Querido campeonato,
Desculpa apenas te escrever agora. Não foi por falta de tempo, sabes, porque o tempo é sempre o mesmo, todos os dias. Estes dias é que foram diferentes desde que foste descansar. Para ti foram férias e umas semanas de pré-época, para mim e quase toda a gente que não joga à bola, foi um verão em cheio. Um fartote de alegria. É que tu não sabes o que é olhar para o lado, espreitar as redes sociais, ver os jornais, trocar conversa com os amigos e, sem querer, sorrir por todos estarem a torcer pelo mesmo.
Foi mágico. Houve um Europeu, tu sabes que França tem uma ou duas costelas portuguesas, a seleção foi ganhar à terra dos emigrantes, nas barbas de quem os recebe. Paris ficou boquiaberta com a surpresa, nem os franceses, nem nós, nem eu esperávamos que fosse o Eder (sem acento, não te esqueças) a dar-nos um verão feliz, em que temos uma nova efeméride a cada semana ou mês que passa desde a conquista. Quando tu começares a rolar, por exemplo, terão passado 32 dias, ou um mês e dois dias. E aí deixaremos de ser todos campeões.
Cada um vai deixar de ser português para antes ser encarnado, verde, azul e branco, outro tipo de vermelho, branco, às riscas amarelas e verdes, o que seja. Chegou o tempo de tudo a queimar as mãos, agarrar nas brasas e puxá-las à sua sardinha. Não sei se me vais responder e dizer se achaste piada à analogia, porque ela mal serve para qualquer um dos grandes a que toda a gente chama grandes por terem mais troféus no museu que os outros. Olha para o Benfica.
O Rui Vitória foi campeão e acabou-se o tempo de chegar, ver, tremer, duvidar e só depois vencer. Ele já ganhou. Chegou à Supertaça e trocou os tremeliques de há um ano por um 3-0 sem espinhas na sardinha. O que foi bom sinal, porque durante um tempo o Braga deu-lhe mau aspeto, fez o Benfica sofrer e, mesmo assim, teve calma, frieza e jogadores com pés suficientes para fazerem a diferença quando foi preciso. Ele e o Benfica partem à frente porque acabaram à frente e quase mantiveram a equipa.
Eles venderam o Gaitán e compraram há muito um argentino chamado Franco Cervi, que também é canhoto, gosta da linha, adora fintar, dá esticões no jogo e quer a bola quando ela parece queimar nos outros. Só que é imberbe, chegou há pouco tempo e talvez tenha os altos e baixos que o outro argentino já raramente tinha. O Renato Sanches também se foi e chegaram o André Horta e o Danilo. Tanto um, como outro, não fazem o que o miúdo das rastas fazia, que era pegar na bola, sprintar e tirar a equipa da defesa sozinho, a correr com a bola. Agora o Benfica está mais calmo, prefere o passe à corrida, o controlo ao risco. O Rui Vitória parece gostar mais disto.
Os dois com jeito para o golo ficaram, tu sabes quem são, e os restantes titulares são os mesmos. Só que, para rodar, o Benfica tem agora uns tipos como o Carrillo, o Zivkovic, o Benítez ou um entre o Horta e o Danilo. Ou seja, a teoria manda-me escrever-te que estão mais fortes porque Rui Vitória olha para o banco (tem seis extremos bons de bola, por exemplo) e vê gente capaz e com potencial. O contrário do que aconteceu a Jorge Jesus, na pré-época.
O Sporting foi às compras e, no saco, apenas voltou com um trinco matulão (Petrovic) para William Carvalho ter alguém que, pelos vistos, não lhe vai fazer assim tanta sombra. E um extremo com queda para o drible (Alan Ruiz) que o treinador acha que pode dar um avançado. É pouco, tu deves ter visto, e mesmo que te tenha escapado, reparas-te como em dez jogos apenas ganhou três e sofreu mais golos (20) do que aqueles que marcou (19). E as coisas só correram bem, ou melhor, quando o Rui, o Adrien, o João e o William, os tipos que são campeões da Europa, voltaram para disfarçar uma coisa que afeta a equipa — quem costuma ser suplente está demasiado longe de quem está habituado a ser titular.
Quanto ao FC Porto, não sei se vais a tempo, mas eu dir-lhes-ia para terem cuidado. Este ano vão jogar na Liga dos Campeões, é duro, levam com os melhores. Talvez por isso o passarinho dos rumores poise no ombro e sussurre que andam à procura de um avançado com nome, dos que toda a gente sabe quem é antes de o ver a marcar. Cheira-me que, na Europa, não serão muitos os adeptos que saibam que é o André Silva. Tu sabes, pois claro, porque foi ele que fechou a última época a pedalar de bicicleta na Taça de Portugal. E passou esta pré-época a marcar oito golos em oito jogos. Mas é estranho, sabes.
Porque este FC Porto já não aposta num avançado que lhe custou milhões. Já tem mais miúdos (o Otávio, o João Carlos Teixeira ou o Diego Reyes) em vez de graúdos com outro peso. Já prefere um Corona constante a um Brahimi inconsistente e a querer a bola só para ele. E já não faz uma daquelas vendas que lhe engordam o cofre e o fazem ter sintomas de obesidade. Agora são treinados pelo Nuno Espírito Santo, a quem os espanhóis abreviaram o nome para uma sigla (NES) e fizeram passar um mau bocado quando saiu do Valência. Mas ele parece estar a dar tino à equipa (apenas perderam um jogo, menos do que Benfica e Sporting) que nada ganha há três anos, um deles com Iker Casillas, que pelos vistos fartou-se, pois ouviu-o dizer que eles “não podem passar outro ano sem ganhar”.
E tu, malandro, com os teus sorteios, fizeste com que a primeira coisa que eles têm de ganhar seja o jogo contra o Rio Ave, esta sexta-feira (20h30). Depois ainda têm de lidar com a Roma, a do trintão Totti, cuja lenda não acaba, para ver se chegam à Liga dos Campeões e se Portugal volta a ter três equipas a jogar por lá. Isso é que era bom para ti, que te poderias voltar a gabar e a ser convidado para te sentares à mesa dos campeonatos que se juntam por terem éne equipas, todos os anos, a entreterem milhões de todos os tipos. Espero que percebas esta. Ah, o Sporting joga às 18h15 de sábado com o Marítimo e às 20h30 é o Benfica que vai a Tondela. Mas isso tu já sabias.
Já me alonguei um bocado nas palavras. Não te peço desculpa por isto, porque mereces. Quero que me desculpes por não termos, a ti, e a quem vai jogar para te conquistar, dado atenção suficiente ou igual à de outros anos, nestas semanas que passaram. Está a ser um verão preenchido, espero que compreendas. Afinal, tens sempre os restantes nove meses do ano só para ti. Voltamos a falar em 2017, quando for verão outra vez e estiveres a gabar-te com mais um campeão. Até lá.
Cumprimentos e bons jogos.
P.S. Tive que voltar a tocar no teclado. É que li que o Jonas foi operado porque sofreu “um osteófito do astrágalo direito”, diz o Benfica. Só não disse quanto tempo ficará o abono dos golos das últimas duas épocas de fora por causa deste palavrão de lesão.