Do alto dos seus mais de 80 anos de idade, a Feira do Livro do Porto parecia ter morrido em 2013, quando um diferendo entre a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) e a Câmara Municipal do Porto (CMP) fez com que a 83.ª edição não se realizasse. Naquele ano, a segunda cidade do país não teve a sua grande festa dos livros. A 83.ª edição nunca mais chegou, mas o evento regressou em 2014, organizado totalmente, e pela primeira vez, pela autarquia liderada por Rui Moreira. Os números voltaram ao zero. E essas não são as únicas diferenças da nova Feira do Livro do Porto, que começa esta sexta-feira.
A falta de acordo entre a APEL e a autarquia, relativamente às verbas destinadas ao evento, é a grande culpada da rutura. Em 2013, os livreiros cancelaram alegando não ter financiamento suficiente para o evento (Rui Rio não quis contribuir com o subsídio habitual de 75 mil euros), que já tinha casa fixa na Avenida dos Aliados. No início de 2014, agora com Rui Moreira na presidência da Invicta, o processo negocial com a APEL foi suspenso, por não estarem “satisfeitas as condições necessárias para a assinatura de qualquer protocolo” com a associação, escreveu a Lusa na altura. Meses mais tarde, o vereador da Cultura Paulo Cunha e Silva anunciava que a cidade teria na mesma a sua feira.
Esta semana, a Porto Editora (que detém a chancela homónima, a Assírio & Alvim, Sextante Editora, Livros do Brasil, Ideias de Ler, Albatroz e 5 Sentidos), o Grupo BertrandCírculo (composto pelas editoras Bertrand, Pergaminho, Quetzal, Temas e Debates, ArtePlural, GestãoPlus, Livros de Bolso 11X17 e Círculo de Leitores) e a Alethêia, por exemplo, enviaram comunicados à imprensa dando conta de que estariam presentes na Festa do Livro, sim. Mas a que vai ter lugar nos Jardins de Belém, em Lisboa, entre esta quinta-feira e domingo, numa iniciativa do presidente da República. Nenhuma referência foi feita à presença na Feira do Livro do Porto (a Alethêia refere a ida ao Porto num post no Facebook).
O Observador olhou para as últimas edições da Feira do Livro do Porto sob a alçada da APEL e para os primeiros eventos erguidos pela CMP. A mudança de organizador trouxe, com ela, outras mudanças.
Quanto custa ao Porto?
Quando o vereador da Cultura, Paulo Cunha e Silva (que morreu em 2015), anunciou quanto é que a CMP iria gastar com a primeira edição da Feira, apontou para os 55 mil euros, numa entrevista ao Jornal de Notícias, referindo-se à programação cultural. Em resposta ao Observador, Nuno Santos, adjunto de Rui Moreira, esclareceu que o orçamento anual gasto com a organização do evento “ronda sensivelmente os 75 mil euros”. O mesmo valor com que a Câmara apoiava a APEL quando era esta a organizar a feira.
Aos gastos com a programação somam-se outras despesas, como a montagem, desmontagem e manutenção dos pavilhões. Em 2013, fonte da APEL disse ao jornal Público que as inscrições na Feira do Livro do Porto rendiam à associação cerca de 200 mil euros — cada editor pagava dois mil euros, o dobro se fosse estreante — mas garantiu que essa verba era insuficiente para cobrir os custos.
Ao Observador, Nuno Santos esclareceu que cada participante paga agora 450 euros pelo seu lugar e que essas receitas cobrem os gastos com os pavilhões. Ou seja, se cada um dos 131 pavilhões presentes este ano tiverem pago 450 euros, dá um total de 58.950 euros de orçamento para montar, desmontar e armazenar as estruturas (diferentes das que eram utilizadas pela APEL).
Quantas pessoas passam pela Feira?
