93 de 24 de julho.
Mas apesar de ambas estarem previstas na lei, só uma pode ser estudada em território nacional. Qualquer estudante do ensino secundário que tenha vocação para fisioterapia pode ingressar na universidade em Portugal, já outro que queira seguir a quiroprática terá de rumar aos Estados Unidos da América, já que não existe nenhum curso superior da área no nosso país.
Pedro Figueira foi um dia esse rapaz. Com mão para a quiroprática, teve de rumar até à Carolina do Sul, onde estudou durante oito anos. Quando questionado sobre porque é que alguém recorre à quiroprática, responde simplesmente: “A quiroprática serve para quem tem coluna.” O mesmo é dizer que serve, portanto, para toda a gente.
A quiroprática funciona como prevenção, embora 80% dos pacientes chegue ao seu consultório (Health Connection) já em desespero. Os objetivos da terapia passam por aliviar os sintomas que o paciente sente, já que esta tem, essencialmente, um caráter corretivo, e “dar a melhor hipótese à coluna e ao sistema nervoso”. Porquê ao sistema nervoso? Porque a coluna protege a espinal medula e se a coluna estiver bem, o sistema nervoso central também vai funcionar melhor. Pedro diz que o lema é “impactar o funcionamento neurológico à medida que impactamos o funcionamento da coluna”. Uma espécie de dois em um.
A fisioterapia é para quem está vivo
Segundo Emanuel Vital, a fisioterapia “previne, trata, habilita ou reabilita pessoas com disfunções de natureza física, mental, de desenvolvimento ou outras, incluindo a dor, com o objetivo de os ajudar a atingir a máxima funcionalidade e qualidade de vida”. A área de atuação dos fisioterapeutas é bastante vasta e vai desde pessoas que sofreram um acidente vascular cerebral a pessoas com traumatismos cranianos, passando por pacientes a recuperar de queimaduras, que se preparam para a vida após amputação de membros ou estão a recuperar a função geniturinária por sofrerem de incontinência. Ou seja, se a quiroprática é para quem coluna, a fisioterapia é para quem está vivo.
Apesar de à primeira vista a fisioterapia e a quiroprática parecerem muito diferentes, a verdade é que são complementares. Emanuel Vital acredita que “o reconhecimento de que existe uma área de intervenção partilhada por estas duas profissões deverá exigir de ambas a capacidade para saberem comunicar e interagir”. Pedro Figueira concorda com a complementaridade entre ambas e ressalva que “a quiroprática não é solução para tudo”, daí ter pacientes que a complementam com outras terapias e não ter problemas em aconselhar intervenções cirúrgicas quando percebe que isso é, de facto, a melhor solução.
Se complementar é bom, também é bom certificar-se de que faz a escolha certa no que toca ao fisioterapeuta e ao quiroprático. Tal como em todas as áreas, há bons e maus profissionais. Se por um lado Emanuel Vital defende que “o erro existe em qualquer atividade humana e o risco de reações adversas pode ocorrer em qualquer intervenção na área da saúde”, por outro Pedro Figueira aconselha a consulta do site da Associação Portuguesa dos Quiropráticos para averiguar se o nome do quiroprático que escolheu se encontra na lista da associação. Com isto evita ser enganado e ao mesmo tempo certifica-se de que não vai receber o tratamento – na quiroprática chama-se ajustamento – errado.
Primum non nocere: (não causar dano)
Embora os efeitos secundários sejam praticamente inexistentes, eles existem, sendo que sentir-se dorido é a queixa mais comum na quiroprática (25 por cento dos pacientes). Efeito que Pedro compara a uma ida ao ginásio. Na fisioterapia é preciso fazer um bom exame clínico, a história clínica precisa de ser recolhida adequadamente e os sinais de alarme devem ser identificados. Só a seguir vem a seleção da intervenção mais apropriada ao caso, tudo em prol do primado “primum non nocere” (não causar dano).
Na quiroprática acontece o mesmo: após a avaliação do paciente, feita em duas consultas (95€ no total), é escolhida a técnica que deve ser usada – existem dezenas – que pode ser manual e instrumental. No fim desse processo o paciente começa os ajustamentos e cada sessão dura cerca de cinco a seis minutos (45€ cada). Numa fase mais intensa, o paciente deverá visitar o consultório entre duas a cinco vezes por semana, na fase corretiva deverá fazê-lo uma ou duas, na fase do fortalecimento de 15 em 15 dias e na fase da manutenção basta uma vez por mês. Para não ter de passar por este processo, o ideal é fazer prevenção e levantar-se de meia em meia hora quando está a trabalhar nem que seja só um minuto — para o convencer, deve bastar saber que a partir dos 50 anos, 50 por cento da população tem hérnias discais assintomáticas.
Se acha que a maior diferença entre ambas é o facto de a quiroprática ser holística, ou seja, ver o corpo como um todo, e a fisioterapia ver parte a parte, como é comum na medicina convencional, engana-se. Emanuel Vital também acredita que um problema orgânico a um nível pode traduzir-se numa queixa a outro nível: “O estado de humor e a saúde mental condicionam a postura e o movimento”, diz, como exemplo. E quando tal acontece, a abordagem terapêutica vai além da correção dos “desalinhamentos” ou de técnicas de manipulação.
Resumindo, as duas terapias não são o espelho uma da outra. Quando um paciente recorre a ambas, terá de avisar os médicos para saber o que pode e não pode fazer na outra, caso contrário os tratamentos vão colidir e não vai melhorar. Ambas procuram o bem-estar dos seus pacientes e, como diria Pedro, “uma melhor higiene da coluna”, são parecidas mas diferentes ao mesmo tempo, daí complementarem-se tão bem. Talvez graças a uma mudança de paradigma da medicina convencional e a uma abertura de mentalidades, ou talvez a uma adaptação da quiroprática à realidade ocidental em que está inserida.
Se quando uma pessoa quer ir às compras tem vários supermercados ao seu dispor e escolhe o que prefere, ou compra umas coisas num lado e outras noutro, então é só normal que, no que à saúde diz respeito, aconteça o mesmo. Em ambos os casos são as terapias que se adaptam às necessidades das pessoas e não o contrário.