Quando começa o concerto, Sampha dá uma de Stevie Wonder que duvida da felicidade. Enquanto este último se chegava (e chega, atenção) às teclas para garantir que um mudança estava a caminho, o músico inglês toca e canta duvidando sempre do futuro, sobretudo do futuro dele próprio, do rumo que lhe está traçado e daquilo que o mundo — sobretudo o mundo do coração, sempre o mesmo vilão — lhe tem reservado. Mas faz tudo isso com um sotaque sacado à libido, em vez de procurar as respostas no cérebro (não está necessariamente errado convenhamos).

Ora, com tudo isto no palco, o resultado é o esperado: ainda é de dia mas estivesse mais escurinho e lá se ia a vergonha que muitos parecem ter para soltar abraços e amassos entre a multidão. Há encostos e rebolation, mas a coisa vai-se ficando por aí. Que é mais ou menos o que acontece à prestação de Sampha: vai andando, vai correndo, tudo certo, tudo cool, mas nunca passa essa barreira.

Apesar da entrega do homem, muitos não estão disponíveis para lhe escutar as dores de quem foi desfeito pelas agruras da vida uma e outra vez. Ele entrega tudo o que tem às canções, num misto de R&B com a aproximação tímida a algo mais ou menos dançante. Mas apesar dessa entrega, acaba por ficar preso ao formato que lhes deu. O tom é o mesmo nas confissões mas também é o mesmo no piano e na voz. Há coisas que não se esquecem nem que muito se queira, mas aqui pode não ser assim, e talvez o londrino não leve muitos a contar histórias de dia seguinte, ao estilo “vocês nem imaginam o concertão que eu vi ontem”.

Há um drone a passar por cima da multidão, uns olham para as imagens que lá de cima chegam aos ecrãs, outros aplaudem o aparelhómetro. Há ali bastante tempo para gastar com o que, em princípio, seria bem para lá de secundário. Isso pode ser sinal de que a sintonia não é a ideal, não?

E depois aquele twist final. Sampha deu um concerto que se foi mantendo em escalada contida até ao tema que fez a diferença, “Blood on Me”. Porque aí os modelos são outros, o timbre arrisca mais, a liberdade é muito maior e a força foi a que não se viu em todos os momentos. Fosse tudo assim e a história tinha sido outra.

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