O Governo pretende extinguir a Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis (ENMC), na sequência de uma alteração introduzida no Orçamento do Estado de 2017. A intenção foi esta quarta-feira reafirmada, no despacho de nomeação do novo presidente da ENMC, a entidade empresarial que tem desempenhado funções na área de licenciamento e fiscalização do setor do petróleo e dos combustíveis rodoviários.
No entanto, na semana passada, a ENMC dava um sinal ao mercado em sentido contrário, em resposta a pedidos de esclarecimento dos operadores do sistema petrolífero, emitido através da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), em que começa por dizer que não foi extinta.
O comunicado lembra que o Orçamento do Estado aprovou uma “reestruturação da fiscalização do setor energético, designadamente concentrando as atuais competências dispersas entre a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), a Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis e a Direção-Geral de Energia e Geologia numa entidade fiscalizadora especializada para o setor energético”.
E conclui que, após estas alterações legais, a “ENMC vai assumir novas competências e, assumir uma nova designação, bem sabendo que as atuais atribuições, como seja a supervisão do mercado de combustíveis vão continuar a ser asseguradas, e até reforçadas no novo quadro legal”.
As alterações à regulação do setor dos combustíveis foram uma iniciativa do Partido Comunista, aprovada pelos socialistas, que prevê, por um lado, a extinção da ENMC, dividindo as atuais competências entre a Entidade Reguladora dos Serviços de Energia (ERSE) e a Direção-Geral de Energia e Geologia (GGEG).
Para justificar a extinção da ENMC, o PCP argumenta que “nada justifica a não integração de todas as atividades de regulação pública dos diversos setores energéticos numa única entidade, com duas evidentes vantagens”: As sinergias ao nível do acompanhamento dos vários mercados de energia e as “poupanças evidentes pelos cortes dos custos de funcionamento de uma entidade reguladora face à sua atual duplicação acontece desde a criação da ENMC, em dezembro de 2013″.
Credores podem exigir reembolso de 360 milhões
Mas se a poupança é um dos argumentos para acabar com a ENMC, a sua extinção pode vir a representar uma fatura muito mais pesada para o Estado. Em causa está uma emissão obrigacionista de 360 milhões de euros vendida junto de dois bancos internacionais que têm o direito de exigir o reembolso antecipado do empréstimo com o fim da entidade que o contraiu.
Este financiamento a 20 anos foi obtido em 2008, com condições muito favoráveis — os juros estão indexados à Euribor (que está em níveis historicamente baixos) — a sua substituição traria custos muitos elevados para o Estado. Em alternativa, o crédito teria de ser pago logo antecipadamente.
O alerta para este risco já tinha sido feito pelo ex-presidente da ENMC, Paulo Carmona, num encontro com jornalistas em novembro do ano passado em que mostrou também a surpresa pelo apoio do Governo à proposta de extinção da entidade. O gestor já tinha terminado o mandato e foi substituído por Filipe Meirinho que era quadro da ENMC.
Terá sido por causa desta emissão obrigacionista que o anterior Executivo de Passos Coelho não avançou com a extinção da antecessora da ENMC, a Egrep, optando por manter a entidade como uma empresa pública, tendo até reforçado as suas competências de forma significativa.
Empréstimo pode passar para a Parpública
O Observador questionou o Ministério da Economia, que tutela a ENMC, sobre o futuro desta entidade, das suas competências e do empréstimo obrigacionista, mas não obteve respostas até agora. No entanto, e de acordo com informação recolhida, há pelo menos duas hipóteses em consideração para evitar o reembolso antecipado do empréstimo obrigacionista. Manter a operação junto de uma entidade empresarial pública, uma espécie de mini-ENMC, ou transferi-lá para uma empresa pública já existente, como a Parpública, o que teria de ser aceite pelos bancos subscritores do empréstimo.
No comunicado, a entidade diz que vai continuar a exercer plenamente as funções atribuídas até à conclusão do novo quadro legal, pelo que os operadores continuam obrigados a prestar os dados de mercado.
O Governo aguarda uma proposta de projeto da ERSE sobre as novas atribuições em matéria de regulação dos combustíveis, estão ainda previstas alterações na estrutura da Direção-Geral de Energia e Geologia.
A Egrep nasceu em 2001 para gerir até um terço das reservas estratégicas de combustíveis que os operadores do mercado nacional são obrigados a fazer para assegurar a segurança do abastecimento, cobrando uma tarifa pelo armazenamento feito para terceiros. Apesar dos elevados volumes financeiros movimentados, e um empréstimo avultado para a constituição dos primeiros stocks, para o qual foi feito um swap entretanto cancelado, a empresa sempre teve uma dimensão muito reduzida em termos de recursos humanos.
Em 2013, a Egrep passou a Entidade Nacional do Mercado de Combustíveis (ENMC) com competências reforçadas na monitorização do mercado de combustíveis e dos biocombustíveis e a prospeção, pesquisa, desenvolvimento e exploração de recursos petrolíferos, bem como a defesa dos consumidores.
Finanças usam preços da ENMC para ajustar imposto
A ENMC passou ainda a fiscalizar os postos de abastecimento e a qualidade dos combustíveis e a produzir informação sobre a evolução dos preços de referência no mercado, um valor que é calculado sem as margens das petrolíferas, custos logísticos e distribuição. Estes valores diferem dos preços médios finais de mercado, publicados pela Direção-Geral de Energia, que também é tutelada pelo Ministério da Economia, mas foram os utilizados pelo atual Ministério das Finanças para determinar quando é que a subida do preço dos combustíveis deve ser compensada por uma descida do imposto petrolífero.
O reforço dos poderes da ENMC, que nunca chegou ter o estatuto de regulador, foi acompanhado de outras medidas de intervenção no mercado como a imposição aos postos da oferta de combustíveis de baixo custo (low-cost), sem aditivos.
No final de 2015, e segundo o relatório e contas ainda não aprovado pela tutela (tal como o de 2014), a ENMC tinha 31 colaboradores, incluindo dois administradores, que ficaram reduzidos a um. A empresa apresentou prejuízos avultados nesse ano — de 84,7 milhões de euros que resultaram da desvalorização dos stocks de produtos refinados, face ao custo de aquisição.
Por causa da queda dos preços do petróleo e dos combustíveis e devido a um contencioso com o Fisco que só terá ficado sanado em 2016 — a Administração Fiscal exigiu imposto sobre os lucros contabilísticos gerados pela valorização das cotações dos produtos armazenados — a ENMC estava em falência técnica com uma situação líquida negativa de 93 milhões de euros que se terá entretanto agravado. Este cenário pode ser invertido com a recuperação do preço do petróleo que permitirá revalorizar os stocks de produtos refinador.
No entanto, a sua extinção não terá impacto negativo na dívida ou no défice do Estado, segundo esclarecimento dado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) ao Observador.