A sorrir, sisudas, mascaradas, em lingerie, de turbante, com a língua de fora ou a fazer um manguito. Sem medos. Confiantes e bonitonas, como só elas sabem. É assim que as velhas pintadas por Maria Seruya, de 36 anos e designer de formação, se apresentam.
O projeto que criou há um ano, o Velhas Bonitonas, surgiu por acaso, “de forma muito genuína”, como a autora conta. Numa mesa de café, sempre numa mesa de café, com lápis de cor, carvão, aguarela e tinta da china, Maria desenha e pinta velhas.
“O café é o sítio onde me sinto bem, é o meu atelier. Rodeada de pessoas sinto-me concentrada. Por isso, estou sempre a descobrir cafés para pintar, em Cascais ou em Lisboa. Padaria Portuguesa, Brasileira, House of Wonders, são muitos”, conta Maria ao Observador. Nesses sítios, a artista pinta em formatos pequenos — A5, A4 e A3. Quanto às modelos, as Velhas Bonitonas, não estão sentadas na esplanada do mesmo café; partem da inspiração vinda de imagens que vê um pouco por toda a parte ou das que a sua própria imaginação concebe. “No fundo, pego numa imagem e depois ‘vou por ali fora’. A minha maneira de pintar é muito espontânea, rápida e despreocupada”, acrescenta.
O requisito para que as velhas imaginadas passem para o papel é o mesmo que usa como slogan para apresentar a série de retratos: as que “ousam ser quem querem, sem complexos nem culpas”. O projeto dedica-se a retratar a liberdade de espírito e a força da velhice feminina.
Dentro da coleção Velhas Bonitonas existem séries temáticas que caraterizam grupos: há as Belas Adormecidas, as Fashionistas, as Tias de Cascais, as Malvadas, as Noivas aos 90, as Choronas, as Trombudas e as Mascaradas. Muitas vezes, elas próprias são um veículo para transmitir mensagens. Sexualidade, sensualidade, alegria, tristeza, discriminação são alguns dos temas que os rostos das velhas bonitonas carregam.
“Fui a uma conferência sobre envelhecimento. Falaram sobre a sexualidade na velhice e achei o tema muito interessante. Peguei numas velhas e fi-las sexys. O desenho que fiz mostrava que elas tinham sensualidade, independentemente da idade. Estavam de lingerie, com a alça do soutien a cair, com uma flor, a rir. No fundo, confiantes com a sua sexualidade e sensualidade. Fui a outra conferência em que falavam sobre discriminação. Quando saí, inspirada, fiz uma velha que estava com um ar totalmente de reprovação, em tom discriminatório, mesmo sisuda, retratando com força o tema”, exemplifica a artista.
As velhas de Maria não têm idade, mas sim personalidade. E cada uma, com mais ou menos rugas, tem uma história. O que interessa à artista é isso mesmo: “As rugas carregadas que transportam histórias”. Por isso, e porque representam vivências de mulheres reais, Maria pinta tanto o positivo como o negativo: “Elas estão bem na pele delas. Se são ‘trombudas’, são isso mesmo e é exatamente assim que as vou retratar. Tudo é pintado de forma emotiva.”
E é também com essa emotividade que o público se tem identificado: “Ninguém fica indiferente, porque toda a gente vai envelhecer. As pessoas dizem que as minhas pinturas estão carregadas de emoções e eu fico mesmo feliz. Sinto-me forte de cada vez que faço uma delas. É uma história que dali sai! Crio as velhas e dou liberdade a quem as vê para imaginar as suas histórias. A obra só termina aí, no observador.”
Do papel para os workshops de preparação para o envelhecimento
O impacto do projeto Velhas Bonitonas junto de pessoas individuais e até de marcas ou associações relacionadas com o a área do envelhecimento tem sido grande. De tal forma que a energia destas mulheres já saiu da tela para o real.
Neste momento, em parceria com a Associação Cabelos Brancos, Maria Seruya organiza workshops de preparação para o envelhecimento em que, através da arte, se abordam assuntos relacionados com o corpo, a cabeça, o coração e a alma.
“Sensibilizamos e consciencializamos para o processo do envelhecimento através de reflexões e exercícios práticos de desenvolvimento pessoal. Para tal, utilizamos ferramentas como pintura e colagem, escrita criativa, humor e meditação. No final, os participantes têm acesso a um processo inovador de preparação do envelhecimento com o qual adquirem competências para vivenciar a sua passagem do tempo de forma mais natural e confiante”, explica Maria.
Há ainda o projeto “A sua Velha Bonitona”, cujo objetivo final é que a mulher sinta a passagem do tempo de forma mais natural, confiante e com humor. Através de pedidos individuais, Maria cria futuras velhas bonitonas em que cada cliente se pode tornar. O objetivo não é retratar a parecença da cliente na sua velhice, mas sim utilizar as suas manias, apontamentos físicos, interesses e personalidade para criar uma Velha Bonitona.
O próximo passo são as exposições anuais em que todas as Velhas Bonitonas criadas se apresentam neste registo ao público. Brevemente, em setembro, Maria vai produzi-las em telas de tamanhos maiores. O projeto vai estar integrado numa residência artística onde será possível, como ela explica, “trabalhar a fundo a parte artística e a parte técnica”.
Até lá, sempre em grande estilo, as Velhas Bonitonas continuam a expressar-se. Sem medos e com toda a confiança que as define.
O quê? Velhas Bonitonas
Informações: Facebook do projeto