Que os ingleses e os franceses nem sempre se deram bem já todos sabíamos. Agora, o que poucos provavelmente sabem é que foi um arrufo entre ambos que acabou por desencadear a estreia da Taça dos Clubes Campeões Europeus. Que teve o primeiro jogo de sempre em 1955. Em Portugal. No Jamor.
Numa altura em que havia Mitropa Cup e Taça Latina (que o Benfica chegou a ganhar), um jogo entre o Honved e o Wolverhampton mudou tudo. Os ingleses venceram por 3-2 os húngaros e, no dia seguinte, os jornais titulavam “Somos campeões do Mundo!”. Gabriel Hanot, reputado jornalista francês do L’Équipe, não gostou. “Será melhor que viagem até Moscovo ou Budapeste para vermos qual é de facto a melhor equipa da Europa”, escreveu, recordando também outras grandes equipas como Real Madrid ou o AC Milan.
Hanot juntou-se a mais três jornalistas e começou a idealizar uma prova que fosse capaz de juntar as melhores equipas da Europa. O L’Équipe gostou, deu o aval e foram enviados convites para 18 federações já com os clubes atribuídos à frente. No caso de Portugal, como o Sporting tinha ganho o Campeonato de 1953/54, naquele que foi o sétimo título em oito anos, os leões foram eleitos.
Ainda assim, e como a UEFA preferia avançar com o projeto da Taça das Cidades com Feira, a FIFA teve de definir regras e avalizou não só essa prova da UEFA mas também o projeto do jornal L’Équipe e a Mitropa Cup. Só mais tarde, em maio de 1955, o organismo que tutela o futebol europeu assumiu o compromisso de coordenar a nova Taça dos Clubes Campeões Europeus. O Benfica ganhara entretanto o título em Portugal, mas nem isso mudou a ideia dos responsáveis em relação ao clube que deveria representar o nosso país – aí ainda se utilizava o sistema de convite em detrimento da entrada do campeão.
Como a primeira eliminatória decorreu entre setembro e novembro de 1955, quis a sorte que o encontro inaugural fosse o Sporting-Partizan de Belgrado. Que, como o clube verde e branco ainda estava a concluir o José Alvalade (que inauguraria no ano seguinte), se realizou no Estádio Nacional.
Após três meses sem jogos, o Jamor encheu-se de adeptos de futebol para ver o encontro que terminaria com o empate a três golos (na segunda volta, os leões perderiam por 5-2). Não foi preciso muito tempo para se perceber que o Partizan tinha outro andamento e qualidade, mas apesar da superioridade dos visitantes, o conjunto por Alejandro Scopelli conseguiu um resultado honroso. João Martins, com um golo aos 14 minutos, ficou na história como o primeiro a marcar na Taça dos Clubes Campeões Europeus, hoje Champions.
4/09/1955 – O #SportingCP joga o 1.º jogo da @ChampionsLeague, com João Martins a fazer o 1.º golo da competição. pic.twitter.com/lp8uAjHSV1
— Sporting CP ???? (@SportingCP) September 4, 2016
Nascido a 3 de setembro de 1927, João Martins começou a jogar no Sport Lisboa e Sines enquanto trabalhava como corticeiro. O futebol abriu-lhe novas janelas de oportunidade, mas nunca fechou a porta a outros trabalhos além da bola. E foi por pouco que, em vez de jogar no Sporting, não assinou pelo CUF.
Alfredo Trindade, uma das grandes glórias do ciclismo nacional e a figura que, a par de José Maria Nicolau, potenciou a rivalidade (então positiva, sempre com grande desportivismo) entre Sporting e Benfica na Volta a Portugal, agarrou nele e trouxe-o para Lisboa, mas como estávamos nos tempos em que os leões ganhavam tudo, jogou pelo seguro e foi à experiência ao CUF. Passou. Mas como nunca lhe arranjaram outro emprego, ao contrário do que a formação verde e branca fez, foi mesmo para o Sporting. Recebeu 100 escudos para assinar (bom valor, naquela altura) e 400 escudos por mês.
Ao longo de 13 anos (o primeiro fora da equipa principal), ganhou sete Campeonatos, uma Taça de Portugal e foi internacional, acumulando histórias curiosas entre os 163 golos apontados: chegou a ser guarda-redes por necessidade, nunca foi expulso e entregou de bandeja um título ao rival Benfica, quando apontou o 2-2 na deslocação ao Restelo em 1954 a quatro minutos do fim da última jornada, numa altura em que o Belenenses liderava o Campeonato à frente dos encarnados.
Viria a morrer em França, em 1993, para onde foi como operário fabril depois de ter deixado de jogar futebol.