O número de pessoas que procura uma feira do livro pode ser afetado por diferentes variáveis, tais como as datas do evento, o local escolhido, a situação económica que o país vive no momento e até as condições meteorológicas. Tirando a crise, a chuva e o sol, que fogem ao controlo das organizações, tanto as datas como a localização da Feira mudaram quando a CMP assumiu a organização.
Números (oficiais) de visitantes entre 2006 e 2015:
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- 2006 (Pavilhão Rosa Mota): 250 a 300 mil visitantes
- 2007 (Pavilhão Rosa Mota): 300 mil visitantes
- 2008 (Pavilhão Rosa Mota): 250 mil visitantes
- 2009 (Avenida dos Aliados): 150 mil visitantes
- 2010 (Avenida dos Aliados): 250 mil visitantes
- 2011 (Avenida dos Aliados): sem informação
- 2012 (Avenida dos Aliados): 250 mil visitantes
- 2014 (Palácio de Cristal): 200 mil visitantes
- 2015 (Palácio de Cristal): 200 mil visitantes
Desde a sua criação, a Feira já passou, por exemplo, pelo Pavilhão Rosa Mota e pela Praça Mouzinho de Albuquerque, mais conhecida como Rotunda da Boavista. Nos últimos anos, a APEL tinha-se fixado na Avenida dos Aliados, local central para todos os meios de transporte e por onde passam também todos os turistas.
Em 2014, o executivo de Rui Moreira decidiu instalar os stands na Avenida das Tílias, nos Jardins do Palácio de Cristal. O calendário da festa dos livros também passou para setembro, quando até 2012 se realizava em maio e junho, antes de o verão começar. Olhando para os números entre 2006 e 2012, a média de visitantes era de 250 mil. Mais 50 mil do que a média da “nova” feira.
Quem são os editores e livreiros presentes?
Quando divulgou as primeiras informações sobre o evento, a 10 de agosto, a CMP destacou a entrada de 17 novos participantes, “entre os quais a Livraria Lello, a Chiado Editora, a Ordem dos Arquitectos, o jornal Público e a editora espanhola Bubok, de Madrid”. O Observador pediu ao gabinete de comunicação a lista completa de editores, mas só a conseguiu obter na quinta-feira ao início da tarde. A Feira inaugura esta sexta-feira, 2 de setembro, e havia quem perguntasse o mesmo na página de Facebook do evento. Até ao momento, a lista ainda não está disponível online para consulta. Entre os editores presentes contam-se a Relógio D’Água, a Tinta-da-China, Cotovia, Antígona e Harper Collins.
Uma das vantagens que a Câmara do Porto destacou em 2014 foi a maior abertura à participação de livrarias, alfarrabistas, editores e associações e cooperativas do setor. A autarquia entende que os valores cobrados aos participantes anteriormente, pela APEL, eram proibitivos para os pequenos agentes da cidade.
Por outro lado, o grupo Porto Editora (onde se inclui o Grupo BertrandCírculo) e o Grupo LeYa, os dois gigantes do mercado livreiro em Portugal, nunca marcaram presença com stands próprios desde que o acordo entre a APEL e a Câmara Municipal do Porto foi rasgado. Mais: em 2014, nenhum livro editado pela Porto Editora ou pela Bertrand pôde ser vendido lá.
No ano passado, os livros destas editoras já podiam ser encontrados em alguns stands de livreiros selecionados e este ano não será diferente. Mas mesmo que o grande homenageado desta edição da feira seja um autor da Dom Quixote (LeYa), Mário Cláudio, não haverá stand próprio da chancela. Não são as únicas. O Grupo Presença (Presença, Marcador, Jacarandá) e a Gradiva/Sinais de Fogo, por exemplo, também se fazem representar através da distribuidora Servensino.
