Uma espécie de “baile para os nerds que não foram convidados para o baile de nerds”, foi assim que a humorista Samantha Bee descreveu o evento que resolveu organizar este ano para competir com o baile de nerds oficial.
Gravado à tarde, também em Washington, para emitir à mesma hora e competir com a 131.ª edição do Jantar de Correspondentes da Casa Branca (o não-jantar na TBS, onde Bee, de 47 anos, apresenta Full Frontal; o jantar no C-Span), foi um sucesso. Tanto que, marcado inicialmente para o Willard Hotel, no 1401 da Pennsylvania Avenue, acabou por ter de ser transferido para o DAR Constitution Hall, com 3.962 lugares sentados, também nas imediações da Casa Branca mas não tão perto.
No jantar oficial, a que Donald Trump fez questão de faltar este ano, o comediante Hasan Minhaj (The Daily Show) recebeu os históricos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein (responsáveis pela investigação que revelou o escândalo de Watergate, que levou ao afastamento de Nixon, em 1974) e criticou o presidente ausente.
No Não-Jantar, Samantha Bee atacou violentamente, roast mode on, Donald Trump. Alegando fazer o mesmo sem parar há já 15 meses — “Há uma coisa em que eu e os meus críticos concordamos: são cinco meses a mais!” — convidou uma série de outros humoristas para queimarem o presidente. Kumail Nanjiani, ator da série Silicon Valley, foi um deles: “Trump é como aquele amigo esquisito do liceu, que aparece nas festas sem cerveja, bebe o álcool de toda a gente, trata as miúdas todas de forma estranha e, quando se vai embora, não condena crimes de ódio… Esperem! Recebi um alerta! O Trump acabou de condenar os crimes de ódio… Estava a brincar, não condenou nada”.
Bee dirigiu-se diretamente aos membros do Committee to Protect Journalists e aos jornalistas presentes na sala: “Por muito que adore provocar os media, sei que o vosso trabalho nunca foi mais difícil: basicamente são pagos para ficarem numa jaula enquanto um orangotango geriátrico grita convosco — é como um zoo ao contrário”. E ainda fez piadas sobre Richard Nixon, Ronald Reagan, Bill Clinton e Hillary Clinton.
Numa piscadela de olho a The Man in The High Castle, a série baseada no livro de Philip K. Dick que imagina como seria a vida nos Estados Unidos se Adolf Hitler tivesse ganho a Segunda Guerra Mundial, Samantha Bee inventou um 2017 alternativo em que Clinton bateu Trump.
“2017. Tem sido giro, não é, malta? A Hillary Clinton fez o juramento como presidente, os Patriots perderam o Superbowl, e todas as cópias do La la Land entraram em combustão espontânea. Faz agora 100 dias que a presidência de Clinton foi inaugurada e que começaram os preparativos para o impeachment. Raios, Paul Ryan! Deixa uma gaja tirar a mão da Bíblia… Uma semana depois de a presidente Clinton ganhar, ouvimos um zumbido bem alto. Ou foi o som da bala que quase nos atingiu a passar ou o vibrador do Bill O’Reilly [jornalista e comentador político conservador despedido da Fox em 2017]… Se alguém precisa de ir à casa de banho das senhoras vá agora; o staff da Hillary está todo cá por isso a fila vai ser longa. 51% do gabinete dela é composto por mulheres, o que provocou o primeiro protesto em massa visível desde o espaço: a Marcha dos Homens.”
Allison Janney — que retomou “o” papel da sua carreira e trouxe de volta à vida a secretária de imprensa C.J. Cregg, de Os Homens do Presidente (West Wing na versão original) — participou. Will Ferrell também.
Foi Ferrell, por acaso também intérprete do pior jornalista do mundo (Ron Burgundy, em Anchorman), e não o verdadeiro ex-presidente, um dos convidados especiais da noite. O boneco de George W. Bush é antigo e foi celebrizado pelo ator no programa Saturday Night Live. O número foi adaptado à nova realidade norte-americana.
“Então? Agora já gostam de mim? O filho pródigo voltou. Não sei o que é que isso quer dizer, mas sei que é positivo. É muito pródigo. Atualização presidencial rápida: tenho estado bastante bem, obrigado. A História tem sido mais meiga para mim do que muitos de vocês previram. Durante muito tempo, fui considerado o pior presidente de todos os tempos. Isso mudou. E só foram precisos 100 dias! Eu precisei de 8 anos, de uma cheia catastrófica, de uma guerra baseada numa mentira e de um desastre económico. O novo tipo precisou de 100 dias. Agora é ele que é considerado o pior presidente de sempre. Eu sou o segundo. Não me importo. Nunca ninguém se lembra do segundo lugar”.
Donald Trump, sempre tão rápido a responder a provocações na sua conta de Twitter, não se manifestou sobre as piadas de que foi alvo no Não-Jantar. Nem no Jantar, aliás, a que Samantha Bee não deixou de fazer referência: “O criador do Make America Great Again fugiu da Guerra do Vietname, fugiu de dois debates Republicanos, e agora fugiu do Jantar dos Correspondentes. Acho que já sabemos porque é que ele anda sempre com aquelas calças largueironas à velho: é porque está constantemente a borrar-se todo”.