De nome falado para o derradeiro embate frente a Pedro Passos Coelho no PSD passou a rosto assumido para a sucessão. Antes, já era o nome de que se falava para ser o candidato apoiado pelo PSD à Presidência da República. Desde que, em 2013, deixou a câmara do Porto, Rui Rio tem sido o nome que espreita; o eterno candidato a alguma coisa (aliás, já era para ter sido ele a avançar quando acabou por ser Manuela Ferreira Leite a liderar o partido). Não foi ao último congresso dos sociais-democratas, em abril, não fosse “ofuscar” o líder, mas nas últimas semanas, como noticiou o Expresso, tem-se desdobrado em almoços e jantares para apalpar terreno e medir o pulso ao partido que precisa de conquistar. Viria a desmentir a notícia, como faz frequentemente quando chega às manchetes de um jornal, mas esta quarta-feira confirmaria, numa entrevista ao Diário de Notícias, que está nos seus planos uma disputa da liderança. Ainda que com muitos “ses”: só depois das autárquicas, só se Passos continuar sem galvanizar as bases e só tiver perspetivas sólidas de vitória.

Numa segunda entrevista esta quinta-feira, à RTP 2, voltaria a afirmar para que não houvesse dúvidas que está a marcar o lugar na primeira fila da disputa pela liderança:

Admito ser candidato quando houver eleições [no partido]. Se elas forem antecipadas, logo se vê. Se não forem antecipadas serão em fevereiro ou março de 2018. E se o PSD não se conseguir impor e não for alternativa forte ao PS, particularmente a esta solução de esquerda –que isso é pior que o PS –, seria contra a história do próprio PSD e o partido estaria muito mal se não aparecesse uma alternativa credível no caso de o Dr. Pedro Passos Coelho querer continuar”.

Para Rui Rio, “é natural que, se as coisas não estiverem a correr da melhor maneira ao PSD, haja uma alternativa”. Agora o ex-presidente da câmara do Porto marca o terreno. E depois espera que as condições no aparelho o favoreçam. Se há altura certa para aparecer é agora. A partir de janeiro e até outubro, o partido entra em modo autárquicas pelo que não dá para desafiar a liderança, nem tão pouco para recolher apoios, porque as bases têm de estar com o líder; mas depois de outubro são apenas cerca de quatro meses até ao próximo congresso, e se é para avançar a máquina tem de começar a olear-se.

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Tudo depende do resultado “poucochinho”, ou não, que Passos poderá ter nas autárquicas de outubro. Se a queda for estrondosa e Passos não se demitir, a passadeira estende-se para alguém que queira ocupar o vazio de oposição interna que reina no PSD. E o mais certo é que Passos não se demita mesmo. No final de outubro, no Conselho Nacional, o líder do partido desafiou aqueles que o criticam em surdina a avançarem, mas com a certeza de que se o fizerem vão ter “de se haver” com ele. Ou seja, Passos fica. E Rui Rio parece estar disposto a fazer-se notar.

Um discurso anti-sistema

Desde que deixou a câmara do Porto, depois de mais de uma década à frente da autarquia, Rui Rio tem limitado as suas aparições públicas a conferências ou palestras, onde geralmente faz duras críticas aos sistema político, ao sistema judicial e à comunicação social. Recentemente, foi chamado ao Parlamento para dar o seu contributo na comissão eventual para o reforço da transparência no exercício de funções públicas e defendeu aquilo que tem vindo a afirmar nos últimos anos: que a democracia “está doente”, à boleia da “desconfiança permanente das pessoas face aos políticos”, mas que a culpa não é só dos políticos; é também do jornalismo:

[A comunicação social] ao longo do tempo matou a sua credibilidade e a credibilidade da política, com sentenças na primeira página.”

Muito crítico do sistema judicial, também disse aos deputados que a justiça “não consegue condenações e ainda exibe a sua fraqueza na praça pública, com a ajuda da comunicação social”, disse.

