Domingos Pereira, deputado socialista eleito pelo círculo eleitoral de Braga, entregou o cartão de militante socialista e pode passar agora a independente no Parlamento, depois de ter entrado em rota de colisão com a direção nacional do partido. Esta terça-feira, numa conferência de imprensa a partir de Barcelos, o até aqui presidente da comissão política da concelhia de Barcelos do PS e presidente da mesa da comissão política da federação de Braga, expôs os argumentos da sua decisão e anunciou oficialmente a entrega do cartão de militante e a demissão dos órgãos do partido.

“Os socialistas de Barcelos não se reveem nas práticas centralistas desta direção nacional do partido. Estou há 30 anos no PS, mas nunca tinha visto isto. Não vale tudo e tenho a esmagadora maioria dos militantes de Barcelos comigo”, disse.

Para Domingos Pereira, a decisão da comissão política nacional do PS de dar prioridade aos candidatos que se quisessem recandidatar era apenas uma “linha de orientação indicativa, não estatutária nem vinculativa”, que questionou a decisão tomada pela concelhia de Barcelos e reiterada pela federação de Braga de indicar o seu nome para encabeçar a lista à autarquia. “Os estatutos dizem que compete às concelhias estabelecer todo o processo autárquico”, lembra o agora ex-deputado socialista, que vai permanecer como independente.

O socialista ainda admitiu que “houve muitas negociações pelo meio, tentámos arranjar uma solução para que esta rutura não se fizesse”, mas sem efeito.

Quanto ao futuro, Domingos Pereira sublinhou que continuará disponível para integrar o grupo parlamentar do PS. “Estou inteiramente disponível para continuar a pertencer ao grupo parlamentar do PS, não recorrendo ao mecanismo de deputado independente”.

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Mesmo desfiliando-se do PS para assumir a candidatura independente, Domingos Pereira assegura que será um deputado “leal e solidário” com o partido, se continuar a integrar o grupo parlamentar socialista.

Caso o PS não o queira no grupo parlamentar, Domingos Pereira assumirá o estatuto de deputado independente e garante que não vai “fazer guerra” ao partido. “Não vou fazer guerra com ninguém, revejo-me nas orientações estratégicas do PS”, precisou.

O deputado adiantou ainda que em breve terá reuniões com o secretário-geral do partido, António Costa, e com o presidente do grupo parlamentar, Carlos César, para definir o seu futuro político imediato. Os estatutos do PS preveem a expulsão dos militantes que avancem com candidaturas autárquicas alternativas às listas do partido.

Como tudo começou

A notícia foi avançada pela SIC Notícias na noite desta segunda-feira. De acordo com a estação de Carnaxide, Domingos Pereira, que era também presidente da concelhia do PS de Barcelos, deixa os socialistas depois de o partido não ter apoiado a sua candidatura à Câmara Municipal de Barcelos. O caso de Domingos Pereira já tinha sido referenciado pelo Observador como o mais sensível que os socialistas tinham por resolver nas eleições autárquicas.

Para perceber o caso é preciso recuar até 2009. Nesse ano, o socialista Miguel Costa Gomes venceu as autárquicas contra o “dinossauro” Fernando Reis, do PSD. Em 2013, renovou o mandato. Quatro anos depois, a estrutura local tirou-lhe o tapete e avançou com o nome do deputado Domingos Pereira para candidato. Um detalhe: Domingos Pereira era um dos vereadores de Costa Gomes.

As desavenças entre Costa Gomes e o aparelho distrital de Braga atingiram o seu momento mais crítico em abril. Foi quando o PS de Barcelos promoveu um processo de consulta interna para escolha do próximo candidato à autarquia. Presidentes de junta, vereadores e membros do Secretariado e da Comissão Política Concelhia do PS votaram em urna e com voto secreto e o resultado foi inequívoco: Domingos Pereira era o escolhido como o candidato do aparelho a presidente da Câmara.

Pouco tempo depois, a 6 de maio, Costa Gomes retirou os pelouros a Domingos Pereira, falando em “deslealdade”. O afastamento do deputado socialista provocou uma debandada geral: em solidariedade com o deputado, outros três socialistas bateram com a porta e renunciaram aos pelouros que detinham. Costa Gomes ficou praticamente isolado.

No entanto, e como também escreveu o Observador, a escolha de Domingos Pereira para candidato do PS à Câmara Municipal de Barcelos colide com uma regra fundamental que a direção nacional definiu para esta corrida autárquica: em condições normais, o partido deve apoiar os autarcas que se queiram recandidatar. E foi isso que os socialistas decidiram na última reunião da Comissão Política Nacional do PS: ao contrário do que decidira o aparelho local, será Costa Gomes o candidato.

Confrontado com a decisão da direção nacional do PS, Domingos Pereira decidiu, assim, entregar o cartão de militante. No entanto, o minhoto não tenciona demitir-se do Parlamento, o que pode criar uma situação invulgar: em caso de abstenção do PCP, e se Domingos Pereira assim o entender, os socialistas não conseguirão formar maioria parlamentar.

Em teoria, este cenário pode conduzir a uma espécie de reedição do segundo Governo minoritário de António Guterres (1999/2001), que precisava de negociar com um deputado de outra bancada parlamentar (o mais mediático foi Daniel Campelo, ex-edil de Ponte de Lima e deputado do CDS) para fazer aprovar o Orçamento do Estado.

* Artigo atualizado esta terça-feira com declarações de Domingos Pereira sobre a vontade de se manter como membro do grupo parlamentar do PS