Drama na Assembleia da República. Esta quinta-feira acabou com pateadas, acusações da direita sobre a existência de um “ataque descabelado contra a democracia”, ou um “irregular funcionamento das instituições”. O PSD classificou este dia como “lamentável para a democracia parlamentar”, disse o deputado António Leitão Amaro no hemiciclo. Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, ouviu apartes como: “O senhor é inacreditável, o senhor é um antidemocrata, o senhor não está à altura do cargo, o senhor não tem condições”. Neste caso, pelo deputado Miguel Santos. Tudo por causa da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) aos factos que levaram a Caixa Geral de Depósitos a precisar de uma recapitalização que poderá chegar aos cinco mil milhões de euros.
O PSD e o CDS contestaram, em primeiro lugar, que Ferro Rodrigues tivesse enviado para o conselho consultivo do Ministério Público, um pedido de parecer urgente com dúvidas jurídicas sobre a CPI (elaborado por uma jurista que é procuradora). Uma dessas dúvidas tinha a ver com o facto de o objeto da comissão também incidir sobre o processo de recapitalização em curso do banco público, que ainda não foi concluído e está a ser alvo de negociações em Bruxelas. Como as CPI só devem debruçar-se sobre acontecimentos passados, o PSD e o CDS retiraram essa alínea do seu projeto.
“Não alinhamos em manobras dilatórias para evitar os trabalhos da CPI”, disse Luís Montenegro numa conferência de imprensa ao fim da tarde, ao lado de Nuno Magalhães, do CDS. A decisão de Ferro Rodrigues apoiada pela esquerda “coloca em causa o regular funcionamento das instituições”, acrescentou o líder parlamentar do PSD — sem depois esclarecer se estava a apelar ao Presidente da República — mas a seguir foi ainda mais duro:
Se depois deste esforço subsistirem bloqueios à CPI, estaremos no domínio de um ataque voluntário, descabelado e consciente à democracia, à Constituição, aos direitos políticos do Parlamento e da oposição.”
Luís Montenegro anunciou entretanto que retirou do objeto da proposta de constituição da CPI a parte que se referia ao “processo negocial que está em curso com as instituições europeias”, tendo em vista a recapitalização da CGD. Mas garantiu que se mantinha a intenção de averiguar os pressupostos que levaram a CGD a precisar de uma injeção de capital de cinco mil milhões de euros (que representa 2,8% do PIB).
O líder da bancada do PSD ainda afirmou que deixar cair esta alínea era “permitir uma última oportunidade de se respeitar o exercício do direito dos deputados”.
Entre os parlamentares de direita há uma dúvida que tem a ver com o elevado montante da recapitalização que tem sido público. Os cinco mil milhões só se justificam, acreditam deputados do PSD e do CDS, no caso de o Novo Banco ser integrado na Caixa. Se assim não for, o nível das imparidades parece ser demasiado elevado. Na direita acredita-se que o PS está a fazer tudo para ganhar tempo para as negociações em Bruxelas.
O segundo momento de tensão deu-se no final do plenário. António Leitão Amaro, do PSD, pediu a palavra para uma interpelação à mesa sobre a condução dos trabalhos. Queria saber por que motivo tinha sido retirado do guião de votações o requerimento para a realização de auditorias à CGD e ao Banif. Ferro Rodrigues justificou que tinha 48 horas para tomar uma decisão. Mas as votações eram para ser na sexta-feira, como de costume, mas passaram para quinta porque há deputados do PS que vão começar a viajar para os Açores onde vão decorrer as jornadas parlamentares. E assim deixou de ter as 48 horas para apreciar o pedido. “Pura má fé”, acusa um deputado do CDS ao Observador. O PSD quis recorrer para o plenário da decisão de Ferro Rodrigues, mas o requerimento foi chumbado com os votos contra do PS, PCP, BE e Verdes.
Não é um atentado à democracia, diz João Galamba, do PS
O deputado socialista João Galamba afirmou ao Observador que esta era “uma questão entre o PSD e a mesa da AR”, mas achou estranha a contestação “a um parecer de uma representante do Ministério Público no Parlamento, com dúvidas sobre a legalidade de certos pontos do objeto da comissão”. Para Galamba, “recorrer a instituições que fazem parte do Estado de Direito, dificilmente se poderia qualificar como um atentado à democracia”.
“Um acionista pede a uma nova administração que recorra a serviços externos — porque normalmente essas auditorias são feitas por empresas de auditorias como foram as auditorias do Banco de Portugal –, e depois qualifica-se essa auditoria caseirinha, não sei quem é que o PSD pretendia que a fizesse”, disse João Galamba ao Observador. O ministro das Finanças, Mário Centeno, tinha anunciado, ao fim da manhã desta quinta-feira, depois do Conselho de Ministros, que ia solicitar uma auditoria independente à CGD.
O deputado socialista argumentou ainda que o Parlamento “não pode fazer auditorias forenses ou de outra espécie pela simples razão que há matérias em sigilo bancário e as entidades que forem recorrer a essas auditorias são duas: é o Banco de Portugal ou a administração do próprio banco”. João Galamba assinalou que, no requerimento de hoje sobre as auditorias, PSD e CDS “dizem que a auditoria não pode ser feita pela administração da GGD, pelo Banco de Portugal, nem pelo Governo. Então, não pode ser feita por ninguém”, conclui.
“Os assuntos do setor financeiro tem de ser tratados com sentido de responsabilidade”, afirmou Galamba. “É importante saber, auditar, obter informação, mas não podemos fazê-lo à margem da lei e ultrapassando todas as normas procedimentais.”