O Presidente da Assembleia da República considerou esta quinta-feira “não estarem reunidas as condições para a admissão” do projeto de deliberação do PSD e do CDS sobre as auditorias externas à Caixa Geral de Depósitos e ao Banif. A decisão chega um dia depois de Ferro Rodrigues ter recebido o parecer da comissão de Assuntos Constitucionais, escrito por um deputado do PS, a considerar inconstitucional o pedido vindo do PSD e do CDS.
No despacho em que divulgou a sua decisão, Ferro sublinhou a ideia inscrita no parecer que foi aprovado quarta-feira na Comissão de Assuntos Constitucionais: já está constituída uma comissão parlamentar de inquérito e só nesse quadro a proposta “poderia ser discutível” (de acordo com o parecer). “Foi esta, aliás, a razão pela qual, já na presente legislatura, foi admitida iniciativa análoga”, referindo-se ao projeto de resolução (chumbado pela esquerda) do PSD e a pedir uma auditoria externa à gestão do Banif, feito quando estava a ser debatida a constituição de uma comissão de inquérito ao banco do Funchal.
O tema levantou ontem um debate intenso na reunião da comissão de Assuntos Constitucionais, discutindo-se também a forma do pedido: se devia ser uma deliberação da Assembleia, onde seria a própria Assembleia a pedir a auditoria, ou um projeto de resolução, que recomendaria ao Governo que o fizesse. Também neste ponto, Ferro concorda com o parecer que pediu à primeira Comissão: “Resulta claro não se considerarem verificadas as condições para a admissão do projeto de deliberação por se visar a produção de efeitos jurídicos externos à Assembleia da República”.
PSD “indignado” pode recorrer
Depois de conhecida a decisão de Ferro Rodrigues, o PSD reagiu com “indignação” à decisão do presidente da Assembleia de não admitir o requerimento no sentido de ser o Parlamento a pedir auditorias à CGD e ao Banif. Falando aos jornalistas na Assembleia da República, o deputado Carlos Abreu Amorim classificou a decisão como “um mau dia para a Assembleia e a democracia parlamentar” a falta de adequação entre o que está a ser feito agora para a Caixa e o que foi feito em janeiro para o Banif.
“Há meses, quando o PSD apresentou uma resolução exatamente com o mesmo objetivo [pedir auditoria externa ao Banif], o requerimento foi admitido e foi discutido e debatido em plenário sem que nenhum deputado ou o Presidente tivessem levantado alguma objeção”, disse, acusando o Presidente da Assembleia de estar a “ir mudando os argumentos consoante os interesses”.
Para Carlos Abreu Amorim, o Presidente da Assembleia “já tinha esta decisão calculada e socorreu-se de um parecer feito à medida para se ancorar numa decisão pré-tomada”, acusou. Depois da decisão de Ferro, o PSD admite estar a “considerar outras medidas”. Uma delas pode passar por recorrer da decisão do Presidente e voltar a levar o tema a plenário, mais não seja para vincar a sua posição política, passando a mensagem de que é a esquerda que está a impedir a Assembleia de exercer o seu papel fiscalizador.
Em janeiro, quando a esquerda chumbou no Parlamento o projeto de resolução do PSD e CDS para uma auditoria externa e independente ao banco, o PS argumentou que não queria “substituir a comissão de inquérito por uma auditoria externa, precisamente por valorizamos o trabalho da comissão de inquérito e dos deputados”. O BE e o PCP, pela voz de Mariana Mortágua e Miguel Tiago, escudaram-se na ideia de que, em anteriores comissões de inquérito (como a do BES), a auditoria serviu como “desculpa” para “adiar tudo escondendo-se no pretexto de estar à espera dos resultados da auditoria”. Apesar do chumbo, no entanto, o requerimento da direita foi admitido e debatido no plenário. Só que, em janeiro, tratava-se de um projeto de resolução, que recomenda ao Governo ou a outra entidade externa o pedido de auditoria, enquanto desta vez o que está me cima da mesa é uma deliberação em nome da própria Assembleia.
Quem pode pedir uma auditoria à Caixa
A primeira iniciativa pública a pedir uma auditoria ao banco do Estado veio do Bloco de Esquerda, na sequência do anúncio da intenção do PSD de avançar com uma comissão parlamentar de inquérito potestativa à Caixa Geral de Depósitos. Catarina Martins levantou então o tema da auditoria “forense”, uma tarefa que só poderia ser conduzida por iniciativa e decisão do Banco de Portugal. O projeto de resolução do Bloco, que recomenda ao Governo, “enquanto representante do acionista Estado”, que tome as diligências necessárias para que seja “efetuada, no mais breve trecho, uma auditoria forense às operações de crédito da Caixa Geral de Depósitos”, deu entrada no Parlamento esta sexta-feira e deverá ser discutido para a semana na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, não estando ainda agendada a sua votação.
O termo forense não existe no regime geral das instituições de crédito, mas o conceito entrou no discurso público quando o governador foi ao Parlamento, no verão de 2014, explicar o que se sabia então do caso Banco Espírito Santo. Carlos Costa revelou que estava em curso uma auditoria forense ao BES, na sequência de indícios de ilícitos praticados pela gestão do banco. E acrescentou que havia quatro auditorias forenses a instituições bancárias, embora as operações investigadas fossem muito menos graves que as detetadas no Banco Espírito Santo. Mais tarde, soube-se que o Banco de Portugal pediu auditorias sobre determinadas operações no Montepio e também no Banif. O que diz a lei:
“O Banco de Portugal pode exigir a realização de auditorias especiais por entidade independente, por si designada, a expensas da instituição auditada.”
No entanto, a decisão de pedir esta auditoria é da exclusiva responsabilidade do supervisor bancário, não pode ser imposta por entidades que não tem essa competência, e é uma iniciativa que em regra é tomada na sequência de falhas ou irregularidades identificadas em auditorias ou inspeções regulares a uma instituição.
O Governo já anunciou, entretanto, a intenção de pedir também uma auditoria independente à Caixa Geral de Depósitos, o que pode fazer na qualidade de acionista único do banco quando dá instruções aos administradores do banco, por exemplo, através de assembleia geral. Essa será uma missão para a nova gestão da Caixa, cuja entrada está prevista para o mês de julho, que terá de escolher uma auditora que não esteja a trabalhar com o banco.
Surgiram também notícias de que a Comissão Europeia, através da direção geral da concorrência, e o Banco Central Europeu estariam também a ponderar pedir auditorias independentes à Caixa, nomeadamente no quadro da avaliação ao plano de recapitalização proposto por Portugal. A Comissão Europeia rapidamente afastou esta possibilidade, mas o BCE, enquanto entidade que ficou responsável pela supervisão da Caixa Geral de Depósitos, pode efetivamente ter a iniciativa.