Num segundo estamos na nossa sala, rodeados dos nossos móveis, num ambiente que conhecemos cada centímetro quadrado par coeur e onde todo o espaço está impregnado de memórias nossas. No instante seguinte estamos a correr num campo de batalha de arma em punho, ou sentados no cockpit de uma nave numa galáxia desconhecida, ou num ambiente quase abstrato e quase infinito que nos causa algumas vertigens e uma imensa sensação de isolamento.

Não vemos isto através de um ecrã, como nos habituámos desde sempre. Vemo-lo com os nossos próprios olhos, na primeira pessoa, e não na imagem projetada de alguém. Já não estamos na nossa sala, acolhedora, mas estamos noutro ambiente, mais ou menos hostil. E é aí que nos damos conta que a Realidade Virtual como a imaginámos já não está apenas à nossa porta. Está literalmente aqui, na nossa sala, e a transportar-nos de forma credível e imersiva para longe dela.

Esta é a Realidade Virtual que nos foi prometida?

Algumas semanas depois de recebermos o kit completo de PlayStation VR, duas dezenas de títulos experimentados e muitas, muitas horas a – literalmente – “abanar o capacete”, chegou a altura de falarmos na primeira pessoa deste que é um dos mais aguardados saltos tecnológicos da década ao nível do entretenimento.

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A Realidade Virtual constitui desde há muito tempo um dos nossos sonhos mais entusiasmados, por isso todo e qualquer avanço na direção daquilo que projetámos chocava diretamente contra a “realidade pouco virtual” que íamos recebendo.

Basta extrapolarmos para as nossas infâncias e pensarmos no efeito verdadeiramente surpreendente para os nossos olhos e mentes que os velhinhos View-Master atingiam e o quanto isso nos fazia pensar na possibilidade de termos dispositivos que realmente nos transportassem para longe do mundo tangível. O cinema ia estimulando este desejo, com obras que nos prometiam dentro das suas narrativas ficcionadas a possibilidade de abstração verdadeira dentro da Realidade Virtual. ExistenZ, The Lawnmower Man, Johnny Mnemonic e The Matrix faziam-nos crer que esta possibilidade tecnológica estava aí ao virar da esquina. E neste ano de 216 essa profecia auto concretizada tornou-se realidade, com a chegada ao mercado doméstico do PSVR.

E o conforto na utilização?

Depois de termos experimentado os outros dois dispositivos mais mediáticos (HTC Vive e Oculus Rift) parece-nos que as decisões de estabelecer o PSVR com uma lógica de design quase de capacete ao invés de apenas “óculos” permitem-lhe ser um dos dispositivos VR mais confortáveis que já utilizámos. A estrutura superior que suporta a parte frontal do PSVR permite que o peso do dispositivo seja distribuído por toda a cabeça e não apenas no rosto e no nariz.

Ainda assim, utilizar qualquer dispositivo do género (do qual este PSVR não é exceção) por algumas dezenas de minutos acaba por conduzir a algum desconforto, ainda que mínimo. Depois destas semanas de utilização percebemos que o calor provocado pela utilização do dispositivo (em especial nas “juntas” de borracha junto à cana do nariz cujo objetivo é selar a entrada de luz exterior) são um dos principais focos de calor.

A decisão ergonómica de permitir o ajuste angular da zona dos “óculos” à face acaba por conduzir ao desfocar da imagem à medida que a utilização decorre, ficando na dúvida se uma zona frontal não ajustável conduziria a uma melhor visão e focagem da Realidade Virtual. Uma surpresa para os utilizadores de óculos de correção é que o PSVR foi desenvolvido de forma a permitir que a zona frontal onde os ecrãs estão situados consiga suportá-los. O ênfase aqui é em “permite”, já que usar o PSVR sobre os óculos de correção encurta em muito o tempo de tolerância e o conforto.

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É verdade que a instalação do PSVR acaba por ser das mais simples (quando comparadas com outros concorrentes) mas os longos e algo pesados cabos que unem os óculos à breakout box que o acompanham acabam por retirar a tão desejada “liberdade” da Realidade Virtual e conduzir a um ligeiro desconforto. Visto que a PS4 Camera (obrigatória na utilização desta tecbnologia) é essencial para captar os 9 pontos de luz constituídos pelos óculos mais o comando da PS4, o que percebemos é que a experiência de jogar sentado ou em pé é bastante semelhante, e cabe a cada um perceber a forma mais confortável de usufruir da experiência. A tecnologia associada é perfeitamente capaz de responder com a mesma eficácia em qualquer um dos casos, mas fica ainda uma certeza: a Realidade Virtual é hoje ainda um mundo complexo de cabos e acessórios.

