Lula da Silva esteve quase cinco horas a ser ouvido pelo juiz Sérgio Moro, em Curitiba. A audição era à porta fechada, mas foram divulgados vários vídeos com as declarações do ex-presidente brasileiro. Lula diz-se inocente, lamenta-se do impacto que o processo Lava Jato teve na sua vida, acusa a Justiça de matar a mulher, que não resistiu a um AVC, em fevereiro deste ano, e de ter montado uma caça ao homem.

As 22 frases mais marcantes do frente-a-frente com o juiz (em que houve até tempo para um “aviso” do ex-presidente ao magistrado, um dos principais rostos do mega-processo judicial sobre corrupção) seguem dentro de momentos.

Lula foi corrompido?

O ex-presidente garante que não.

Nunca solicitei e nunca recebi nenhum triplex”.

Aliás, Lula diz que não sabia sequer que a mulher tinha visitado o apartamento — o tal triplex, localizado no Guarujá, litoral do Estado de São Paulo — que a Justiça acredita ter servido como suborno da empresa OAS para que o ex-presidente facilitasse a celebração de contratos entre a construtora e a petrolífera brasileira Petrobras. “Eu nem sabia que tinha havido visita” em 2014, garantiu.

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Segundo Lula, a mulher “já sabia” que o ex-presidente “não queria o apartamento”, o que não evitou que tivesse feito pelo menos duas visitas ao mesmo, uma das quais na companhia do filho.

Certamente ela ia dizer que não queria mais o apartamento, porque, quando fui ao apartamento, eu percebi que era praticamente inutilizável por mim pelo facto de eu ser, independentemente da minha vontade, uma figura pública e eu só poderia ir naquela praia ou segunda-feira ou quarta-feira de cinzas”, disse Lula sobre a segunda visita de “dona Marisa” ao triplex. “Eu não ia ficar com o apartamento, mas a dona Marisa ainda tinha dúvida se ia ficar para fazer negócio ou não”, explica.

Num outro ponto, Sérgio Moro questiona Lula sobre uma conversa acerca do triplex. Lula recordava-se. “Foi em 2013, no Instituto [Lula da Silva], estava comigo o companheiro Paulo Okamotto, e o Léo [Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS] começou a mostrar a ideia do apartamento. O Okamotto perguntou quanto era o metro quadrado e o Léo respondeu um valor que eu não me lembro qual e o Okamotto só falou: ‘Você sabe, Léo, que o preço tem que ser o de mercado, mas eu sou contra o Lula comprar’. Foi só isso”, afirmou Lula.

Houve manobras ilegais na formação do Governo?

No âmbito do processo, os procuradores foram aflorando as movimentações partidárias em torno das cadeiras do poder. E, claro, da cadeira com o maior dos poderes. As suspeitas de que a negociação de lugares para o Governo tem por base pagamentos ilegais levaram Sérgio Moro a pedir a Lula que explicasse esse processo.

Logo a começar, uma confissão do ex-presidente:

Eu ganhei as eleições em 2002 com uma base eleitoral [partidária] que eu nem lembro bem”.

Depois, a explicação de como se chega ao poder. “Eu montei o governo, eu escolhi o primeiro escalão”, começou por explicar. “O meu primeiro escalão tinha vários ministros que não eram sequer de partidos políticos. E montei ministros com partidos aliados. Ora, o presidente escolhe o primeiro escalão e o presidente delega a quem de responsável monta o segundo escalão. E obviamente essas pessoas vão discutindo com os partidos aliados e com as bancadas. Foi assim”.

Lula começou e terminou os seus mandatos com níveis de popularidade elevados. A sua sucessora, nem tanto. Culpa (da) própria, considera o ex-presidente.

Eu fazia reuniões sistemáticas com os líderes de partido. Se a presidente Dilma tivesse me seguido, não teria tido impeachment“.

