No centro da vila de Nice, onde esta quinta-feira à noite se deu o ataque mais mortífero na Europa desde os atentados de Paris, é proibida a circulação de camiões como o que matou pelo menos 84 pessoas e feriu mais de cem durante as celebrações da Tomada da Bastilha. A Promenade des Anglais, a avenida marginal onde se havia concentrado mais gente neste feriado, tinha sofrido restrições do trânsito e grande parte das estradas estavam cortadas à circulação de carros. O dispositivo policial tinha sido reforçado, nomeadamente com o aumento de militares na rua, e foram instaladas barreiras de segurança ao longo da cidade. Ainda assim, Mohamed Bouhlel conseguiu conduzir um camião de 19 toneladas ao longo de dois quilómetros a uma velocidade de 80 km/h. Como? Como é que nenhum membro da autoridade se apercebeu de que algo estava errado? E como é que nenhum polícia o conseguiu travar?
Foi muito fácil para Bouhlel derrubar essas barreiras policiais colocadas na Promenade des Anglais. Luc Poignant, delegado do sindicato da Unidade SGP da polícia, disse até ao Le Monde que nenhum dispositivo de segurança conseguiria parar um camião como estas características, “a não ser que se erguessem paredes de betão pela avenida”. Mas Dominic Casciani, correspondente da BBC, garante que já existem dispositivos de segurança desde 2009 que podiam evitar um ataque com esta magnitude. Esses dispositivos estão a ser desenvolvidos nos Estados Unidos, Reino Unido e Israel e há um grande leque de possibilidades, desde os mais evidentes até aos mais discretos, que se confundem com o mobiliário urbano e passam despercebidos.
São sistemas de “endurecimento de alvos” ou, na terminologia inglesa mais comum, “target hardening“. Este sistema é composto por barreiras especiais capazes de suportar impactos diretos, até mesmo as de um camião TIR. Um exemplo? Quem visita o Parlamento britânico depara-se necessariamente com um mecanismo de barreiras de segurança negras em redor do edifício: esses são os sistemas menos discretos, mas foram precisamente concebidos para travar um camião em alta velocidade. Mas a região junto ao edifício da bolsa de valores de Nova Iorque, em Manhattan, ou o lar de Whitehall (onde vivem muitos dos antigos ministros britânicos), estão circundados por rampas anti-veículos semelhantes às que também existem em várias zonas mais suscetíveis a ataques em Israel. Mas nestes edifícios as rampas não são visíveis: confundem-se com o mobiliário urbano e permitem a normal circulação de peões que não representem perigo.
O problema, identifica Dominic Casciani, é que estes sistemas sofisticados são normalmente exclusivos de alvos mais evidentes, como pontos de referência ou localizações simbólicas. Lugares menos prováveis, como a Promenade des Anglais em Nice, continuam livres deste tipo de ferramentas de segurança. O segredo, acredita o governo britânico, passa pela educação pelo terrorismo. Os grandes clubes da Primeira Liga ou os órgãos governamentais das cidades estão a ser aconselhados a seguir uma série de planos antiterrorismo delineados por uma equipa de polícias, arquitetos e engenheiros. Quando um determinado sítio é estudado para que nele seja instalado um sistema de segurança, essa equipa estuda quais são as melhores ferramentas, aquelas que sejam mais adequadas à probabilidade de um ataque ocorrer nesse local.
E essas ferramentas podem ser verdadeiras obras arquitetónicas, como é o caso do Estádio Emirates, do Arsenal. À frente do estádio há umas enormes letras de betão onde se pode ler o nome da equipa. Mas esse letreiro é, na verdade, uma barreira disfarçada: se um camião como o de Nice batesse nessas letras, elas absorveriam toda a energia que o camião transportava e evitava que ele avançasse mais. Portanto, uma estratégia deste género podia ter sido suficiente para evitar que um carro descontrolado transformasse uma noite de festa em mais um ataque contra a Europa.