A Realidade Virtual de alta definição mais barata do mercado

O domínio do PSVR no recém-criado mercado dos dispositivos VR (em especial no caso português) deve-se a diversos fatores, sendo que a grande maioria são, sem qualquer surpresa, económicos.

É um lugar-comum falar-se da hegemonia comercial da Sony PlayStation no nosso território e na vizinha Espanha. Não sendo um produto barato, estando até ligeiramente acima do preço de uma consola de nova geração, o PSVR tem a sorte de ser o primeiro dispositivo do género a penetrar o mercado doméstico das consolas.

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Como dissemos, apesar de não ser um dispositivo acessível economicamente, é incomparavelmente mais barato do que qualquer forma de entretenimento similar atual. Basta pensarmos que para usufruir de VR de geração atual na nossa casa já hoje temos de ter uma PS4 (que custa cerca de 349€), ao qual temos de adicionar o pack “base” do PSVR (que comporta o dispositivo e todas as ligações necessárias cujo preço é de 399€), ou a versão que traz a câmara (necessária para a tecnologia funcionar) e com dois comandos Move que custa 499€. O que significa que o conjunto transforma-se numa “brincadeira” de cerca de no mínimo 749€ se já possuírem a PS4 Camera.

Os outros 2 dispositivos no mercado (ainda que nenhum deles à venda em Portugal) são destinados ao computador pessoal. Mas é aqui que as contas desequilibram grandemente para o lado do PSVR. O Oculus Rift (propriedade atual da companhia Facebook) estará à venda com um preço aproximado de 699€ e o HTC Vive, que é do ponto de vista técnico o dispositivo mais poderoso (sendo o PSVR aquele que tem os ecrãs com menor resolução) tem um preço de venda aproximado de 899€. Só que a despesa não fica por aqui porque um PC com capacidade para “correr” VR eficazmente é algo que necessita de algum investimento. Apenas a título comparativo pedimos à Alientech um orçamento de montagem de um PC o mais acessível possível que consiga sem dificuldades trabalhar com as especificações e as exigências do VR e o preço ronda os 1.199€. O que somando ambas as partes significa que jogar em PC nunca ficará por menos do que 1900€ que é bem mais do dobro do conjunto PS4 mais o conjunto total de PSVR.

VR não é para estômagos sensíveis

A sensibilidade do utilizador é sem sombra de dúvida um dos grandes desafios das companhias que se têm debruçado sobre desenvolvimento de óculos de VR. Desde os primeiros testes com imprensa dos diversos dispositivos que estão a chega ao mercado, que histórias e enjoos e náuseas são um tema recorrente. Quase sempre associado à noção de velocidade, a informação visual captada pelos nossos olhos quando não corroborada pelos restantes sentidos e pelo nosso corpo que usualmente se encontra estacionário, acaba por conduzir a um mal-estar imediato. Como solução para isso muitos developers decidiram programar velocidades mais lentas nos seus jogos, de forma a minimizar o impacto nos utilizadores mais sensíveis a este desfasamento de informação visual/perceção física.

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O caso mais caricato da hiper-sensibilidade da Realidade Virtual acabou por surgir com um dos jogos de lançamento do PSVR, o Driveclub VR, a experiência desenvolvida para este dispositivo da afamada franquia de driving games. Quando nos foi permitido antever o jogo há cerca de um mês, o nosso redator (corroborando o clima generalizado dos restantes media presentes) sentiu que a sua tolerância para um jogo de corridas como este limitava-se a suportar jogá-lo menos de um minuto. Semanas depois, no dia de lançamento do PSVR alguns media especializados internacionais lançavam artigos a avisar que este jogo específico não terá qualquer tipo de cobertura ou análise porque ninguém nas suas redações conseguiu jogá-lo mais do que alguns segundos.

E é este um belíssimo exemplo que nos permite perceber que a Realidade Virtual é para todos mas cuja tolerância e os tempos de exposição diferem largamente de pessoa para pessoa. Sentimos isso com os colegas que jogaram Driveclub VR, o caso mais mediático de intolerância generalizada, e confrontei com o meu caso, que o consegui jogar por mais de vinte minutos sem nunca sentir qualquer tipo de incómodo, numa sessão de VR que no seu total durou mais de 2 horas sem pausas.

