De um lado estava a engenharia florestal e um emprego seguro para a vida. Do outro, o cacau e o risco de deixar tudo em troca de uma aventura que podia ser doce como um bombom, ou amarga como o limão. Gulosa assumida, Raquel Lima escolheu mudar de rumo e dedicar os seus dias a fazer bombons, tabletes de chocolate vegan e lollypops artesanais. Criou a Pedaços de Cacau e um dos seus bombons, o de limão, até já ganhou uma estrela nos “Óscares” da comida.
E tudo começou da forma mais casual possível. “No Natal de 2013 eu queria oferecer algo feito por mim e não queria dar bugigangas, queria dar algo que desse prazer”, recorda ao Observador. Como gosta tanto de chocolate, lembrou-se de fazer bombons. Comprou as formas e o chocolate e, da sua cozinha, saíram bombons tão bons ou melhores do que muitos dos que se compram por aí, com o carinho como ingrediente surpresa. “Foi um sucesso, toda a gente gostou.”
Como qualquer gulosa, Raquel ficou com alguns em casa. No entanto, com o passar dos dias, reparou que os bombons começaram a ficar “esbranquiçados, com mau aspeto”. Ao saber de um workshop especializado, inscreveu-se para perceber o que tinha corrido mal. “A partir do momento em que entrei no workshop nunca mais quis outra coisa”, recorda. Aprendeu que era preciso temperar o chocolate, por exemplo. “Saí de lá maravilhada, comprei material e fui logo experimentar.”
Os bombons que saíam da sua cozinha começaram a ficar tão bons que uma amiga lhe fez uma encomenda considerável para levar numa viagem a Paris. “Nessa altura eu pensei: ‘se isto vai lá para fora, tem de ter etiqueta, tem de ter um nome'”. Chamou-lhe Pedaços de Cacau, registou a marca, pediu a uma amiga para fazer o logótipo e licenciou a sua cozinha. Estávamos em 2014, ano de crise. Raquel Lima era uma das licenciadas no país com a sorte de ter trabalho na área, com contrato sem termo e com uma vida estável. Era difícil largar a segurança da engenharia florestal pelo incerto do chocolate.
“Foi uma decisão difícil”, recorda. “Mas já estava cansada de estar sempre à frente de computadores. Estava a faltar-me o contacto com as pessoas, o fazer, o ter feedback. Faltavam-me os sentimentos e eu no chocolate ponho os sentimentos, todos os dias estou a criar bombons diferentes.”
O feedback foi um dos grandes fatores a pesar na sua decisão: ganhou uma estrela no Great Taste Awards, conhecidos como os Óscares da comida, para o seu bombom de limão. No ano passado, o bombom de caramelo recebeu uma medalha de prata no Concurso Nacional de Chocolates Tradicionais e o bombom de mel ganhou a medalha de ouro. Este ano, o seu bombom de laranja foi mesmo o vencedor do prémio Melhor dos Melhores, enquanto as tabletes pimenta rosa e laranja e noz ganharam a medalha de prata.
Desde janeiro que se dedica a 100% ao chocolate. Da sua cozinha saem diariamente 600 bombons, com vários recheios como mel, frutos silvestres, caramelo, creme de avelã, chocolate crocante, café, praliné, morango, maracujá e vinho do Porto. Depois há os sazonais. Como o especial de São João que vai ser lançado agora, inspirado na cidade de Raquel, o Porto, e com sabor a manjerico. Uma caixa com quatro bombons custa 4,20€, a de nove bombons custa 8,90€ e a de 16 sobe para 16,50€.
Todos os bombons têm mais de 54% de cacau. As tabletes — coco e amêndoa, gengibre e canela, hortelã-pimenta, malagueta e flor de sal, laranja e noz, e pimenta-rosa — ainda são mais saudáveis, com 72% de cacau. “Eu sou uma consumidora diária de chocolate, tinha de ir ao encontro daquilo que eu como todos os dias e quanto mais cacau, mais saudável, menos açúcar e menos manteiga de cacau”, explica. As percentagens são o resultado de várias experiências e provas. “72% porque com outra percentagem o chocolate ia ser tão intenso que ia anular qualquer outro sabor que eu colocasse. Nos bombons a mesma coisa, o recheio lá dentro tem de ter um equilíbrio perfeito entre o chocolate e o recheio.”
As tabletes de 30 gramas custam 1,95€ e as de 100 gramas 4,50€. São todas vegan. Para além de bombons e tabletes, Raquel Lima também faz lollypops, chocospoons para fazer chocolate quente e chocolates temáticos. Em comum têm todos uma coisa: o chocolate provém de cacau plantado em plantações sustentáveis da África Ocidental. “Para mim é importante ter sustentabilidade e um cuidado com os agricultores”, explica a ex-engenheira florestal, que deixou para trás a profissão mas manteve a preocupação com o ambiente. O chocolate não está certificado como de comércio justo, mas Raquel Lima garante que existe uma preocupação em pagar um valor mais justo aos agricultores e dar-lhes formação. “Só de saber que não abatem as árvores todas, que há uma política florestal, isso agrada-me.”
No futuro, a Pedaços de Cacau quer ter um espaço próprio. Por enquanto, recebe encomendas na loja online e também se encontra em espaços como a Cardamomo, em Leça da Palmeira, a 100 Pecados e o Cantinho das Aromáticas, em Vila Nova de Gaia.
Todos os produtos são feitos à mão por Raquel Lima, que deixa um conselho a quem está hoje preso a uma profissão que já não lhe dá alegria, como ela estava: “Se a pessoa tem um hobby e gosta verdadeiramente dele, deve arriscar porque, quando se faz com amor o que nós gostamos, o negócio vai vingar.”