Maria Helena da Rocha Pereira foi a primeira mulher doutorada pela Universidade de Coimbra, em 1956, onde deu aulas até se jubilar, em 1995, e onde foi também a primeira professora catedrática. Considerada a mais reputada especialista portuguesa em Estudos Clássicos, com uma obra vasta que envolve mais de 300 livros e artigos publicados em Portugal e no estrangeiro, morreu esta segunda-feira, com 91 anos, confirmou fonte da reitoria da universidade.

A investigadora nasceu no Porto, em 1925, e dedicou a sua carreira a estudar as influências clássicas na literatura e cultura portuguesas, analisando inúmeros poetas: Camões, Pessoa, Camilo, Torga e muitos outros. Alguns dos seus principais trabalhos podem encontrar-se nas obras ‘Temas Clássicos na Poesia Portuguesa’ (1972), ‘Novos Ensaios sobre Temas Clássicos na Poesia Portuguesa’ (1982) e ‘Portugal e a Herança Clássica e Outros Textos’ (2003).

Maria Helena da Rocha Pereira dedicou a sua atenção a mais áreas, como o latim medieval e a arte grega, em especial a pintura de vasos. Do estudo dos grandes autores gregos e latinos, outra das áreas relevantes da sua actividade, resultaram duas antologias. A ‘Hélade’, antologia da cultura grega, foi uma delas.

Numa grande entrevista a Anabela Mota Ribeiro, publicado no suplemento do Diário de Notícias, DNa, em dezembro de 2003, Maria Helena da Rocha Pereira falou da sua infância, da família e da carreira. Recordou até o palacete onde nasceu e viveu até aos 18 anos, quando se mudou para Coimbra, e onde, aos seis anos de idade, ensinava as empregadas a ler.

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A maior parte das empregadas, ou quase todas, não sabiam ler. Gostavam de trabalhar na cozinha e eu lia-lhes poemas simples. Fazia-me confusão que alguém não soubesse ler. Considerava o saber ler, não direi um privilégio, mas uma vantagem. Aprendi muito cedo, aos quatro anos.”

Nunca casou ou teve filhos, mas tinha “quatro sobrinhos” que adorava. Dedicou a sua vida a estudar os clássicos, dedicação essa que permitiu a que hoje existam em português edições clássicas como a ‘República’ de Platão ou ‘As Bacantes’ de Eurípides, por exemplo. Traduziu ainda a ‘Medeia’ e a ‘Antígona’ a pedido do grupo de teatro da universidade, mas a tradução não era a sua atividade favorita, como reconheceu na mesma entrevista.

Viajava com alguma regularidade. Estudou em Oxford, nos anos 1950, e tinha uma especial admiração por França – “em Parishavia por todos os lados raminhos de flores: ‘Aqui caiu fulano, lutando pela liberdade’ – e por Inglaterra – que era “um país de pé. Era extraordinária a consciência cívica, o espírito de resistência e de vitória”, confessou. O conceito de Felicidade no Além foi o tema da sua tese de doutoramento por, explicou depois, ser “um tema sedutor: o que é que um homem entende por Felicidade. E, neste caso, transposto para o Além”.

Além de ocupar os lugares de vice-reitora da Universidade de Coimbra e a presidência do Conselho Científico da Faculdade de Letras, dirigiu ainda as publicações Humanitas e Biblos. Recebeu várias distinções, entre as quais o Prémio de Ensaio do Pen Club (1988), a Grã-Cruz da Ordem de Sant”Iago de Espada, o Prémio Eduardo Lourenço e o Prémio Vida Literária APE.

As cerimónias fúnebres de Maria Helena da Rocha Pereira realizam-se a partir das 15h00 de terça-feira na igreja da Lapa, no Porto.