Na noite de 28 de setembro de 2014 — faz esta quarta-feira dois anos — António José Seguro assumiu uma derrota inequívoca nas primárias do PS e demitiu-se de secretário-geral do partido. Deu a mão à mulher no primeiro andar da sede socialista no Largo do Rato e, acompanhado também pela filha, desceu as escadas da sede do PS no Largo do Rato, até ao seu carro. Entrou, arrancou e nunca mais ninguém o viu por ali. Um par de anos após as primárias do PS que opuseram António Costa a António José Seguro restam pequenos focos de segurismo. O “Tozé”, como o tratavam os mais próximos no PS, valia então um terço do partido (31%) e tinha liderado os socialistas durante os anos da troika, na oposição. Hoje, o segurismo resume-se aos que se mantêm em silêncio, aos que continuam zangados (e críticos) e os que se converteram em costistas. Ainda há feridas abertas. Mas já não há um segurismo.
“Habituem-se que isto mudou”. A frase, que marcou a liderança de António José Seguro, encaixa nos últimos dois anos de um segurismo sem Seguro. Muitos dos homens fortes do antigo secretário-geral — derrotado pelo atual primeiro-ministro no dia 28 de setembro de 2014 — têm optado por uma vida fora da política partidária, embora alguns tenham um pé dentro do partido.
Mas o que é feito dos seguristas dois anos depois? O antigo secretário-geral vive com a família nas Caldas da Rainha, indo a Lisboa apenas para dar aulas na Universidade Autónoma e no Instituto de Ciências Sociais e Políticas. Seguro remeteu-se ao silêncio, só teve uma aparição pública como protagonista: foi em março, quando lançou o seu livro “A Reforma do Parlamento Português”. Mesmo perante o silêncio de Seguro, há membros da sua direção que falam com estrondo e não perdoam a António Costa.
31%
Foi a percentagem de votos que António José Seguro teve nas primárias do PS (56.353 votos) contra 69% de António Costa.
O antigo deputado e amigo de Seguro, António Galamba, tem-se assumido como um dos principais críticos do Governo socialista, em particular do primeiro-ministro. António Galamba explica ao Observador que é hoje apenas um “militante de base”, tendo um cargo político de pouca visibilidade: líder da bancada do PS na Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira. Afastado das listas de deputados nas últimas eleições, António Galamba trabalha na agência de comunicação de Luís Bernardo (ex-assessor de Sócrates e Guterres), a WL partners, que tem como clientes autarquias, empresas e entidades como o Benfica. Dois anos não apagam o que se passou. O antigo governador civil de Lisboa faz as contas aos ganhos eleitorais de Seguro e Costa:
Com Seguro não tenho dúvidas de que teríamos ganho as eleições. Aliás, a última vez que o PS ganhou eleições, e foram logo duas, foi com António José Seguro, atualmente está no negativo”.
Para Galamba “estes dois anos, manifestamente, não têm correspondido às expectativas que existiam: desde logo, era expectável que Costa tivesse ganho as eleições e perdeu-as”. O ex-membro da direção de Seguro arrasa a “geringonça”. Afirma que “as opções políticas não têm nada a ver com a matriz do PS” e considera um “um erro estratégico de acantonar o PS à esquerda e colocá-lo a disputar o eleitorado com o PCP e o Bloco de Esquerda”. E vaticina ainda: “Não vai resultar, porque as pessoas preferem sempre o original.”
O PS construído nos últimos dois anos, no qual não se revê, é para Galamba o “resultado da crescente influência desse grupo [os chamados ‘jovens turcos’] em conjunto com a necessidade de sobrevivência política do primeiro-ministro.” António Galamba admite que “hoje já não existe segurismo no PS, mas existem pessoas que pensam de maneira diferente e foram afastadas.”
Os jovens turcos do PS
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Os chamados “jovens turcos” do PS são estrelas em ascensão da ala esquerda do partido, que fizeram primeiro seu caminho primeiro na JS e depois no PS. O vereador da câmara municipal de Lisboa, Duarte Cordeiro, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos e o deputado Pedro Delgado Alves são considerados o futuro do PS, embora já tenham muito influência das escolhas do partido no presente. Os “jovens turcos” têm uma ideologia que muitos dentro do partido consideram mais próxima do Bloco de Esquerda do que do PSD, e possuem até alguma aversão ao “centrão”.
