Jay Kay é um tipo cheio de atitude. Esta semana, num concerto em Paris, deu-se ao luxo de não tocar “Virtual Insanity”, a canção mais popular que escreveu (a mesma que tem aquele videoclip insuperável); e quando o espectáculo acabou, dizem uns quantos relatos que Jay zarpou a comandar o próprio helicóptero — isso mesmo: além de ter um helicóptero, ainda o conduz. Uma maravilha.
Ora se assim é quando está no palco, não é menos em estúdio. Sete anos separam o novo Automaton do anterior Rock Dust Light Star e se é para fazer um novo disco com um intervalo desta categoria, Jay Kay e a sua garotada vão com tudo. Todos os rótulos que lhe foram associados estão aqui: funk-disco-acid-vamos-lá, com a coolness dançante de quem começa a festa às quatro da manhã e depois logo se vê.
Não há aqui grandes preliminares nem sedução, por estes dias a rapaziada tem menos tempo para perder com entretantos. “Hot Property”, “Nights Out in the Jungle”, “Shake it On”, “We can do it”: se fossemos só pelos títulos das canções podíamos jurar que isto estava entre uma daquelas aulas nervosas das coisas fitness e o clube de vídeo dedicado aos filmes de amor sem história. E há quase sempre uma base digital oito bits em volta do som, entre o filme “Tron” e os Daft Punk (e atenção que os segundos fizeram a banda sonora do remake do primeiro, bate tudo certo). O cowboy do espaço, como Jay Kay se auto-intitulou em tempos, parece ter deixado de vez o gado bravo para se dedicar aos veículos espaciais. Sexo e mais sexo, num futuro meio distópico. Um curioso paradoxo, este: quando um apocalipse digital se aproxima, Jay diz que o melhor é resolver os problemas pele com pele. Safado.
[o vídeo para “Automaton”:]
Não se dá mal, provavelmente isso nunca lhe vai acontecer. Tem mais que jeito para aquele jogo de mão na anca enquanto o baixo e a bateria envolvem tudo. Os tiques do género (e dos próprios Jamiroquai) aparecem todos, mas isso não basta para fazer esquecer “Space Cowboy”, “Cosmic Girl” ou “Love Foolosophy”. Não sabemos se este Automaton vai deixar heranças do mesmo calibre quando as canções tiverem de viver sozinhas. Mas a verdade é que o álbum é um desafio ganhador para quem estava há sete anos para regressar. Numa de “se é para voltar, então que valha a pena”. Dito e feito.
Jamiroquai é nome confirmado para o Meo Sudoeste deste ano. Por um lado, o ambiente de farra estival fica-lhe bem; por outro, haverá de certeza quem vá bater o pé em sinal de razoável contentamento enquanto alimenta a esperança inevitável: “Será que eles vão tocar a ‘Virtual Insanity’?”. Vai ser sempre uma pena se ela não aparecer mas, por outro lado, para quem anda a reinventar-se há quase 25 anos, guardar esse trunfo é uma jogada decisiva, é marcar uma posição quando há um novo disco que quer fazer diferente como há muito Jay Kay não conseguia.