Não sendo um investimento acessível ao nível do entretenimento (mas sobre isso falaremos um pouco mais à frente) a melhor sugestão que podemos fazer é que os interessados na tecnologia que experimentem o dispositivo nos muitos locais de exposição comercial (ou na Lisboa Games Week que começa daqui a 2 semanas na FIL, e onde o PSVR será decerto um dos destaques) para perceberem o nível de tolerância e sensibilidade pessoais antes de adquirir a tecnologia.

As melhores experiências na tecnologia atual

Depois de termos experimentado mais de vinte títulos disponibilizados pela Sony e por muita empresas internacionais aquando do lançamento do PSVR, é fácil sentir que já existem muitos exemplos de experiências/videojogos que representam na perfeição o que sempre sonhámos para a Realidade Virtual.

Nos primeiros minutos de cada jogo é muito rápida a nossa abstração do mundo que nos rodeia e a imersão no ambiente virtual recriado pelo jogo. Sentimos acima de tudo que a Realidade Virtual tem como ónus (e sem qualquer surpresa) a “experiência”, e é ela que dita o nosso divertimento e capacidade de nos “separarmos” da nossa sala de estar e de sermos transportados para outro mundo. E nenhum vídeo de Youtube se aproxima sequer da experiência que é usufruir de qualquer um destes jogos em PSVR e a total imersão que os óculos nos permitem.

A primeira e mais imersiva sensação que tive com os títulos disponíveis foi com Eve: Valkyrie, o jogo do universo do famoso Eve: Online e que nos coloca literalmente na cadeira do piloto de um caça espacial. Não demoramos 10 segundos a sentir que aquele corpo ali sentado no cockpit é o nosso, como uma espécie de sensação fantasma nos braços que seguram o manche da nave, enquanto olhamos para baixo e com o realismo que o jogo possui faz-nos crer que aquele tronco e aquelas pernas também são nossos.

Enquanto esperamos para sermos ejetados ainda há tempo para olhar à volta, para cima para o cockpit envidraçado e para os vidros laterais de onde vemos os canhões a aquecer entre cada disparo, ou para trás de nós para percebermos os pormenores que unem a cadeira à nave. Somos disparados para o espaço e quando as primeiras naves inimigas chegam sentimos o que sempre sonhámos para dog fighting em Realidade Virtual: a possibilidade de pilotar e ao mesmo tempo termos a liberdade de olhar em qualquer ângulo como no mundo real.

Sensação semelhante senti com outro jogo, que é a “sequela” de um clássico das arcadas o Battlezone. Com a sorte de poder testar o jogo antes do lançamento com os developers, a sensação de imersão dentro do cockpit do tanque, de onde são projetados ecrãs luminosos para controlarmos fez-me pousar o meu comando de PS4 (real) no braço da cadeira (virtual) do tanque. O resultado foi simples: o comando caiu direitinho no chão (real) da sala, enquanto ria e explicava o sucedido ao developer que se ria do outro lado do headset enquanto revelava já lhe ter acontecido algo similar.

Este é sem dúvida um dos grandes exemplos do quanto a tecnologia existente e o realismo possível conseguem submergir-nos de forma tão eficaz na Realidade Virtual que o objetivo do dispositivo é rapidamente cumprido: o momento em que confundimos o espaço virtual e esquecemos o espaço real que nos rodeia.

Batman: Arkham VR demonstra-nos as possibilidades mais experimentais de como somar a jogabilidade de um jogo de ação à imersão do VR. Para além da excelente execução (habitual) do estúdio Rocksteady, que soube trazer o Batman para um surpreendente patamar de qualidade, acima de tudo o que sentimos nesta curta aventura é que a piada da internet de “se podes ser qualquer coisa na tua vida, sê o Batman” ajusta-se na perfeição a este jogo.

O PSVR permite-nos não só ser o Batman enquanto protagonista, mas sê-lo personificado, andar pela mansão, tocar no piano de Bruce Wayne e entrar na Batcave, vestir o fato, olhar-mo-nos ao espelho pelos olhos do herói. Sensação semelhante temos com The London Heist que já tínhamos experimentado o ano passado na Paris e na Lisboa Games Week, e que faz parte do “pacote” VR Worlds e que constitui algumas das melhores experiências para a tecnologia.