Também afastado das listas de deputados foi Miguel Laranjeiro — outro dos dirigentes mais próximos de Seguro — que regressou à sua condição de quadro da CP-Comboios de Portugal e assumiu as funções de presidente Federação Portuguesa de Andebol. Além disso, mantém-se como deputado municipal em Guimarães, mas afastado dos órgãos nacionais. O antigo secretário nacional para a organização do PS não quer falar sobre Costa, mas, em declarações ao Observador, avisa: “Não saí do partido. Estarei naturalmente disponível para, no futuro colaborar com o meu partido de sempre.”
Nos últimos dois anos, porém, Laranjeiro nem sempre ficou em silêncio. Logo após as legislativas disse estar “triste, chocado e preocupado” com o resultado e há um ano ousou falar do futuro do antigo secretário-geral, dizendo, em entrevista ao Diário de Notícias que “Seguro é muito jovem para deixar a política”. Junto das hostes costistas, Seguro chega a ser referido, com alguma sobranceria, como “o exilado das Caldas”.
O segurismo acabou, mas os seguristas andam por aí. Álvaro Beleza — outro dirigente que era muito próximo de Seguro — até foi convidado para deputado por Costa, mas optou por seguir a vida profissional, como médico e diretor do serviço de imuno-hemoterapia do Hospital de Santa Maria. É dos poucos seguristas que ficaram nos órgãos nacionais (a Comissão Política do PS), mas suspendeu recentemente essa condição.
Álvaro Beleza é, atualmente, candidato a bastonário da Ordem dos Médicos, embora nos últimos dois anos não tenha abdicado de ter intervenção política de duas formas visíveis: a de negociar a presença de seguristas nas listas de Costa e a de criticar publicamente a solução da “geringonça”. Álvaro Beleza diz que, nos últimos anos, ajudou o PS: “Ajudei naquilo que pude a unir o partido e não criei dificuldades e ajudei também para que o novo líder ganhasse as eleições. Essa parte não correu bem”, diz ao Observador.
O “pai das primárias” no PS assume que “o segurismo acabou. Adorei estar na direção e sou amigo do António José Seguro, mas na vida os ciclos políticos acabam”. No entanto, mesmo desfeito, todos prometem manter-se na política.
Vou continuar a minha intervenção política. Haja saúde, que estamos cá, estamos vivos!”, afirma Álvaro Beleza
O socialista diz não estar “arrependido” de ter publicamente manifestado “reservas quando a ‘geringonça’ foi criada porque sou um social-democrata moderado”, mas mantém o desejo de “estar enganado, porque isso seria bom para o país”. Ao mesmo tempo que torce o nariz aos acordos com a esquerda radical, Beleza garante: “Não tenho nenhum parti pris com Costa”.
O ex-deputado socialista Nuno Sá é outro dos antigos apoiantes de António José Seguro que voltou à sua vida profissional, como jurista na Autoridade para as Condições do Trabalho. No entanto, foi recentemente vítima do que chama de “telenovela lamentável”. Nuno Sá não foi eleito diretamente deputado, mas com a subida de Caldeira Cabral para ministro da Economia o lugar vagou.
Entretanto, já tinha assumido responsabilidades na sua vida profissional e optou por suspender o mandato. Quando tentou ocupar o lugar, não conseguiu fazê-lo, muito pelo bloqueio e falta de apoio do próprio partido. Logo se formou a tese de que era por ter sido apoiante de Seguro. Mas Nuno Sá não quer acreditar em vinganças:
Custa-me muito a crer que o PS, liderado pelo camarada António Costa, que tem experiência, tenha uma visão tão curta que tenha dado cobertura a essa mesquinhez. Seria infantil, mesquinho e pequeno. Mas acredito que haja gente no PS com esta visão.”
O antigo deputado está magoado, mas defende que a governação de Costa até tem “superado as expectativas” e é precisamente em “solidariedade com o partido” que não vai “em prejuízo próprio, recorrer para os tribunais, nem para o Constitucional nem para o Supremo Tribunal Administrativo, porque seria incómodo para o PS. E eu sou PS. Respeito o partido e os militantes”. Ainda hoje critica o “silêncio” e o facto de dirigentes socialistas não lhe tenham “feito uma única chamada”, nem “respondido às SMS” que lhes enviou “para esclarecer o assunto”.
