“Ainda bem que o juiz Carlos Alexandre deu a entrevista que não devia ter dado”. Esta é a conclusão de Francisco Louçã sobre a entrevista que o juiz que tem nas mãos alguns dos mais mediáticos processos da justiça portuguesa deu à SIC. Num artigo de opinião publicado no jornal Público, o antigo coordenador do Bloco de Esquerda sugere, entre outras coisas, que a data em que foi concedida a entrevista é “estranha”. Mais precisamente, “uma semana antes de se concluir (mais um) prazo para a eternamente adiada acusação do Processo Marquês“, nota o bloquista.

Francisco Louçã vai mais longe nas considerações que faz sobre a entrevista do juiz de instrução criminal. Para o conselheiro de Estado de Marcelo Rebelo de Sousa a entrevista de Carlos Alexandre revela uma certa dose de “mesquinhez”.

Mas mais estranho ainda é o que diz o juiz. Primeiro, pela mesquinhez da piscadela de olho: ‘sou o saloio de Mação que não tem dinheiro em nome de amigos’, porque meia palavra basta. Para quem não ouviu à primeira, repete que não tem ‘dinheiro’ nem ‘contas bancárias em nome de amigos'”, escreve Francisco Louçã.

O fundador do Bloco de Esquerda continua. “Se a conversa sobre dinheiros é perturbante, há outra que vai ainda mais longe. É que o juiz sabe muito, vangloria-se ele. Ouve muitas escutas. Tinha todos os processos. Está em todas as buscas. Manda tudo“.

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Ora, Louçã parte destes pressupostos para questionar: “Está mesmo certo de que pode confiar na justiça? Até porque o juiz sabe tudo, ouve muitas escutas, e muitas delas vão aparecendo escarrapachadas na capa do Correio da Manhã ou na Sábado“.

A terminar, o economista, falando de forma implícita sobre a Operação Marquês, aponta uma série de conclusões que se podem retirar da entrevista de Carlos Alexandre. “Que há uma só pessoa que tem tudo na mão“, “que pode decidir a detenção e libertação de suspeitos ou arguidos que podem ficar meses ou anos na prisão, mesmo que não tenham sido acusados e não se sabe quando o venham a ser”, “que é possível adiar a apresentação da acusação, porque, de facto, não obedece a prazos nem responde a ninguém” e “que o segredo de justiça é segredo para todos menos para certos jornalistas”, nota o bloquista.

No fundo, reitera Louçã, esta entrevista é “transparente” porque ficamos “a saber que não há transparência alguma“.

Esta segunda-feira, o Conselho Superior da Magistratura, o órgão superior de gestão e disciplina dos juízes dos tribunais judiciais portugueses, fez saber que ia apreciar as declarações de Carlos Alexandre já no próximo plenário de 27 de setembro.

Na entrevista concedida à SIC, transmitida na última quinta-feira, Carlos Alexandre teve algumas afirmações consideradas polémicas. Entre outras coisas, o juiz que está responsável por alguns dos principais e mais mediáticos casos de justiça acabou por dizer que se sentia “escutado” e repetiu que “tem de trabalhar para pagar” os créditos hipotecários porque “não tem dinheiros em nome de amigos”, nem “contas bancárias em nome de amigos”.

As palavras de Carlos Alexandre foram interpretadas como sendo uma referência indireta a José Sócrates e ao seu amigo de longa data Carlos Santos Silva. O ex-primeiro-ministro já deu instruções aos advogados que o representam “para apresentarem as respetivas queixas aos órgãos judiciais competentes”.