Um processo contra um homem

Na base da audição de Lula desta quinta-feira esteve o processo judicial que envolveu vários partidos e figuras proeminentes da política brasileira. Para Lula, tudo não passa de uma perseguição ao homem. “Estou sendo vítima da maior caçada jurídica que um político brasileiro já teve. Eu, quando fui eleito, eu tinha um compromisso de fé. Eu me espelhava no [Lech] Walesa, na Polónia, que depois de ter sido presidente tentou se reeleger e teve apenas 0,5%”, sublinhava o ex-presidente a Sérgio Moro.

Como eu considero esse processo ilegítimo e a denúncia uma farsa, eu estou aqui com respeito à lei, à nossa constituição, mas com muitas ressalvas aos procuradores da Lava Jato”, deixava claro perante o juiz.

O momento mais pessoal — e duro, no que toca a acusações feitas por Lula à Justiça — surgiu quando o ex-presidente, cansado das perguntas sobre a sua mulher, fez uma ligação entre as suspeitas levantadas contra a si e a sua família no âmbito da Lava Jato e a morte de Marisa Letícia. O momento deu lugar a uma troca de palavras entre Lula e Moro.

Eu só queria, dr. Moro, pedir uma coisa: é muito difícil para mim toda hora que o senhor cita minha mulher sem ela poder estar aqui para se defender”, começou Lula.

Moro respondeu: “Eu não estou acusando ela de nada, senhor ex-presidente”.

E Lula atirou: “Eu sei que não, mas o senhor pergunta coisa, se eu vi, se eu não vi. É uma pena… E uma das causas que ela morreu foi a pressão que ela sofreu”.

Não foi o único momento em que os dois protagonizaram um “bate boca” durante a audição.

O que aconteceu nos últimos 30 dias vai passar para a história como o mês Lula. Porque foi o mês em que vocês trabalharam, sobretudo o Ministério Público, para trazer todo mundo para falar uma senha chamada Lula. O objetivo era dizer Lula. Se não dissesse Lula, não valia”, acusou o político.

“O senhor entende que existe uma conspiração contra o senhor?”, questionou Moro.

Lula respondeu, carregado de críticas que lançou sobre um dos instrumentos fundamentais para a investigação ao gigantesco caso de corrupção:

Não, eu entendo e acompanho pela imprensa que pessoas como Léo Pinheiro [ex-presidente da construtora OAS], que está já há algum tempo fazendo delação. Primeiro, ele foi condenado a 23 anos de cadeia. Depois se mostra na televisão como se vive de nababo [luxo] dos delatores. […] Delatar virou quase o alvará de soltura dessa gente. […] O contexto está baseado num PowerPoint malfeito mentiroso da Operação Lava Jato”

Sérgio vs. Lula: os dois protagonistas no palco principal

Na audição a Lula da Silva, Sérgio Moro quis deixar claro um ponto prévio. “Não tenho qualquer desavença pessoal em relação ao senhor ex-presidente”. Estaria Lula nervoso pelo interrogatório do juiz?

Eu vim aqui preparado para responder tudo o que perguntarem e para não ficar nervoso. Se tem uma coisa que eu me preparei é para não ficar nervoso”, admitiu Lula.

Lula teve tempo para se preparar para o interrogatório. E chegou disposto a falar. “Não tem pergunta difícil, doutor, quando alguém quer falar a verdade, não tem pergunta difícil”, garantiu Lula.

Coisa diferente são as muitas informações processuais que foram sendo publicadas desde o início do processo. E, aí, Lula não poupou o magistrado. “O senhor, talvez sem querer, entrou nesse processo, porque o vazamento de conversas da minha mulher e com meus filhos, foi o senhor que autorizou. Eu não tinha o direito de ter minha casa molestada sem que eu fosse intimado para uma audiência. Nunca ninguém me convidou. De repente, eu vejo um pelotão da Polícia Federal, levantam até um colchão da minha casa achando que eu tinha dinheiro, doutor”.

A audição não terminou sem um aviso. Remetente: Lula da Silva. Destinatário: Sérgio Moro. Foi assim:

Eu queria avisá-lo de uma coisa, esses mesmos que me atacam hoje, se tiverem sinais de que eu serei absolvido, prepare-se, porque os ataques ao senhor vão ser muito mais fortes”.