O que têm em comum actrizes como Jacqueline Bisset, Jaclyn Smith, Sarah Michelle Gellar, Jeanne Tripplehorn, Katie Holmes, Joanne Whaley e Blair Brown? Todas elas já interpretaram Jacqueline Kennedy em numerosos filmes, telefilmes e mini-séries sobre o casal Kennedy, o clã Kennedy, a Casa Branca de Kennedy, o mito dos Kennedy ou os podres dos Kennedy, que continuam a ser um gordo abono de família do cinema e da televisão nos EUA. Agora, vem-se-lhes juntar Natalie Portman em “Jackie”, do chileno Pablo Larraín, que identificamos mais como autor de filmes “engajados” e bastante puxados para a esquerda, passados em universos masculinos (“Tony Manero”, “Não”, “O Clube”). Larraín “herdou” este projecto de Darren Aronofsky, que ficou só com as funções de produtor do filme e havia destinado originalmente o papel do título a Rachel Weisz.
[Veja o “trailer” de “Jackie”]
Jackie Kennedy foi a primeira Primeira Dama “cor-de-rosa” e com uma aura hollywoodesca dos EUA, numa altura em que a televisão tinha uma importância e um impacto social cada vez maior e mais importante. A sofisticada mulher do presidente John F. Kennedy tinha plena consciência disso, e trabalhou afincadamente a sua imagem (foi a primeira mulher de um presidente americano a ter uma secretária de imprensa, e a estabelecer tendências na moda), que se espelhava na do marido, com o qual formou o casal público com mais carisma e “glamour” do seu tempo. O filme (nomeado para Melhor Actriz, Melhor Banda Sonora e Melhor Guarda Roupa) vai apanhar Jackie nos dias após o assassinato do presidente Kennedy e o seu funeral, quando deu uma entrevista exclusiva ao jornalista e historiador Theodore H. White, da “Life”, na qual fez a famosa associação dos anos da presidência do marido à lendária Camelot do rei Artur, e que ficou para a posteridade.
[Veja a entrevista com Natalie Portman]
Pablo Larraín esmera-se na recriação, com recurso a algumas imagens de arquivo, de situações várias da vida do casal Kennedy, da presidência de John F. Kennedy e da actividade de Jackie na Casa Branca (caso da célebre iniciativa em que abriu as portas desta à televisão, para uma visita guiada), e que culmina na ainda hoje muito mal explicada tragédia de Dallas, no funeral de Estado e nos preparativos para abandonar o edifício, com a entrada em funções do novo presidente, Lyndon Johnson. Temos assim uma Jacqueline Kennedy devastada no seu luto, mas também a fazer História, tratando cuidadosamente da imagem do falecido marido para a posteridade, e da sua própria iconografia de viúva deste, e com direito de veto absoluto sobre a entrevista (Theodore H. White deu aqui lugar a um “Jornalista” sem nome, personificado por Billy Crudup, que se se tivesse apresentado à verdadeira Jackie com tão mau ar, de certeza que tinha ficado à porta).
[Veja a entrevista com o realizador Pablo Larraín]
Apesar de toda esta circulação temporal comprimida, “Jackie” é um filme bem mais convencional do que possa aparentar, sobretudo pelo recurso ao estratagema da entrevista, que nos introduz no mundo privado da retratada, presumivelmente mais próxima da “verdadeira” Jacqueline Kennedy do que qualquer outro filme, telefilme ou série anterior. A fita assenta totalmente nos ombros de Natalie Portman, muito parecida, quase uma sósia da verdadeira Jackie. Mas acaba por desabar. É que Portman, com a sua entoação demasiado arfante e afectada, mais próxima de uma caricatura da voz de Marilyn Monroe do que da voz da verdadeira Jackie, e sobretudo com o seu esforço muito óbvio, muito laborioso para se confundir com ela, nunca se consegue diluir na personagem e fazer-nos esquecer que há uma actriz a trabalhar por trás.
[Veja imagens da rodagem de “Jackie”]
Manufacturado a pensar em Óscares e numa reputação de prestígio, e não como mais um filme que vem garimpar especulação, drama e voyeurismo na já funda mas aparentemente inesgotável mina dos Kennedy, “Jackie” acaba por falhar nestes dois objectivos. De forma tão clara como Natalie Portman deixa muito, demasiado, a desejar na sua personificação de Jacqueline Kennedy.
[“Jackie” estreia-se em Portugal esta quinta-feira, dia 9]