Em junho, durante uma conferência na Faculdade de Direito, tinha feito mais uma das suas polémicas proclamações: “Se Portugal continuar assim, se não fizer reformas profundas no regime, caminhamos para uma ditadura sem rosto“.

Rui Rio defende um regime com menos deputados, mandatos de cinco ano na Assembleia da República, um caminho para a regionalização e mais poderes presidenciais. Diz que é preciso revitalizar o sistema, mesmo que isso implique mudanças na Constituição, porque “o que era certo em 1976 pode já não ser adequado 40 anos depois”, e argumenta que o “poder político é cada vez mais fraco porque sucumbe aos interesses privados e corporativos”. O mesmo para os “detentores dos órgãos de comunicação social e os editores desses órgãos, que condicionam o que sai, como sai e se sai”, defendeu no Parlamento.

É um discurso “contra jornalistas, contra políticos, contra a justiça”, que entra no “patamar de Trump” no sentido em que é um discurso “anti-político”, “anti-sistema”, diz ao Observador uma fonte social-democrata do Porto que conhece bem Rui Rio e que diz que o ex-autarca e ex-deputado “acredita mesmo que há uma classe política fraca, corrupta, e que os media são controlados por interesses obscuros”. Mas também não diz que ideias tem para contrariar este estado de coisas. “É um discurso que colhe facilmente”, acrescenta a mesma fonte.

Para já, a figura colhe junto dos portugueses. Uma sondagem realizada na primeira semana de novembro pela Eurosondagem, divulgada esta sexta-feira pelo jornal Expresso, dá conta de que quase metade dos inquiridos (49,5%) acha que Rui Rio deve avançar como candidato à liderança do PSD. Questionados sobre se Rui Rio será melhor do que Passos Coelho, 44,3% acha que sim e 35,9% que acha que não faria melhor figura.

O problema é que, se o discurso anti-sistema tem possibilidade de colher junto da população, pode não ter o mesmo sucesso junto do partido. E a caminhada de Rui Rio tem de passar sempre pela primeira etapa de conquistar o partido, as bases, o aparelho. Só assim conseguirá ser eleito em congresso. “É uma caminhada difícil”, diz uma fonte social-democrata. “[Rui Rio] Nunca teve muito jeito para o partido, se repararmos não se conhece um único vereador de Rui Rio”, diz outra. Por isso, todos sabem que Rio precisa de um peso pesado que faça mexer a máquina.

O que Rui Rio já disse sobre…

Jornalistas – São conhecidos os desmentidos frequentes de Rui Rio a notícias sobre si. Em junho de 2015, o ex-autarca do Porto não gostou de ver uma notícia a dar conta de que iria avançar para a Presidência da República e exigiu, em tom zangado, que a liberdade da comunicação social termine “à porta da liberdade de todos nós”. Pediu mais responsabilidade aos jornalistas que, disse, dão muitas vezes “notícias que não são verdade”.

“Isto não é saudável em democracia. Isto poderá ser próprio de regimes totalitários.Sem a liberdade de imprensa não há democracia. Não é a democracia ficar frágil, não há pura e simplesmente. A minha liberdade impõe que eu tenha também responsabilidade. Porque a minha liberdade acaba à porta da liberdade dos outros. A liberdade de imprensa também para à porta da liberdade de todos nós”, disse na altura.

Caixa Geral de Depósitos – “Se a lei não o permitir [a exceção na entrega de declarações ao Tribunal Constitucional], a responsabilidade está do lado do Governo que se comprometeu com o que não se podia comprometer”, disse em entrevista ao DN, sobre a polémica da entrega ou não da declaração de rendimentos.

Todos os gestores bancários são gestores públicos, a banca dita privada quando treme, vem buscar os nossos impostos. Se o governante for incompetente, gere mal os nossos impostos, se for um gestor da banca privada, pode levar num ápice as poupanças de uma vida. O que acha pior?”

