Iniciada no princípio do século passado e movida pelo entusiasmo do seu criador, o empresário e entusiasta por automóveis Vincenzo Florio, só as guerras obrigaram à interrupção, e ainda assim por breves períodos, da Targa Florio. Mas nem isso beliscou o sucesso de uma das mais antigas e míticas provas automobilísticas italianas, e do Velho Continente.

Actualmente já sem a adrenalina e perigosidade de outros tempos, a Targa Florio é hoje encarada mais numa perspectiva de passeio para automóveis clássicos, do que como uma competição pura e dura, disputada nas estradas estreitas das montanhas sicilianas. Mas continua, mesmo passados mais de 100 anos, a agitar corações.

Reconhecida durante muitas décadas como uma das mais duras e difíceis competições automóveis realizadas na Europa, desde logo pelo facto de ter o seu traçado nas estradas de montanha em redor de Palermo, a Targa Florio começou pouco antes do virar do século passado, em 1906, tendo sido fundada por aquele que foi também um dos pioneiros do automobilismo em Itália. O abastado industrial italiano Vicenzo Florio, para a primeira edição, imaginou um percurso na sua Sicília natal, com partida e chegada na localidade de Cerda, passando por Caltavuturo e Collesano (a uma altitude de 600 metros acima do nível do mar), assim como por Campofelice di Rocella.

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Nessa primeira edição, com os participantes obrigados a cumprir três voltas ao trajecto, num total de 446 quilómetros, a vitória acabou por pertencer a um italiano: Alessandro Cagno, ex-funcionário da ainda jovem F.I.A.T. (Fabbrica Italiana Automobili Torino) e que, entretanto, se havia mudado para a rival Itala, com a qual conseguiu terminar o percurso em nove horas, à estonteante velocidade média de 50 km/h.

Até 1911 e depois em 1931, ano em que regressou à configuração inicial, a corrida realizar-se-ia sempre naquele que ficaria para a história como o seu primeiro traçado. Para, entre 1912 e 1914, passar a disputar-se num percurso bem mais extenso, em redor do perímetro da Sicília e com um total de 975 quilómetros, que ficaria conhecido como “A volta à Ilha”. Desse tempo, fica o nome de Giovanni “Ernesto” Ceirano, piloto italiano que, em 1914, ao volante de um SCAT, completou o traçado em 16h51m31,6s, estabelecendo aí o recorde desse percurso.

Até à interrupção decretada pela II Guerra Mundial, tempo ainda para, já com o traçado encurtado para 108 km, embora com os pilotos a terem de cumprir várias voltas, perfazendo totais entre os 432 e os 580 quilómetros, outro italiano, Achille Varzi, fixou em 1931, ao volante de um Bugatti Type 51, um novo recorde. Desta feita, graças ao tempo de 2 horas, 3 minutos e 54,8 segundos.

Antes e depois da Guerra

Com a Europa arrasada pela II Grande Guerra, a Targa Florio voltaria apenas em 1948, com o traçado mais longo de sempre: 1.080 km. Percurso que, embora tendo sido mantido apenas durante três anos, permitiu à dupla Mario e Franco Bornigia, ao volante de um Alfa Romeo 6C Competizione, inscreverem o seu nome na história, ao terminarem a edição de 1950 com o tempo 12h26m33s.

A partir de 1951, a competição imaginada por Vicenzo Florio adoptaria novo percurso, que devido aos seus apenas 72 km de distância, ficaria para a história como o “Piccolo Circuito”. Se bem que os pilotos tivessem de cumprir várias voltas ao traçado, o que os obrigava a quilometragens que variavam de ano para ano, entre os 359 km fixados em 1957 e os 1.008 estipulados em 1958 e 1959.