Ou para quem quer usufruir de uma saída de diversão num bar, mas quer evitar o cheiro a tabaco que se entranha na roupa, não quer sair de casa porque Novembro está aí e trouxe um frio ao qual pouco estamos habituados, ou para quem está a pensar duas vezes se deverá beber porque é dia de semana, SportsBar VR pode ser a solução. É que para além de ser um simulador de bar, é acima de tudo uma experiência social em que podemos encontrar-nos com conhecidos ou desconhecidos num bar virtual e aproveitar para fazer um jogo de bilhar, air hockey ou dardos. Muito mais divertido e imersivo quando jogado com outras pessoas e serve de pedra basilar para aquilo que poderá ser a ideia de “sair à noite” num futuro próximo repleto de VR. Quiçá?

RIGS: Mechanized Combat League (que para alguns trouxe problemas de sensibilidade similares ao de Driveclub VR) constitui uma das mais frenéticas experiências neste catálogo inicial, lembrando-nos tudo o que lemos sobre “desportos” alternativos e futurísticos em que controlamos robots dentro de arenas e ambientes competitivos.

Tumble VR, dentro do seu ambiente de puzzles acabou por ser o jogo ao qual dediquei mais tempo. Dentro do ambiente controlado da sala imensa onde o jogo se desenrola, a perceção de estar naquele local virtual e de controlar todas as componentes dos diversos puzzles fez-me automaticamente abstrair-me e sentir-me parte daquele ambiente sem sequer duvidar da sua existência “real”. Until Dawn: Rush of Blood é obrigatório para todos os fãs do terror e de toda a imersão num ambiente em que podemos literalmente olhar sobre o nosso próprio ombro graças à liberdade e visão de 360º que o VR permite.

No entanto, é esta liberdade que acaba por prejudicar o jogo, visto que os requisitos tecnológicos para desenvolver mundos e ambientes totalmente observáveis em qualquer dimensão obriga a que a resoluções mais baixas tenham de ser aplicadas o que retira parcialmente a imersão no ambiente de terror que jogo quer criar. Atinja-se as capacidades tecnológicas que permitam o realismo de ambientes tecnicamente controlados como os de Eve: Valkyrie e Tumble VR e o terror tem decerto a sua linguagem nativa aplicada aos dispositivos VR.

Realidade Virtual: é mesmo o futuro do entretenimento?

Sem quaisquer previsões oraculares, depois de algumas semanas de PSVR em casa a tecnologia parece-nos interessante, mas está longe de suplantar os nossos hábitos atuais de entretenimento e a forma como jogamos. Muita gente preconizava a democratização do acesso aos dispositivos de VR domésticos como uma forma de tornar os ecrãs tradicionais obsoletos, mas este parece um tremendo exagero, e o passado próximo comprovou o mesmo com tantas outras tecnologias que prometiam destronar o ecrã enquanto peça central de diversão.

O (relativamente) fácil acesso ao VR vem aumentar o leque de experiências de entretenimento, e a forma como criativamente a indústria dos videojogos (porque o cinema e a pornografia seguir-lhe-ão rapidamente) consegue estender o seu alcance para além do tradicional. O VR não vem substituir a nossa vivência perante o entretenimento, mas vem alargá-la para potencialidade que nesta fase “inicial” parecem não ter limites.

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Uma utilização curiosa dos óculos é a sensação que nos dá de termos uma sala de cinema em casa quando estamos a ver um filme, como aqui se dizia no artigo de Agosto sobre o PSVR. O total isolamento com o mundo exterior somada à sensação de termos uma tela de 6 metros projetada num espaço escuro fechado submerge-nos no nosso cinema privado que ocupa apenas os meros centímetros que medem os óculos.

Não sabemos se o VR vai ser apenas uma moda fugaz como tantas outras que prometiam revolucionar mercados mas que foram fadadas ao esquecimento. Tudo o que sabemos é que a tecnologia atual deixa antever que o realismo e os sonhos que tivemos com a Realidade Virtual estão cada vez mais perto, tão tangíveis quanto algo incorpóreo pode ser. Com o VR o futuro parece definitivamente ter chegado. Resta saber se será uma visita efémera ou uma realidade que deixará de ser em alguns aspectos virtual, e fará parte definitiva da nossa vida.

Ricardo Correia, Rubber Chicken