Orçamentos da “geringonça” – “Concordo com todas as medidas — devolução dos salários da função pública, redução do IVA, eliminação da sobretaxa de IRS, melhores prestações sociais. As pessoas merecem, o problema é correr riscos demasiado grandes”, disse numa entrevista à RTP em fevereiro, a propósito do primeiro Orçamento do Estado de António Costa.

“No conjunto de 2016 e 2017 há mais impostos”, em entrevista ao DN esta semana.

“No início era o PS que estava refém do BE e PCP. Neste momento acho que já é o contrário. Se esticarem a corda a pedir o impossível, o PS argumentará que a governação não deve ser como a anterior da direita mas que também não pode ser tão irresponsável como a extrema-esquerda pretende”, na mesma entrevista.

Enriquecimento injustificado – “O meu medo é que se vá para pior do que já se está. Conseguiremos redigir de tal maneira que isto não tenha aproveitamento politiqueiro e fique na pureza dos princípios?”, questionou quando foi ouvido no Parlamento pelos deputados que tentam mudar a legislação para apertar a malha ao enriquecimento injustificado.

Rui Rio tem “receio” de que venha a ser desenhada “uma lei que venha a ser muito injusta para muitas pessoas e que venha a justificar muitas arbitrariedades e objetivos de natureza política”.

Contas à moda do Porto. Obcecado pela macro-economia

Rui Rio estudou no Colégio Alemão desde os quatro anos e licenciou-se em Economia. Talvez por isso seja unânime considerá-lo rigoroso, inflexível, racional, um exemplo pela luta contra os lóbis. Tende a decidir tudo sozinho e tende a calcular bem tudo o que faz, para não dar passos em falso. É conhecida a pontualidade de Rio quando era secretário-geral do PSD, no tempo de Marcelo Rebelo de Sousa. Ou o conflito que manteve com o aparelho durante o processo de refiliação no partido. Assim como é conhecida a guerra aberta que travou com o presidente do FC Porto, Pinto da Costa, por impedir as celebrações do clube de futebol no edifício da câmara municipal. A ideia era separar a suposta promiscuidade entre política e futebol, tendo sido um statement de Rio para marcar a diferença.

Começou por trabalhar no setor têxtil, depois no Banco Comercial Português e depois foi diretor financeiro da fábrica de tintas CIN. Entrou para a política através da Juventude Social Democrata, onde foi vice-presidente da Comissão Política Nacional, entre 1982 e 1984. Feita a escola na jota, chegou a secretário-geral do partido doze anos depois, em 1996, quando era Marcelo Rebelo de Sousa o presidente. Nunca chegou à liderança do partido, apesar de ter sido várias vezes vice-presidente. Primeiro com Durão Barroso e depois Pedro Santana Lopes, e, noutra fase, entre 2008 e 2010 quando era Ferreira Leite a presidente. Esteve uma década sentado na bancada social-democrata no Parlamento, entre 1991 e 2001, eleito pelo círculo eleitoral do Porto. Foi vice-presidente do grupo parlamentar e o porta-voz para as questões económicas. Mas acabou por sair de São Bento diretamente para a presidência da Câmara do Porto, onde esteve durante três mandatos até 2013.

“É obcecado pela macro-economia, e nisso é parecido com Passos Coelho”, diz ao Observador uma fonte social-democrata: “São os dois obcecados com o défice, as contas, o controlo orçamental. Não se preocupa muito com a essência da política porque para salvaguardar a máquina do Estado só as contas interessam”. Não é por acaso que o seu legado no Porto ficou conhecido pelo rigor das “contas à moda do Porto”. E quando, na campanha eleitoral de setembro, esteve ao lado de Passos e Portas em Viseu chegou a dizer aos jornalistas que “o que importa é a política, não os protagonistas”. “O que para mim é importante nestas eleições não são os protagonistas – é a política, o caminho a seguir, independentemente dos protagonistas”, disse, conhecida que era a sua boa relação com António Costa.