Jo Siffert na Targa Florio de 1970, aos comandos do Porsche 908/3 vencedor, que dividiu com Brian Redman

Desse período, sobressai o resultado alcançado pelo finlandês Leo Kinnunen, que em 1972, ao volante de um Porsche 908/3, fez uma volta na Targa Florio em 33m36s, à velocidade média de 128,571 km/h. O que, num traçado desenhado praticamente só em estradas de montanha, com cerca de 900 curvas, foi obra!

Também nesse período, mais concretamente em 1955, a prova italiana passou a integrar o FIA World Sportscar Championship, competição criada dois anos antes, e que veio trazer ainda mais notoriedade a um evento que já então reunia atenções na Europa e no mundo. Mas da qual a Targa Florio acabaria por sair em 1973, devido à falta de segurança e na sequência daquela que foi uma das edições mais negras do evento criado por Vicenzo Florio.

A tragédia

Numa prova disputada em estradas do dia-a-dia, localizadas em plena montanha e sendo particularmente estreitas, com carros cada vez mais rápidos e pilotos cada vez mais destemidos, a tragédia atingiu, em força, a edição de 1973 da Targa Florio. O azar surgiu logo nos treinos, com vários acidentes a terminarem com espectadores feridos, os quais tiveram posteriormente de ser encaminhados para o hospital.

Já no dia da corrida, o piloto britânico Charles Blyth acabaria por falecer na sequência de um embate do seu Lancia Fulvia HF contra um atrelado, que se encontrava estacionado. Pouco depois, seria a vez de um piloto italiano se despistar, ao volante de um Alpine-Renault, indo de encontro a um grupo de espectadores e acabando por provocar a morte de um deles.

Excluída no ano seguinte do campeonato FIA, por motivos de segurança, a Targa Florio regressaria a um âmbito apenas nacional, mas não a águas calmas. Pelo contrário, apenas quatro anos passados, em 1977, nova sucessão de acidentes obrigava ao cancelamento da prova logo à quarta volta, com apenas 288 quilómetros cumpridos. Um dos carros em prova havia-se despistado nas curvas do traçado, provocando a morte a um espectador e ao próprio piloto, além de ferimentos graves em cinco outras pessoas que se encontravam a assistir.

Mas apesar destes incidentes, dificilmente a Targa Florio poderá ser considerada uma prova amaldiçoada. Em 61 edições realizadas, até 1977, há a registar nove vítimas, entre pilotos e espectadores. Número lamentavelmente elevado, mas ainda assim substancialmente inferior ao registado, por exemplo, nas Mille Miglia, outro dos mais icónicos eventos automobilísticos realizados em solo italiano, que em apenas 24 edições somou 56 fatalidades. Ou, por exemplo, ao da Carrera Panamericana, que em apenas cinco corridas vitimou 25 pessoas. Mas estes eram anos diferentes: o perigo era visto como parte da animação, tornando a competição ainda mais emblemática.

Os melhores campeões

Numa prova que desde cedo cativou interesse e despertou paixões, vários foram os nomes famosos do desporto automóvel mundial que fizeram questão de disputar a Targa Florio. Como foi o caso, entre muitos outros, do italiano Tazio Nuvolari, famoso piloto de corridas, não só de carros, mas também de motos, que venceu por duas vezes (1931/32) a prova, ao volante de um Alfa Romeo 8C-2300 Monza. Ou ainda de Sir Stirling Moss, piloto britânico que, entre 1951 e 1961, competiu na Fórmula 1, sagrando-se por quatro vezes vice-campeão do mundo (1955/56/57/58). Moss, além do sucesso alcançado nas Mille Miglia, onde conseguiu suplantar o quase imbatível Juan Manuel Fangio (na F1, por exemplo, nunca conseguiu ficar à frente do argentino e sagrar-se campeão), também venceu, nesse mesmo ano de 1955, a Targa Florio. Embora aqui, com outro britânico a seu lado: Peter Collins.

