Quem diria que, depois de infindáveis meses em que vários homens protagonizaram acusações constantes; atacaram amigos, família e cônjuges uns dos outros; discutiram os atributos da sua genitália e defenderam fervorosamente o fecho das fronteiras a mais imigrantes, o momento mais aguardado para fechar tudo isto seria um discurso de uma mulher estrangeira com sotaque estranho e um texto a resvalar para o delicodoce?

Quem diria, afinal, que caberia a Melania Trump, a mulher de Donald Trump, a função de dizer ao partido onde o seu marido entrou de rompante que, agora, o tempo é de união?

Foi precisamente por aí que a ex-modelo eslovena de 46 anos começou a sua intervenção perante a Quicken Loans Arena, em Cleveland, depois de ter sido apresentada em palco pelo seu marido. “As primárias republicanas de 2016 foram duras e começaram com vários candidatos. 17, para ser exata. E eu sei que Trump concorda comigo quando digo o quão talentosos cada um deles é”, disse, arrancando um aplauso diplomático do público, a quem mais à frente dirigiu novamente palavras no sentido de um reencontro. “Vocês transformaram esta improvável campanha num movimento que continua a ganhar força e números”, continuou, olhando ocasionalmente para um teleponto, que lia de forma cuidadosa e nem sempre espontânea. “A época das primárias e a sua dureza já lá vão. Unamo-nos em torno de uma campanha nacional como nenhuma outra”, pediu.

Humanizar Donald Trump. Foi isso que uma boa parte da imprensa norte-americana definiu como um dos objetivos do discurso de Melania. E foi isso mesmo que ela tratou de fazer. “Ele é duro quando tem de ser”, argumentou, para depois contrapor: “Mas ele também é bondoso, justo e carinhoso. Esta bondade nem sempre é notada, mas está à vista de todos. E é a razão pela qual eu me apaixonei por ele“. De seguida, a mulher do magnata nova-iorquino falou das relações que este mantém com a família, realçando o “enorme respeito” que tem pelos pais e pelos irmãos, inclusive pela “memória do seu falecido irmão Fred”. E, claro, os filhos, que disse ser “um testamento incrível da pessoa que ele é enquanto amigo e pai”. “Há uma grande quantidade de amor na família Trump. É esse o nosso laço e a nossa força.”

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Melania Trump preparou este discurso nas últimas cinco a seis semanas, de acordo com aquilo que foi dito à CNN por uma fonte da campanha do candidato republicano. Ainda assim, a política ficou maioritariamente de fora, tendo a ex-modelo preferido focar-se em soundbites rápidos. “Não há espaço para pensamentos pequenos, não há espaço para resultados pequenos. O Donald faz as coisas acontecerem”, garantiu a certa altura. “Não devemos estar satisfeitos com a estagnação. O Donald quer prosperidade para todos os americanos”, acrescentou a páginas tantas. Tudo isto para depois tornar a desfazer em elogios ao marido: “Como ninguém, tenho visto o seu talento e energia, a sua mente plena de recursos e o bom coração que Deus deu a Donald Trump. Agora, está na altura de usar esses dons como nunca antes para propósitos mais altos do que nunca”.

Plágio de Michelle Obama?

Talvez por prudência, o discurso de Melania Trump primou pelas ideias simples e concisas. Ainda assim, momentos depois de a mulher de Trump falar, começaram a surgir sugestões de que esta (e o speechwriter que preparou o discurso de segunda-feira) deveria ter sido ainda mais prudente. Isto porque começaram a surgir acusações de que o discurso de Melania Trump tinha passagens bastante semelhantes ao texto de Michelle Obama na Convenção do Partido Democrata em 2008.

Melania Trump quase no final do primeiro de quatro dias da Convenção do Partido Republicano, cujo tema foi a segurança — numa variação do slogan da campanha de Donald Trump, o programa da Convenção designou 18 de julho como o dia de “Let’s Make America Safe Again”. Ou seja, “Vamos Tornar a América Segura De Novo”.

Um dia a defender a “law and order”

Um dos temas em destaque foram os homicídios de polícias norte-americanos por parte de atiradores, primeiro em Dallas, Texas, e depois em Baton Rouge, Louisiana. “Os EUA sofrem quando veem estes assassinatos horríveis”, disse Reince Preibus, chairman do Comité Nacional Republicano, no início da cerimónia onde vários oradores repetiram a frase “blue lives matter”, para dizer que as vidas dos polícias (blue, azul, graças à cor das fardas) importam. Ou seja, uma resposta ao movimento afro-americano Black Lives Matter, que à semelhança de outros grupos protagonizou uma série de protestos em torno da Quicken Loans Arena e um pouco por toda a cidade de Cleveland, sem registo de incidentes.

