A NASA confirmou a existência de um oceano de água líquida debaixo da camada de gelo que compõe a superfície de Europa, uma das luas de Júpiter mais interessantes para os cientistas. Este oceano tem duas vezes mais água do que os oceanos terrestres e pode expelir material através de jatos de vapor na superfície da lua. A notícia explica muitos dos mistérios associados a um dos mundos mais próximos ao terrestre no Sistema Solar. E adensa ainda mais a possibilidade de haver vida além da Terra nesta lua de Júpiter. Esta é uma desconfiança antiga, criada pela primeira vez quando a sonda Galileu chegou a Europa para fotografar e estudar topograficamente o corpo celeste.

O mistério foi adensado em 2014 quando esses jatos de vapor de água foram vistos a serem expelidos na Europa. São uma boa notícia: uma próxima missão a Europa, já equacionada tanto pela NASA como pela ESA, pode aceder ao oceano sem necessidade de o “escavar”. No entanto, a NASA é cuidadosa: não há certeza de que estes jatos são realmente água, embora haja “fortes indícios” disso. Esses indícios foram encontrados através dos instrumentos de sensibilidade ultravioleta no telescópio Hubble, que permitiram distinguir jatos com 200 quilómetros de altura quando a Europa passava em frente a Júpiter, como mostrado nesta imagem. Mas a própria NASA admite: “se não for água, não temos nenhuma explicação natural para o que são estes jatos”.

europa

Créditos: NASA, ESA, W. Sparks (STScI)

Em maio deste ano, a possibilidade de haver vida em Europa foi confirmada por um estudo desenvolvido pelo Laboratório da Propulsão a Jato da NASA. A existência de um oceano resolvera muitos mistérios. Apesar de o planeta não ter atividade vulcânica debaixo da camada de gelo, produz a proporção correta de elementos químicos essenciais à vida como a conhecemos: dez vez mais oxigénio do que hidrogénio, tal como na Terra. Ora, aqui em casa esses elementos são conseguidos em parte através da atividade vulcânica. Lá, o oxigénio e hidrogénio necessários aos sistemas biológicos têm origem num oceano, provavelmente salgado, que fica debaixo do gelo. Além disso, o campo magnético de Europa está a mudar. Cá na Terra, o campo magnético é criado através dos constantes movimentos das camadas magmáticas no interior do planeta. Se a lua Europa não tem magma, então o que está a modificar o campo magnético dessa lua?

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A resposta está num oceano potencialmente salgado escondido debaixo de quilómetros de gelo. O mais provável é que a intensa radiação vinda de Júpiter destrua as moléculas de água e separe os átomos de oxigénio dos de hidrogénio. Quando o oxigénio reage com outros compostos da água forma agentes oxidantes que tendem a afundar-se. São depois reciclados na superfície da Europa e enviados para esse tal hipotético oceano. Todas estas possibilidades foram confirmadas por Paul Hertz (diretor da Divisão de Astrofísica na NASA em Washington), William Sparks (astrónomo do Instituto da Ciência dos Telescópios Espaciais em Baltimore), Britney Schmidt (professora assistente Escola da Terra e das Ciências Atmosféricas do Instituto Geológico de Georgia em Atlanta) e Jennifer Wiseman (cientista sénior do projeto Hubble no Centro de Voos Espaciais de Goddard da NASA em Greenbelt, Maryland).

Como é que a água chega até à superfície? É uma incógnita. Uma das possibilidades é que a água do oceano da Europa suba gelo dentro (como o magma por um vulcão na Terra). Outro modelo é que a água do oceano fico reservado em “bolsas” no gelo que, ao chegarem à sua capacidade máxima, expelem o conteúdo para a superfície. Estes são dois modelos formulados pela NASA, mas certezas só quando formos lá a partir dos anos 2020.

Há muito tempo que a lua jupiteriana de Europa dá alegrias aos exploradores do espaço. Tudo começou nos primeiros dias de 1610, quando Galileu Galileu olhou para ela e para mais três satélites naturais de Júpiter – Ganimedes, Io e Calisto. Foi ao observar como orbitavam o gigante gasoso que o astrónomo fez os registos que levaram Copérnico a formular o modelo heliocêntrico, enfrentando a Igreja dizendo que era o Sol, não a Terra, que estaria no centro do universo (estava errado, mas mais próximo da realidade). Desde então que Europa está debaixo do olho dos astrofísicos: embora a superfície seja gelada, esta lua pode ter água líquida debaixo dela.

Ainda na última semana, o geólogo Brandon Johnson da Universidade de Brown anunciou a descoberta de “um forte indício” de que existe também um oceano de água líquida debaixo da superfície de Plutão. De acordo com o estudo publicado no Geophysical Research Letters, esse oceano deve ter uma composição muito semelhante à do Mar Morto. Estes resultados foram obtidos depois de uma equipa de cientistas ter desenvolvido “modelos térmicos do interior de Plutão” e de ter estudado a tectónica do corpo celeste recentemente despromovido do papel de planeta principal. Julga-se que esse oceano tenha mais de 100 quilómetros, conforme o que foi explorado em Sputnik Planum, uma bacia de 900 quilómetros de diâmetro com formato de coração que deve ter sido formada por um corpo com mais de 200 quilómetros.

Mas o que tem esta bacia de tão revelador? O segredo está na posição relativa à lua de Plutão, Caronte: ambas mostram sempre a mesma face uma à outra. Como o Sputnik Planum fica exatamente no local onde os dois corpos se “encontram”, os cientistas acreditam que essa bacia tem uma anomalia de massa positiva, ou seja, tem maior massa do que a restante crosta gelada de Plutão. Isso é de estranhar: as bacias costumam ter uma anomalia de massa negativa porque são basicamente um buraco no chão. Há algo a mudar a regra na superfície de Plutão: o facto de o gelo plutoniano ser de azoto justifica parte do mistério, mas ainda assim não é suficiente. É então que a teoria dos oceanos de Plutão começa a ganhar razão de ser.