O rosto da oposição interna
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Enquanto António José Seguro acabou por sair de cena silencioso, o último socialista que venceu eleições como cabeça de lista, Francisco Assis, é hoje um dos maiores críticos de Costa e da “geringonça”.
Assis apoiou Seguro nas primárias, alguns meses depois do ex-secretário-geral o ter escolhido como número um para a corrida Bruxelas. Nos últimos dois anos Assis foi fazendo intervenções pontuais oposição a Costa. E até o fez em junho no palco por excelência: o Congresso do PS, em junho. Num discurso crítico, Assis assumiu “sem disfarces” ter uma posição “muito crítica em relação à forma como o partido tem sido conduzido nos últimos tempos”.
Assis afirmou mesmo que o PS estava a ser contaminado por um “vírus ideológico verdadeiramente perturbador e grave que é precisamente esse radicalismo antieuropeu.” O eurodeputado que ouviu assobios, mas também aplausos, afirmou que “o Governo tem uma liberdade muito condicionada, permanentemente vigiada por quem pensa de forma diferente da nossa”.
Há ainda vários outros seguristas afastados do partido que terão sido alvo de represálias por terem apoiado seguro e mudaram de vida. É o caso do antigo líder da UGT, João Proença, que foi diretor de campanha de Seguro nas primárias e, mais tarde (em abril de 2015), viu António Costa vetar o seu nome como presidente do Conselho Económico Social. Nas legislativas, aquilo que António Galamba chama de “sectarismo sem paralelo no PS” agudizou-se. Mota Andrade, em Braga, deixou de ser cabeça de lista do círculo e acabou por se mostrar indisponível para integrar as listas. Também o ex-deputado António Braga ficou fora da lista à Assembleia da República no mesmo distrito. Motivo segundo os seguristas: porque apoiou Seguro.
Já Maria de Belém, presidente do partido no tempo de António José Seguro, até foi candidata presidencial, mas teve uma derrota pesada (4,2%) e nem ganhou o direito a subvenção estatal. Escusado será dizer que Costa não fez força para que o PS apoiasse a sua ex-presidente. Os mais próximos do secretário-geral, incluindo membros da sua direção, juntaram-se ao candidato António Sampaio da Nóvoa, o seu favorito, que era apoiado pelo PS sem ter apoio oficial.
Se alguns foram afastados, outros foram convertidos em costistas. Há alguns casos de apoiantes de Seguro que se tornaram “cristãos-novos” da era Costa no PS e no Governo. O que teve um cargo mais destacado foi João Soares (embora não seja propriamente um segurista), que foi nomeado ministro da Cultura, embora já se tenha demitido, após prometer umas “bofetadas salutares” a um crítico cultural. João Soares rejeita, em declarações ao Observador, que tenha sido “integrado”, pois sempre foi do partido. Sobre os últimos dois anos, João Soares limita-se a dizer:
Na altura apoiei o então secretário-geral, António José Seguro, e só tenho orgulho disso. Não me arrependo”.
Outro dos convertidos ao costismo foi Eurico Brilhante Dias, que não só foi eleito deputado, como foi depois escolhido para relator da comissão de inquérito ao Banif. Mas não é tudo. Depois disso foi mesmo escolhido por António Costa para fazer parte do órgão de cúpula do partido, o secretariado nacional, embora tenha confessado na altura, numa entrevista ao Sol: “Serei sempre segurista”. Ao Observador, limitou-se a dizer que a sua integração faz parte dos “processos de absorção normais dos partidos”.
Há ainda dois governantes de Costa que eram próximos de Seguro. José Luís Carneiro até conseguiu que, na sua concelhia (PS/Baião), António José Seguro conseguisse 88,9% dos votos nas primárias socialistas, batendo claramente António Costa naquele concelho. Apesar disso o atual primeiro-ministro escolheu José Luís Carneiro para secretário de Estado das Comunidades Portuguesas. Já Jorge Seguro Sanches, que não só era apoiante como primo de Seguro, foi escolhido para secretário de Estado da Energia.
Quem não perdoa é António Galamba: “Houve uma opção clara de integrar uns e de não integrar outros, que podiam ser mais incómodos“.