Um grupo de cientistas do Instituto Salk La Jolla (Califórnia, Estados Unidos) introduziram e desenvolveram células humanas dentro de embriões de porco, o que coloca os investigadores um pouco mais perto de conseguirem criar dentro de animais órgãos humanos (como o fígado) que possam depois ser usados em transplantes. De acordo com o estudo publicado esta quinta-feira no jornal científico Cell, as células constituíam apenas uma pequena parte dos embriões, que só foram mantidos vivos durante algumas semanas. Como este tipo de experiências deixou de ser financiado pelo Estado norte-americano por questões bioéticas levantadas pela comunidade científica, este estudo foi completamente financiado por investidores privados.
De acordo com o estudo, os cientistas injetaram entre três e dez células estaminais — que ainda não passaram pelo processo de diferenciação celular e que portanto se pode especializar em qualquer tipo de célula — em embriões de porco criados em laboratório e depois implantaram-nos no útero das porcas. Ao fim de quatro semanas, 186 dos embriões implantados foram de novo retirados para serem analisados: em média, menos de uma em cada 100 mil células embrionárias eram humanas, ou seja, cada embrião continha cerca de um milhão de células humanas.
Estes embriões foram chamados “quimeras” porque eram compostos por células tanto da sua espécie como de outra, neste caso a humana. Não é a primeira vez que os cientistas criam este tipo de embriões, mas até agora as únicas cobaias tinham sido ratos de laboratório e ratazanas. Com uma excepção: Hiromitsu Nakauchi, da Universidade de Stanford, já fez testes semelhantes em porcos e carneiros — mas os seus relatórios nunca tiveram o aval da comunidade científica. Esta é a primeira vez que é aprovado por outros cientistas um relatório de uma experiência de quimerismo feita em laboratório em animais de maior porte que suportem órgãos com as dimensões dos que existem no organismo humano.
Segundo o relatório apresentado pelo instituto, este é um marco importante para combater a escassez de doadores humanos para transplantes de órgãos como o pâncreas, o fígado ou o coração. A ideia, explica o investigador Carlos Izpisua Belmonte (autor do estudo), era manipular os animais de modo a que desenvolvam esses órgãos dentro dos seus próprios organismos — um porco podia assim desenvolver um coração geneticamente humano no sítio onde normalmente cresceria um coração próprio da sua espécie. Antes de esse órgão ser retirado para transplante, o animal seria morto por eutanásia.
Outra vantagem deste procedimento, continua o estudo, é que as células estaminais injetadas nos embriões dos animais seriam as da pessoa que precisa do transplante, o que poderia reduzir o risco de rejeição. No entanto, esta operação levanta vários problemas éticos: de acordo com este estudo, as poucas células humanas encontradas nos embriões de porco estavam espalhadas pelo músculo, coração, pâncreas, fígado e tecido da medula espinal. É por isso que os cientistas estão a pensar numa maneira de obrigar as células humanas a concentrarem-se apenas em determinados tecidos, para que não possam ter influência no cérebro ou nas células sexuais dos animais. Isso seria perigoso porque daria aos porcos algumas qualidades humanas, que podiam ser transmitidas de geração em geração. No entanto, os cientistas envolvidos nesta investigação garantem que não houve transmissão de características humanas para esses tecidos do porco.