Era altura de cumprir a viagem anual que João e os amigos gostam de fazer no verão. Desta vez, escolheram Nice. “Queríamos visitar a Costa Azul. É uma zona bonita de França e tem praia. Havia viagens low cost para aqui e decidimos vir”, conta João Pedro Batanete.

O português, de 24 anos, falou com o Observador por telefone, acompanhado pelos amigos Pedro e Íven, a meio de um passeio depois de almoço. “Nós tivemos um pouco de sorte, mas não se pode ter medo. Temos é de aproveitar mais os dias”.

A tranquilidade de hoje veio depois do pânico da noite de ontem. Os três amigos chegaram esta quinta-feira ao aeroporto por volta das 17h e por volta das 18h já estavam na cidade. Daí seguiram para o apartamento que alugaram e ali descansaram um pouco antes de irem jantar. Antes ainda passaram pela praia para tirar umas fotografias. Voltariam ali já depois da refeição.

A casa fica a 20 minutos a pé daquela zona. “Decidimos voltar lá para dar uma voltinha depois de jantar. Havia fogo de artifício e tudo”, conta. Foram. O que mais impressionava era “a multidão” que ali estava reunida. “Era um aglomerado gigante de pessoas. As estradas até estavam cortadas e as pessoas ocupavam o espaço todo”. As estradas estavam cortadas para os milhares que queriam celebrar a Tomada da Bastilha . É um ícone da Revolução Francesa, cujo lema é “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.

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Os três amigos (um deles a trabalhar em Angola e vindo de propósito para as férias) dirigiram-se para perto da praia, precisamente na Promenade des Anglais, na marginal de Nice, onde o ataque aconteceu. João faz questão de reforçar que “estava tudo cheio, as pessoas tinham de andar com a multidão”. Foi aí que o trio decidiu parar e entrar no casino Palais de la Méditerranée, que é também um hotel.

Prom des Anglais Nice atentado

Aqui está o hotel 5 estrelas com casino onde João e os amigos estiveram. Fica na avenida marginal onde aconteceu o ataque. (Créditos: Google Maps)

“Quando entramos no casino, pedem-nos a identificação e, precisamente quando a estávamos a mostrar, entrou uma multidão por ali dentro. Tudo a chorar, tudo a correr, tudo aos gritos. Nós nem percebemos logo o que se estava a passar”, confessa.

O camião tinha acabado de passar, precisamente pelo meio das pessoas. “Foi por minutos. Se não tivéssemos entrado no casino, provavelmente também tínhamos sido varridos”, diz. O cenário naquele espaço era de pânico.”Muitas pessoas a chorar, principalmente mulheres e crianças. Toda a gente perdida”.

Quando Pedro, João e Íven perceberam o que tinha acontecido, correram com o resto das pessoas. “Escondemo-nos o mais possível porque tínhamos medo que alguém entrasse no casino e começasse a disparar. Nós não sabíamos se era um, ou dois, ou quantos eram”, diz.

Os responsáveis do casino abriram as portas de emergência e as pessoas dirigiram-se para aí, conta. Depois foram abertas as portas traseiras e aí a multidão começou a sair do edifício. “Começou tudo a correr, os carros a acelerar, não dá para explicar. Ainda fiquei um pouco cético porque os terroristas podiam lá estar, mas avançámos”. O três dirigiram-se para o apartamento a pé, fora da avenida principal, entretanto repleta de forças de segurança. As saídas do casino só se faziam por trás.

Nós tentámos ficar o mais calmos possível. O nosso receio era que “eles” entrassem pelo casino dentro. Eu só pensava: ‘Como é que me vou defender se isso acontecer?’

Chegados a casa, por volta das 23h20, ocuparam-se em telefonemas para amigos e família a avisar que estava tudo bem com eles. Aí, ficaram a par de tudo. O número de mortos, sempre a crescer, chocou João. “Mas eu percebo como é que o camião matou aquela gente toda. As pessoas das pontas da avenida ainda conseguiram fugir, mas as que estavam no meio foram apanhadas”, refere.

Nada fazia prever aquele ataque, diz o rapaz, até porque a segurança era muita.“Logo no aeroporto havia muitos militares. Nas ruas também. Vimos militares aos pares, a segurar armas. Um reforço militar brutal”, notou. O reforço deveu-se ao estado de emergência em que o país está.

Hoje, 15 de julho, os três acordaram tarde porque demoraram a adormecer na noite anterior. Foram almoçar perto do apartamento e longe da Promenade des Anglais. Parece uma cidade “igual a ontem”, mas “mais calma” e com pouca gente nas ruas. “Hoje vamos a uma colina, que se chama Colina do Castelo, onde dá para ver a cidade toda”, conta. Querem conhecer Nice por inteiro.

A data de regresso a Lisboa está marcada para terça-feira. João garante que será cumprida.