Tanto a LeYa como a Porto Editora negaram, no ano passado, ao Observador, que a ausência seja uma tomada de partido pela APEL no diferendo com o município — o presidente da associação de editores e livreiros é João Amaral, da LeYa, e o vice-presidente é João Alvim, da Bertrand. “É o formato mais cómodo. Não tem a ver com a rutura com a APEL”, explicou José Menezes, responsável pela comunicação do grupo LeYa, adiantando que os títulos do grupo podem ser encontrados este ano no stand da Calendário de Letras. Certo é que, enquanto a organização foi da responsabilidade da associação, ambos os grupos tinham os seus stands em destaque.
O Grupo Editorial Penguin Random House (que engloba a Penguin, Companhia das Letras, Alfaguara, Objectiva, Arena, Suma de Letras, Nuvem de Tinta e Nuvem de Letras), fazia-se representar através de livreiros devido ao facto de a feira “não ser organizada pela APEL, uma entidade que gere os livreiros”, reconheceu Helena Ales Pereira, responsável pela comunicação. Isso muda este ano, já que o grupo vai participar pela primeira vez com um pavilhão próprio.
Quantos pavilhões há para visitar?
A 82.ª edição, a última sob alçada da APEL, teve 117 pavilhões e cerca de 80 editores. Na edição anterior, de 2011, afirmou ter tido 126 pavilhões.
A primeira edição da Câmara do Porto, em 2014, conseguiu mobilizar 49 editoras e montar 107 pavilhões. Em 2015, as notícias foram mais animadoras: 130 pavilhões espalhados pela Avenida das Tílias, um aumento de 30% face à edição anterior, e 62 editoras.
Este ano, a autarquia congratula-se com os 131 pavilhões que vão estar ao dispor do público entre os dias 2 e 18 de setembro, o que se traduz em 69 editoras (nos restantes estarão são 26 livrarias, 16 alfarrabistas, 12 instituições e 8 distribuidoras).
“O atual limite de stands, que ronda os 130, “visa a preservação do espaço envolvente, evitando a utilização invasiva dos jardins”, explicou ao Observador Pedro Lobão, do gabinete de comunicação da CMP. Ou seja, não vale a pena esperar um crescimento de stands em anos próximos.
Programação
A programação cultural é praticamente obrigatória nas feiras do livro, seja para despertar o gosto pelas letras e por quem as escreve, seja para atrair mais público. Enquanto cada editora organiza as suas sessões de autógrafos e lançamentos de novas obras, a CMP também assumiu a responsabilidade pela restante animação. Mesmo quando não era a organizadora, colaborava com a APEL neste campo.
Este ano, destaca-se a homenagem ao escritor portuense Mário Cláudio, a inauguração das exposições “100 Tesouros da Biblioteca Pública do Porto” e “Reencontro com Vergílio Ferreira – Testemunhos e Perspetivas no Centenário do Escritor”, debates e conversas com escritores como Hélder Macedo, Gonçalo M. Tavares, Francisco José Viegas, José Pacheco Pereira e Maria de Lurdes Modesto. Há ainda atividades pensadas para as crianças, spoken-word, com a presença de Allen Halloween, poesia, jazz e sessões de cinema, com a abertura a pertencer a Roman Polanski com “O Beco”. O programa completo está disponível aqui.
O horário de abertura da feira está marcado para o meio-dia, tanto à semana como ao fim de semana (em 2015, os expositores abriam às 15h00 de segunda a quinta-feira). O encerramento mantém-se às 23 horas à sexta-feira e sábado, enquanto de domingo a quinta-feira passa a fechar mais cedo uma hora em relação ao ano passado: 21h00.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vai presidir à abertura oficial do evento, esta sexta-feira, dia 2 de setembro, às 18h30, nos jardins do Palácio de Cristal, acompanhado por Rui Moreira. No dia seguinte, às 17h45, o primeiro “debate” da programação terá apenas um participante: Luís Filipe Castro Mendes, poeta e o atual ministro da Cultura.
Notícia corrigida às 09h50. Apesar de o grupo Presença surgir na lista de editores presentes na Feira, não terá stand próprio.