A estratégia da direção socialista para as próximas eleições autárquicas está traçada e promete criar mossa nas estruturas locais. A regra de ouro é simples: os atuais presidentes de Câmara que se queiram recandidatar devem ser os escolhidos, tenham ou não o apoio das concelhias e distritais. E há mais: as listas autárquicas devem ser paritárias, isto é, ter o mesmo número de homens e mulheres e pelo menos 20% dos efetivos e suplentes devem ter menos de 35 anos.
São essas as recomendações inscritas na deliberação da Comissão Permanente do PS, que se reuniu na sexta-feira, a que o Observador teve acesso. “Todo o processo de designação de cabeças de lista respeitará o aprovado no último Congresso Nacional, nomeadamente o princípio geral da recandidatura dos atuais Presidentes da Câmara e de Junta de Freguesia”, pode ler-se no documento. O problema é que desde as últimas eleições autárquicas a realidade mudou em alguns concelhos: aliados passaram a inimigos e parceiros de estratégia deixaram de o ser.
O caso mais sensível, repetido por vários dirigentes socialistas ouvidos pelo Observador, é o da Câmara Municipal de Barcelos. Em 2009, o socialista Miguel Costa Gomes venceu as autárquicas contra o “dinossauro” Fernando Reis, do PSD. Em 2013, renovou o mandato. Quatro anos depois, a estrutura local tirou-lhe o tapete e avançou com o nome do deputado Domingos Pereira para candidato. Dois detalhes: Domingos Pereira era um dos vereadores de Costa Gomes e é presidente da concelhia do PS.
As desavenças entre Costa Gomes e o aparelho socialista de Braga atingiram o seu momento mais crítico em abril. Foi quando o PS de Barcelos promoveu um processo de consulta interna para escolha do próximo candidato à autarquia. Os socialistas votaram, em urna e com voto secreto, presidentes de junta do PS: vereadores e membros do Secretariado e da Comissão Política Concelhia. Em 120 votos, o líder da concelhia — homem de confiança do presidente da federação de Braga, Joaquim Barreto –, conseguiu 90 votos, contra 25 de Costa Gomes. Estava o escolhido o candidato do aparelho a presidente da Câmara.
Pouco tempo depois, a 6 de maio, Costa Gomes retirou os pelouros a Domingos Pereira, falando em “deslealdade”. O afastamento do deputado socialista provocou uma debandada geral: em solidariedade com o deputado, outros três socialistas bateram com a porta e renunciaram aos pelouros que detinham. Costa Gomes ficou praticamente isolado.
Entretanto, o autarca já veio admitir que pode protagonizar uma candidatura independente nas próximas eleições, ainda que gostasse “de ser o candidato do PS, para concluir o projeto iniciado em 2009”. Perante a resistência das estruturas locais em apoiar o atual presidente da Câmara só a direção nacional do PS poderia forçar a candidatura.
Ao Observador, Joaquim Barreto, presidente da Federação socialista de Braga, é perentório: “À partida, os atuais presidentes de Câmara devem ser os candidatos, a menos que não tenham condições políticas para o fazer. É preciso escolher alguém que à partida tem condições para ganhar. E cabe às comissões políticas da concelhia e à distrital escolherem os candidatos. Se a direção nacional tiver outro entendimento tem de fazer a avocação do processo, chamar a si a decisão e fundamentá-la”, argumenta o dirigente, lembrando os estatutos do partido.
Casos como o de Barcelos repetem-se, com maior ou menor complexidade por todo o país. E as estruturas locais do PS não parecem estar dispostas a abdicar do poder de decisão. No entanto, a direção socialista vai avisando: a regra de ouro é para cumprir.
“Esta direção nacional do PS foi aprovada no último congresso” e na moção de orientação estratégica aprovada no último conclave socialista “já se sabia que o espírito seria este”, lembra Hugo Pires, secretário nacional do PS para a Organização, em declarações ao Observador. “Naturalmente”, acrescenta o socialista, “será dada autonomia e liberdade às estruturas”, mas “a direção nacional não abdicará desta linha”. “O critério é rígido” e “a oposição política terá de se entender”.
Ou seja, a regra é para cumprir, até porque as “autárquicas vão ter leituras nacionais”. O dirigente socialista acrescenta mesmo: se for “para abdicar” deste critério sem qualquer tipo de fundamentação válida “é preferível perder duas ou três câmaras”.
Em relação às restantes recomendações — listas autárquicas paritárias e pelo menos 20% dos efetivos e suplentes devem ter menos de 35 –, Hugo Pires retira a pressão. Recomendações são recomendações. Mas vai avisando: as estruturas locais não as devem simplesmente ignorar. “Os partidos têm de ser renovadas e trazer pessoas novas para a política. Nada melhor do que estas eleições para dar esse sinal”.