Parece inevitável. Quando surge um músico a quem se vislumbra qualidade, o primeiro impulso é o de encontrar referências nos grandes nomes da música. Nesse sentido, Kevin Morby é um homem de sorte: quando se estreou a solo, em 2013, o norte-americano foi comparado a instituições como Bob Dylan e Leonard Cohen, e a nomes mais recentes como Kurt Vile e Cass McCombs. Ainda assim, as três primeiras passagens por Portugal foram tímidas. Esta sexta-feira, no palco principal do festival Vodafone Paredes de Coura, a história será diferente, ou não estivesse o seu novo disco, Singing Saw, lançado em abril, a caminho de se tornar num dos melhores do ano (pelo menos na lista pessoal do líder dos Wilco).
“Sim, sinto que tive uma notoriedade com o Singing Saw que não tive com os outros álbuns”, diz ao Observador Kevin Morby, numa entrevista telefónica, momentos antes de atuar na Alemanha. “Porquê? Não sei. Acho que foi uma conjugação entre as digressões, os meus dois primeiros álbuns e o facto de eu trabalhar no duro”.
O facto de ter mudado para uma “editora maior”, a Dead Oceans, também pode ter ajudado, reconhece. Apesar de ser a mesma casa de Destroyer, A Place To Bury Strangers e The Tallest Man on Earth (que também atua em Paredes de Coura, no sábado), está longe de ser uma grande máquina. “Não sei… Suponho que, desta vez, fiz um álbum com o qual as pessoas se conseguem relacionar.”
Harlem River, o disco de estreia a solo, depois de colaborações com os Babys e os Woods, era uma declaração de amor a Nova Iorque, a cidade pela qual trocou Kansas City com apenas 18 anos e uma desistência do liceu já a manchar-lhe o currículo. O segundo disco, Still Life, foi lançado em outubro de 2014 e transmitia uma certa noção de movimento, que coincidiu com a mudança do texano para Los Angeles. E se até aqui a música foi sempre reflexo do que se passava na vida do seu criador, o que esperar agora da vivência em Los Angeles? Sol, palmeiras e surf? Histórias sobre estrelas de cinema que encontraram ali o el dorado?
“Los Angeles inspira-me”, diz. Mas não é a Los Angeles que vemos no filmes e nas revistas. “A cidade consegue ser muitas coisas diferentes para cada pessoa. Eu vivo em Mount Washington, uma zona mais rural, de montanha, com um ambiente muito sossegado e tranquilo. Há muita natureza no seu estado selvagem. Está muito distante daquilo que as pessoas imaginam de L.A.” Conhecendo a folk de Kevin Morby, outra coisa não seria de esperar. E os primeiros versos de Singing Saw, editado em abril deste ano, anunciam logo o estado de espírito que nos espera ao longo de nove canções: “Birds will gather at my side / Tears will gather in my eyes / Throw my head and cry / As vultures circle in the sky”.
Outra grande fonte de inspiração são as digressões. A de promoção a Singing Saw na Europa começou a 12 de agosto, em França, e termina a 4 de setembro, no Reino Unido. O ritmo é acelerado, com espetáculos quase todos os dias. Com uma exceção: antes do concerto em Paredes de Coura, a 19 de agosto, Kevin Morby vai ter dois dias de folga, mais um no dia seguinte. Não é coincidência.
“Gosto mesmo muito de Portugal, mais especificamente do Porto”, admite. “Seis meses antes de ter estado no [NOS] Primavera Sound [2015], passei lá uns 10 dias de férias e gostei bastante. Consigo identificar-me com a cidade e quero passar mais tempo lá, por isso estou feliz por estar de volta.”
Por já ter ouvido falar tão bem do país, em 2014 pediu ao agente para lhe arranjar “qualquer concerto que conseguisse” por terras lusas, que o ajudasse a financiar uns dias de férias. A estreia absoluta de Kevin Morby em Portugal aconteceu, por isso, no início de outubro daquele ano, em Aveiro. Uns dias mais tarde, acabou por dar um concerto gratuito no Café au Lait. Houve quem tivesse de ficar à porta, sim, mas o bar portuense é muito pequeno.
Em junho de 2015 regressou para um concerto no NOS Primavera Sound que não teve grande repercussão. É que o texano teve de competir com Death Cab For Cutie, Damien Rice e Einstürzende Neubauten nos outros três palcos. Não havia pior hora. Pouca gente deve ter passado pelo Palco Pitchfork para escutar as suas canções. Ainda assim, do seu regresso à cidade saiu um vídeo com imagens do concerto e de Morby a passear-se pelo Porto, de guitarra ao ombro.
O amor pelo Porto ganhou forma de canção. “‘Dorothy”, uma das composições que fazem parte de Singing Saw, “é uma canção sobre viajar”, explica o seu autor. “E eu tinha o Porto em mente quando a escrevi. Há imagens do Porto que eu desenhei lá.”
Na sexta-feira, Kevin Morby abre o terceiro dia do festival Vodafone Paredes de Coura, às 18h30, no Palco Principal. O alinhamento vai ter canções dos três álbuns “e umas novas”, adianta, para logo admitir; “Em 2017 haverá quarto álbum“. A 25 de novembro há mais, no Auditório de Espinho. E com direito a piano em palco, que tanto destaque ganhou em Singing Saw.
Para quem ainda não sabe se deve comprar bilhete e fazer-se à estrada, talvez isto ajude: “O Jeff Tweedy, dos Wilco, disse que este era um dos seus álbuns favoritos do ano. A Sharon Van Etten disse o mesmo. Isso fez-me sentir muito bem.”