Nesse tema, um dos oradores mais inflamados da noite foi o antigo mayor de Nova Iorque, Rudy Giuliani. “Obrigado por nos protegerem!”, agradeceu, num grito, às autoridades em torno do recinto e também noutras partes do país. “Sabemos o risco que estão a correr e queremos agradecer a todos os agentes que nos estão a proteger! Brancos, negros, latinos, de todas as raças, cores, religiões, orientação sexual! Quando eles vêm para nos salvar, eles não perguntam se somos brancos ou negros. Eles vêm salvar-nos!”

Hillary Clinton? “Fechem-na à chave!”

Outro momento intenso no dia inaugural da Convenção do Partido Republicano foi o discurso de Pat Smith, a mãe de Sean Smith, uma das quatro vítimas mortais da invasão da embaixada dos EUA em Benghazi, na Líbia, em 2012. Nessa altura, enquanto secretária de Estado, Hillary Clinton liderava a diplomacia norte-americana — e desde então a sua conduta e as decisões que tomou a propósito daquele incidente têm sido alvo de fortes críticas de praticamente todo o Partido Republicano. Mas, até hoje, poucos tinham sido tão direitos quanto Pat Smith: “Eu culpo Hillary Clinton pessoalmente pela morte do meu filho”.

Num discurso marcado por algumas lágrimas tanto da oradora como do público, Pat Smith chegou mesmo a pedir a prisão de Hillary Clinton. “Hillary para a prisão”, disse. “Ela merece estar vestida às riscas.” Um pedido que foi reiterado noutros discursos. “Isso mesmo, fechem-na à chave!”, disse o tenente-general reformado Michael Flynn, conselheiro de Trump, seguindo os cânticos do público. Darryl Glenn, candidato ao senado pelo Colorado, optou pela via humorística. Fazendo nota do uso recorrente de calças de fato por parte de Hillary Clinton, sugeriu que esta passasse a usar indumentária própria das prisões norte-americanas: “Nós devíamos enviar-lhe um e-mail a dizer que ela devia usar um fato macacão cor-de-laranja choque”, numa referência ao caso dos emails em que Hillary foi investigada pelo FBI e, mesmo não tendo sido indiciada, o seu diretor-geral acusou-a de ter agido de forma errada.

Também houve tempo para abordar o tema da imigração ilegal. Neste caso, o momento alto deu-se quando duas mulheres e um homem subiram ao palco para contarem como perderam os seus filhos na sequência de crimes praticados por imigrantes ilegais — dois morreram na sequência de condução sob influência do álcool, outro foi morto a tiro. “Desde 2012 que falo do problema da imigração ilegal, mas ninguém me ouvia”, disse uma das mães, relembrando o seu desespero. “Até que, depois, apareceu o Donald Trump.”

O fim dos anti-Trump

Donald Trump apareceu, sim. E, agora, enfim, sabe-se mesmo que foi para ficar. Depois de no início de maio ter conquistado a maioria dos delegados, as possibilidades de uma convenção disputada — em que os 2.472 delegados eleitos pelo Partido Republicano seriam chamados a escolher o seu candidato independentemente dos resultados das primárias de cada estado — ficaram reduzidas a cinzas.

No entanto, ainda havia quem se agarrasse a uma última réstia de esperança no campo do movimento #NeverTrump (#TrumpNunca). Para isso acontecer, seria necessário que a maioria dos delegados de pelo menos sete estados apoiassem uma resolução no sentido de alterar as regras da Convenção, que foram pré-acordadas na semana passada por um painel de 112 militantes. Nas primeiras horas da Convenção, o Politico noticiou que um total de nove estados tinha conseguido uma maioria a favor da alteração da mudança de regras. Ou seja, poderia mesmo ir para a frente a última cartada dos anti-Trump, que queriam permitir a cada delegado votar de acordo com a sua consciência e não de acordo com o seu Estado — algo que poderia prejudicar Trump e possivelmente prejudicar as suas hipóteses de uma eleição direta.

A resolução foi apresentada à Convenção para votação por voz. Neste sistema, os que concordam dizem “I” e quem discorda diz “No”. O grupo mais ruidoso leva a sua avante. Duas votações depois, a moção não passou, levando a que a Convenção fosse, por momentos, bloqueada perante os protestos ruidosos dos anti-Trump, que pediam uma votação por papel.

No entanto, para desilusão destes, foi informado que dos alegados nove estados que terão chegado a pedir uma votação para a alteração das regras da Convenção, já só sobravam seis. Ou seja, menos um do que os sete necessários para mudar o rumo de Trump que saiu vencedor, desta vez, no jogo dos bastidores.