Sir Stirling Moss foi um dos pilotos de nomeada a vencer a Targa Florio

Já quanto aos fabricantes automóveis, de uma extensa lista de participantes, alguns deles entretanto já desaparecidos (Itala, Isotta Fraschini, S.P.A., SCAT, Nazarro e outros), destaque para o papel desempenhado pela alemã Porsche, vencedora de 11 edições da prova até 1977, com o domínio a manifestar-se a partir de meados da década de 50 do século passado. E que levou, inclusivamente, a que a marca germânica desse à sua versão descapotável de tejadilho rígido do 911, precisamente o nome da prova italiana: Targa.

Logo atrás do construtor alemão, com 10 triunfos, surge a primeira marca italiana, a Alfa Romeo, cujo domínio adquiriu uma maior preponderância na década de 30. Sendo que, no ranking dos vencedores, só depois surge a mítica Ferrari, no terceiro lugar, com sete vitórias. Contudo, é a marca do Cavallino Rampante que reúne o maior número de voltas mais rápidas em cada uma das edições: nada menos do que 10.

Desfile de peças com história

Ultrapassados os tempos de intenso confronto entre pilotos e marcas, a histórica Targa Florio acabou por perder a sua vertente de competição, estando hoje transformada numa espécie de passeio para automóveis desportivos clássicos, ainda e sempre ao longo das belas estradas de montanhas no centro da Sicília. E vivendo, em grande parte, do interesse que a Alfa Romeo sempre desmonstrou pela competição desde a primeira hora, esforçando-se para manter viva uma das mais antigas provas de automobilismo do Velho Continente.

Depois de, ao longo das 100 edições anteriores, terem sido utilizados três circuitos distintos, com extensões diferentes, passando por lugares que se converteram no verdadeiro coração simbólico do Targa Florio, a 101.ª edição do evento, agora denominada Targa Florio Classica, partiu do Museo dei Motori e dei Meccanismi em Palermo e passou por Caltavuturo, Castellana Sicula, Petralia Sottana, Geraci Siculo e Castelbuono, com uma paragem no Chiostro di San Francesco. Seguindo-se as sessões de qualificação em Campofelice di Roccella – no famoso Floriopoli, com a zona de bancadas e boxes próximo de Cerda -, Termini Imerese e, finalmente, Trabia. No total, 305 km de adrenalina.

13 fotos

Sobre Caltavuturo, a Alfa Romeo recorda-se tratar-se não só do coração da região montanhosa de Madonie, mas também o coração da Targa Florio. Com Castelbuono a surgir como a maior cidade de Madonie e, nesta edição da Targa Florio Classica, local previsto para uma retemperadora paragem de pilotos e máquinas.

Já quanto a Cerda, que foi desde sempre uma etapa da competição, tem como percurso 11 voltas ao circuito Floriopoli Grandstand (Cerda – Caltavuturo – Scillato – Collesano – Campofelice di Roccella – Floriopoli Grandstand), num total de 72 km.

De recordar que, nas primeiras edições da Targa Florio, a corrida começava e terminava na recta Buonfornello. Sendo que só mais tarde é que Vincenzo Florio teve uma área com bancadas e boxes construídas no início da estrada SS 120 Etna, a poucos quilómetros de Cerda.

Finalmente e para o quarto e último dia, a ligação entre Monreale – o retiro dos reis normandos e a partir de onde governaram a Sicília – e Segesta, a aproximadamente 15 quilómetros de Alcamo e de Castellammare del Golfo. Onde, salienta a Alfa Romeo, os vestígios da antiga cidade grega são um dos locais arqueológicos mais impressionantes do mundo. Para, então, tudo terminar, mais uma vez e como manda a tradição, em Palermo.

Mais do que a competição de automóveis clássicos, a Targa Florio é uma excelente forma de conhecer a Sicília, as sua história e tradições, mas igualmente a sua gastronomia e o seu artesanato, que pode ver com algum detalhe através destes vídeos:

História e cultura

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Doçaria

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Artesanato

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Gastronomia

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